Perdendo o que não tem

Cálculo de impacto de decisão do STF sobre PIS e Cofins é enganoso, dizem advogados

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4 de junho de 2021, 9h53

Ao calcular o possível impacto da modulação da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o cálculo do PIS e da Cofins, os economistas da Instituição Fiscal Independente, que apresenta estudos para o Senado Federal, partiram de uma premissa pró-Receita e levantaram uma possibilidade que não foi apreciada pelos ministros, o que pode levar a erro.

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ReproduçãoModulação da "tese do século" atendeu parcialmente às demandas da Receita

Em maio, o STF decidiu que o ICMS não deve fazer parte da base de cálculo do PIS e da Cofins desde 15 de março de 2017, e que, portanto, os valores pagos entre essa data e 13 de maio de 2021 devem ser restituídos ao contribuinte. O valor considerado para o cálculo da devolução (por meio de crédito tributário) será o ICMS destacado nas notas fiscais.

Os analistas da IFI, sob a direção executiva de Felipe Salto, estimaram dois cenários macroeconômicos possíveis a partir da decisão, calculando impactos sobre a arrecadação federal que variam de 0,6% (no cenário 1) a 0,9% (no cenário 2) do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo cenário 1, que considera o que se deixou de arrecadar com a mudança mais a devolução do imposto cobrado a mais, o impacto poderia chegar a R$ 120,1 bilhões, afirmaram.

Tributaristas consultados pela ConJur, no entanto, fizeram algumas ressalvas. A primeira delas, de ordem mais geral, atenta para o viés de "perda de arrecadação" adotado pelo estudo. Para o cálculo dos cenários, eles consideram que o governo deixaria de arrecadar a fatia do PIS e da Cofins que era calculada sobre o ICMS.

Segundo Maria Angélica Feijó, sócia da área tributária de Silveiro Advogados, não há perda de arrecadação, mas sim devolução de valores arrecadados pela União de forma inconstitucional. "Temos que encarar que o valor de R$ 120,1 bilhões não é um impacto negativo na arrecadação da União, mas um impacto — e positivo — na economia, visto que estamos devolvendo aos contribuintes o que lhes é de direito", sustenta.

Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, faz coro a esse ponto de vista, ressaltando que a devolução das cobranças é especialmente importante diante da crise econômica causada pela epidemia de Covid-19.

"Existe grande movimentação dessas empresas na apuração dos valores de indébito tributário e a definição da forma de implementação desse ganho financeiro, por meio de compensação administrativa ou execução de sentença. No atual momento de pandemia e dificuldades econômicas em vários setores, esses créditos tributários configuram um fôlego econômico de grande importância."

Partindo desse mesmo raciocínio, não faz sentido projetar os cálculos desse impacto para o futuro, como fez o estudo, de 2021 a 2030. Conforme destacado por Luciana Aguiar, do Bocater Advogados, "não se perde o que não se tem". 

"A arrecadação sobre o ICMS foi considerada indevida pelo STF e, independentemente da opinião pessoal de qualquer especialista, a conclusão jurídica só pode ser no sentido de que tudo o que foi arrecadado a título de PIS e Cofins calculado sobre ICMS foi arrecadação indevida. Agora, o erário irá devolver apenas os valores que foram reclamados dentro do prazo decadencial", desenvolve.

A IFI ainda destacou que o resultado do julgamento do STF pode levar o governo a aumentar as alíquotas do PIS e da Cofins para compensar a queda de arrecadação. "Ressalte-se, ainda, que a decisão em tela segue a tese segundo a qual não se pode cobrar tributo sobre tributo. Do ponto de vista da gestão fiscal e, particularmente, da arrecadação federal, a reação possível do governo federal seria a eventual proposta de elevação das alíquotas do PIS/Cofins. Esse aumento das alíquotas poderia compensar a queda esperada das receitas públicas decorrente da retirada do ICMS da base dos dois tributos", diz o estudo.

Thalles Silva, advogado da área tributária do Kincaid Mendes Vianna Advogados, critica essa possibilidade. "Muitos contribuintes discutiram essa tese nos tribunais por anos, sendo certo que uma majoração de alíquotas nesse momento seria frustrante e desleal. Afinal, o contribuinte também está pressionado pela crise", afirmou.

"Além disso, ainda que a redução não chegue ao consumidor final, tal fato não legitimaria que a base de cálculo do PIS/Cofins permanecesse majorada pelo ICMS", completou o advogado.

Simulação perigosa
Já o cenário 2 montado pelos economistas foi mais atacado pelos advogados. A projeção foi criada considerando que a Receita vá levar em conta não apenas o valor destacado na nota fiscal para devolução dos valores recolhidos a mais, mas somar a eles os créditos tributários já obtidos.

O estudo diz que é "razoável supor que a RFB considerará o valor destacado nas notas fiscais, mas também os valores dos créditos, já que a decisão do STF não abrange essa questão". Nesse cenário, o impacto da arrecadação menor chegaria a 0,9% do PIB entre 2021 e 2030.

Matheus Bueno, do Bueno e Castro Tax Lawyer Advogados, afirma que a simulação é "perigosa" ao traçar esse tipo de cenário, já que a decisão do Supremo não deixou margem para essa interpretação.

"Ainda que o acórdão não tenha sido publicado, está mais que claro nos julgamentos que a discussão sobre ICMS destacado ou recolhido continha em si a questão quanto à possibilidade de se considerarem os créditos da não cumulatividade no valor do imposto a ser excluído da base das contribuições."

Luciana Aguiar concorda. "O cenário 2 simulado não tem base na decisão do STF e, em minha opinião, é um equívoco, podendo induzir não apenas a um erro na estimativa orçamentária, como também a novo contencioso (autuações por parte da RFB) que só vão atrasar o fim dessa celeuma. Não parece, portanto, produtivo fazer essa simulação", opina.

Perdas e ganhos
Em um ponto, no entanto, os especialistas elogiaram o levantamento e concordaram com a conclusão dos economistas: nas reflexões feitas sobre quem efetivamente vai se beneficiar da decisão, se as empresas ou o consumidor final.

A concórdia surgiu da constatação de que o repasse de imposto menor para o preço final do produto não é automático. Luciana Aguiar destacou que é correta a conclusão do estudo de que a variação dos efeitos econômicos da mudança do imposto é condicionada pela demanda por um item econômico, mas que esse insight deve servir para novas proposições legislativas.

"A quem cabe a devolução [se às empresas ou aos consumidores] é uma questão bastante relevante para refletirmos nesse momento em que a reforma tributária vem sendo debatida. O Brasil tem um sistema tributário complicado e pouco transparente em termos de tributação indireta, nela incluídos o PIS e a Cofins", reflete a advogada. 

No entanto, não é possível fugir da conclusão de que, como foram as empresas que pagaram o excedente agora considerado inconstitucional, a maior beneficiária agora serão elas. "Juridicamente, o contribuinte são as empresas e, portanto, não há outra alternativa que não atribuir a elas o direito de recuperar valores pagos de forma indevida, independentemente do ônus econômico ter sido ou não suportado por elas", defende. 

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RE 574.706

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