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Economia

Inflação avança e pode reduzir folga fiscal esperada pelo governo em até R$ 7,4 bi em ano eleitoral

Alta da energia elétrica e dos combustíveis deve manter IPCA mais alto que o esperado, diminuindo espaço sob o teto de gastos para mais despesas em 2022
Diferença entre o reajuste do teto e a correção das despesas definirá espaço do governo para gastar mais em 2022 Foto: Geraldo Magela / Agência O Globo
Diferença entre o reajuste do teto e a correção das despesas definirá espaço do governo para gastar mais em 2022 Foto: Geraldo Magela / Agência O Globo

RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA - Impulsionado pelos aumentos em energia elétrica e combustíveis, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,53% em junho, segundo informou ontem o IBGE.

Em 12 meses, acumula alta de 8,35%, a maior desde setembro de 2016. Como é esse índice que vai reajustar o Orçamento da União no ano que vem, o governo vai poder gastar mais R$ 124 bilhões em 2022, uma folga estimada hoje de mais de R$ 30 bilhões.

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Já as despesas devem subir menos, porque espera-se que a inflação no fim do ano, que é a que corrigirá salários e pensões, por exemplo, já esteja mais baixa.

O problema é que a inflação tem surpreendido para cima e pode chegar ao fim do ano bem mais alta que o esperado, impactando mais essas despesas fixas e deixando menos recursos livres para gastos do governo no ano eleitoral.

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A crise hídrica fez subir a conta de luz, o petróleo não para de subir no mundo, o que aumenta preços da gasolina, diesel, gás de cozinha. Com isso, economistas avaliam que a sobra no Orçamento do ano que vem será mais estreita, com redução entre R$ 4 bilhões e R$ 7,4 bilhões.

Folga menor

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, calcula que a folga para gastos pode cair de R$ 34,9 bilhões para R$ 27,5 bilhões, se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) fechar 2021 em 6,5%, ao invés dos 6% esperados. Uma queda de R$ 7,4 bilhões no gasto em 2022.

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O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Daniel Couri explica que, embora o teto de gastos seja reajustado pela inflação acumulada em 12 meses até junho, a maior parte das despesas — salário mínimo e benefícios previdenciários — é corrigida pelo INPC de janeiro a dezembro.

— Se a inflação do final do ano ficar mais baixa, vai ter essa folga. Mas isso não é dado. As expectativas de inflação do fim do ano estão crescendo: quanto maior ela for, menor será esse espaço fiscal, o que recomenda certa prudência para o governo — observa, lembrando que a última projeção da IFI apontava para um espaço de R$ 47 bilhões.

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Para o economista da Tendências Consultoria, Fabio Klein, a folga pode chegar a cair de R$ 33 bilhões para R$ 29 bilhões, nos seus cálculos, que também consideram as despesas que serão reajustadas pela inflação de 2022. Uma queda de R$ 4 bilhões:

— Isso força o governo a fazer escolhas. Mesmo assim, dá para aumentar o Bolsa Família, dar algum reajuste ao servidor e fazer obras de infraestrutura que têm efeito eleitoral importante.

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'Mais um ano sem aumento real', diz secretário

O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, diz que manterá o padrão dado pelo teto de gastos (que limite o crescimento da despesa à inflação do ano anterior):

— Estamos indo para mais um ano sem aumento real. Vamos gastar no ano que vem o que gastamos nesse ano. A distribuição entre (despesas) obrigatórias e discricionárias (livres, como investimentos) depende do INPC, que corrige parte expressiva das despesas obrigatórias do governo, e é de janeiro a dezembro. É por isso que é fundamental continuarmos com a nossa estratégia de consolidação fiscal e reformas, porque é isso que vai levar a trajetória da inflação para baixo ao longo do ano.

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Dos nove grupos acompanhados pelo IBGE, oito tiveram alta em junho. O maior impacto veio do grupo Habitação, que avançou 1,1%, principalmente, por causa do aumento da energia elétrica. Para analistas, o comportamento dos preços mostra uma inflação persistente.

. Foto: Criação O Globo
. Foto: Criação O Globo

Itens como energia e combustíveis tendem a pressionar com mais força o indicador entre julho e agosto. Será quando os efeitos do recente reajuste da Petrobras, nos preços da gasolina, diesel, gás de botijão e gás canalizado, e do reajuste de 52% no valor da bandeira tarifária de energia pela Aneel, começam a chegar ao consumidor.

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A subida recente do dólar, na contramão do que esperava o mercado, depois que o Banco Central subiu os juros de 2% para 4,25% ao ano, é outra fonte de preocupação. Ruídos políticos fizeram o dólar voltar ao patamar de R$ 5,30, depois de ter caído abaixo de R$ 5.

Inflação pode chegar a 9% em agosto

Para Andrea Damico, economista-chefe da gestora Armor Capital, a inflação deve ficar em 0,75% em julho e chegar perto de 9% entre julho e agosto, no acumulado em 12 meses.

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Além das pressões já citadas, ela diz que os bens industriais continuam ficando mais caros e os serviços podem ser o “novo foco de inflação”:

— Tem um componente inercial de serviços, que vai continuar nos próximos meses, e tem inflação da reabertura ainda que temporária.

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O risco de piora da inflação no quarto trimestre do ano pode até forçar o Comitê de Política Monetária (Copom) a elevar a taxa Selic para 8,5% no início de 2022, diz Andrea:

— Ter uma inflação mais de três pontos percentuais acima do centro da meta (3,75%) tem implicações para 2022. A nossa projeção de 4,2% para o IPCA no ano que vem é efeito da inflação deste ano.