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Estudo mostra que despesa pública subiu antes da covid-19, mas País está longe dos que mais gastaram

Segundo levantamento do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV, os gastos públicos passaram de 38,4% do PIB em 2010 para 42,7% em 2019; na comparação entre 31 países, o Brasil aparece na 22.ª posição entre os que mais elevaram as despesas, com China em primeiro lugar

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - No momento em que o debate sobre os gastos públicos nunca esteve tão forte por causa do tamanho do pacote bilionário de estímulo fiscal para o enfrentamento da covid-19, o Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) calculou que o aumento das despesas públicas já estava em aceleração na última década, antes mesmo da pandemia.

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As despesas do setor público passaram do equivalente a 38,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 para 42,7% em 2019. Os gastos que mais cresceram foram benefícios sociais (previdenciários e assistenciais), que tiveram alta de 3,6 pontos porcentuais do PIB, e a remuneração dos servidores, que subiu 1 ponto porcentual do PIB. 

O trabalho, obtido pelo Estadão, envolve o período de 2010 a 2019, que antecede o primeiro ano da pandemia, e tem com objetivo servir de base para uma análise criteriosa dos fatores que vêm puxando a expansão dos gastos no Brasil, a velocidade desse crescimento e a necessidade das políticas públicas daqui para frente.

A ideia dos pesquisadores envolvidos no projeto foi trazer maior transparência para os dados e ajudar no debate sobre os rumos da política fiscal brasileira usando uma metodologia baseada na despesa efetiva, afastando, inclusive, duplas contagens que foram apontadas pelo estudo e que acabam inflando os dados. 

O trabalho contesta as avaliações de que o Brasil foi o País que mais ampliou os gastos no período, com dados que mostravam alta acima de 10 pontos porcentuais na década. 

O debate sobre as despesas não é de agora, mas a divulgação dos dados ocorre num momento em que o crescimento dos gastos públicos no socorro durante a pandemia tem preocupado muitos analistas com relação à sustentabilidade das finanças públicas e à capacidade do governo de controlar seus gastos. 

“Os dados de finanças públicas envolvem uma complexidade grande mesmo para analistas experientes, o que pode levar a diagnósticos equivocados ou mesmo percepções imprecisas sobre o tamanho do problema”, avalia o coordenador do observatório, Manoel Pires, e um dos autores do estudo ao lado dos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair.

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O debate ganha maior relevância em função das circunstâncias recentes: um déficit público recorde em 2020 e uma dívida bruta que pode atingir 100% do PIB nos próximos anos.

O coordenador do Observatório Fiscal do Ibre/FGV, Manoel Pires. Foto: Dida Sampaio/Estadão - 27/11/2020

Para a comparação internacional, o Tesouro Nacional usa dados que mostram que a despesa pública (sem considerar os investimentos) saiu de 40,6% do PIB em 2010 para 48,2% do PIB em 2019, uma variação positiva de 7,6 pontos porcentuais do PIB.

Segundo Pires, a preocupação que levou ao levantamento é com o fato de que distorções estatísticas podem endossar teses inadequadas sobre a dinâmica e o tamanho do governo no Brasil, principalmente em relação a outros países.

“Nada tem a ver visão X ou Y sobre economia. É estatística nua e crua. Se quisermos fazer uma análise de quanto expansionista ou contracionista é a política fiscal tem que analisar o gasto efetivo”, diz Gobetti. Ele explica que o trabalho faz três ajustes metodológicos que retiram itens justamente que não são gastos efetivos e acabam sendo contabilizados nos dados que o Tesouro publica para ajustar os cálculos a critérios internacionais. 

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Foram excluídas do cálculo as contribuições sociais, que são somadas às despesas com salários e vencimentos dos servidores para se chegar à remuneração. O problema é que, na maioria das vezes, as contribuições possuem um caráter meramente contábil. Segundo Pires, a metodologia usada no estudo acaba com a dupla contagem do gasto para contribuição previdenciária e a despesa efetiva com o pagamento das aposentadorias.

O estudo também excluiu os desembolsos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que são privados. A avaliação é de que a permanência desses dois fundos como despesas públicas gera distorções como, por exemplo, o gasto cresce muito mais nos anos em que o governo libera os saques do FGTS, como tem ocorrido desde 2017. “Entendemos isso como uma ampliação artificial do gasto publico”, diz Pires. 

Também foi excluída a estimativa de depreciação dos ativos do governo, que é a perda de valor do estoque dos investimentos, como prédios públicos e rodovias. O entendimento é que a depreciação gera um custo econômico, mas não um gasto público que só é efetivado, por exemplo, quando o governo gasta para tapar um buraco de uma estrada ou construir um prédio novo.

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Comparação internacional

O Observatório de Política Fiscal incluiu uma lista que coloca o Brasil na 22.ª posição na comparação com 31 países que mais expandiram a despesa pública entre 2010 e 2019. A primeira posição é ocupada pela China que aumentou as despesas em 8,9 pontos porcentuais do PIB, seguida por Paraguai, Noruega, Argentina, Uruguai e Coreia do Sul.

O ranking foi feito com base em dados do relatório World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI), que indicam que o gasto público no Brasil caiu 2,04% do PIB entre 2010 e 2019.

O relatório WEO do FMI foi feito com base numa metodologia diferente da usada pelo Observatório de Política Fiscal e o Tesouro Nacional. O observatório alerta que o próprio FMI apresenta dados distintos para a evolução da despesa pública entre os países. No relatório Monitor Fiscal do FMI, por exemplo, os dados apresentados são equivalentes aos divulgados pelo Tesouro.

Para o Observatório de Política Fiscal, essas diferenças mostram como os rankings são delicados e devem ser usados com muita cautela. 

Conheça o Observatório de Política Fiscal

Centro de debate e divulgação de informações sobre as contas públicas brasileiras, o Observatório de Política Fiscal nasceu na trilha da ampliação do debate na sociedade sobre os gastos públicos, a crise fiscal e o uso do dinheiro arrecadado com impostos com maior eficiência. 

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O observatório não tem o papel específico de ""watchdog" (cão de guarda) das contas públicas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, mas tem desempenhado uma função de ser um local onde se pode obter informações novas e consolidadas de tudo que está ocorrendo nessa área, num ambiente de cooperação técnica que não se restringe aos pesquisadores do Ibre. Um exemplo foi a divulgação de uma série temporal de 50 anos sobre os investimentos no País, dados que não estavam disponíveis nem mesmo no governo federal.

Com a pandemia da covid-19, a discussão aumentou ainda mais por causa da necessidade de garantir políticas públicas para combater a doença e seus efeitos na economia, sobretudo, na população mais pobre, como o auxílio emergencial. 

Segundo Manoel Pires, a proposta é ampliar a agenda de divulgação dos dados sobre despesas públicas e tributação com permanente atualização. “Existem muitas pessoas se envolvendo com o assunto e formando opinião sobre os temas fiscais, mas com conhecimento muito heterogêneo sobre o tema. A função do observatório é preencher essa lacuna.”

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