Nos últimos dias, o assunto mais comentado, mundo afora, foi inflação. Eu próprio, aqui neste espaço, venho abordando o tema sistematicamente. Hoje vou aproveitar para discuti-lo sob outra ótica.
Primeiramente, como defini-la? 1) Processo de alta contínua e generalizada no nível geral de preços da economia; 2) Corrosão do poder de compra da moeda; 3) Tipo de “imposto” que afeta os mais pobres; 4) Disputa entre classes sociais por uma fatia maior da riqueza do país.
Todas as definições acima são corretas, lembrando que existem tipos: demanda, custos, inercial e expectativas. Eu, como professor, tentando usar uma linguagem metafórica, para ajudar aos jovens a melhor entendê-la, associo-a àquele game, o “Pac-Man”. Nele, o bichinho “come-come” vai percorrendo um labirinto, engolindo pontinhos, fugindo de fantasmas. É por aí: uma corrida de espectros, erodindo o poder de compra da moeda, ao longo do tempo.
Como o Banco Central detém o monopólio da emissão monetária, é dele que devemos esperar a atuação contrária. No caso brasileiro, com a introdução do sistema de metas, em 1999, a autoridade monetária vai conduzindo as expectativas através do manejo da taxa de juros Selic.
Nas últimas semanas, o mercado financeiro local melhorou o humor de forma significativa, com alta na bolsa e apreciação do real. Que bom! As explicações se devem ao resultado positivo do PIB do 1º trimestre de 2021, que elevou as projeções dos analistas, além de números promissores na arrecadação de impostos. Porém, uma parte da mudança deveu-se ao aumento da inflação, por incrível que pareça. Como assim?
Como muito bem explicou Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI), em recente artigo no Estadão, se a inflação ficar em 7,5%, o PIB nominal crescerá para R$ 8,3 trilhões, o que nos levará a uma relação dívida bruta/PIB de 87,5%, menor do que os 89% do ano passado. Uma vez que esse é um dos principais indicadores macroeconômicos de análise, o mercado comemora.
Na mesma toada de Salto, o professor Affonso Celso Pastore já havia feito observações similares, na linha de que o mundo financeiro está vendo otimismo além do que deveria. Segundo ele, parte das melhores perspectivas fiscais, às quais me referi, não é originada por progressos que tenhamos feito nessa seara, mas, sim, de uma conjuntura favorável temporária, que, aliás, vem atraindo investidores estrangeiros e ajuda a valorizar nossa moeda.
Não consigo discordar de ambos, mas gostaria de fazer uma observação adicional, uma espécie de proposta, que julgo adequada: que tal aproveitarmos este momento “animado” dos investidores para efetivamente resgatarmos a agenda de reformas, que ficou adormecida com a pandemia? Não seria muito melhor fazê-las com o mercado favorável, como agora? Não teremos, muito provavelmente, uma janela de oportunidade externa como esta no ano que vem, além da disputa eleitoral que tomará conta do país e tende a atrapalhar.
O que quero dizer é que na quinta-feira saiu o resultado da inflação nos EUA, apontando alta, em base anual, de 5%. Mais uma vez, os investidores deram de ombros para esse número elevadíssimo, e as bolsas subiram, pois alegam que o aumento é passageiro, por conta de rupturas na cadeia logística, por exemplo, que fazem os preços dispararem. Pode ser! Porém, me parece que o mercado está míope em enxergar só o lado dos custos, enquanto as políticas de demanda estão aí, engordando o “Pac-Man”.
Tenho dificuldades em acreditar que esse “everything rally” permanecerá por muito mais tempo. Em minha visão, teremos uma mudança na política monetária do Fed (o Banco Central dos Estados Unidos) já no 1º semestre de 2022, sobretudo se a inflação alta não for temporária como (quase) todos creem.
Assim, minha ideia seria aproveitar o período entre julho e outubro deste ano para tocarmos as reformas administrativa e tributária, enquanto o cenário externo favorável assim permite. Além disso, acelerar as privatizações seria ótima estratégia, pois os investidores estão com apetite por risco. Quem sabe a hora de agir não seja já?
Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e prof. IBMEC-RJ