Economia

Do jeito que está, a PEC Emergencial não passa no Senado, diz oposição

Relatório propõe o fim do piso de gastos com saúde e educação; alternativa é fatiar proposta e aprovar apenas novo auxílio emergencial

Humberto Costa, presidente da CDH discursa no Senado. Foto: Waldemir Barreto/ Agência Senado
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O Senado Federal inicia nesta quinta-feira 25 a discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição que abre caminho para uma nova concessão do auxílio emergencial, condicionada a medidas de ajuste nas contas públicas.

A votação, entretanto, deve ficar para a próxima semana, devido à pressão contra o relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC).

Entre os pontos criticados, estão o fim do piso de gastos com saúde e educação e a exclusão do repasse de 28% das receitas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao BNDES).

Atualmente, os estados são obrigados a destinar 12% de seus recursos para a saúde e 25% para a educação. No orçamento federal, os índices são de 15% e 18%, respectivamente.

No texto, Bittar propõe a inclusão de um dispositivo na Constituição sobre “cláusula de calamidade pública de âmbito nacional”.  O objetivo é permitir que o governo federal possa pagar o auxílio emergencial.

De acordo com a proposta, as despesas decorrentes do benefício “não serão consideradas para fins de apuração da meta fiscal e deverão ser atendidas por meio de crédito extraordinário”.

A PEC Emergencial é vista pelo governo como fundamental para a renovação do benefício. A ideia é pagar quatro parcelas de 250 reais a até 40 milhões de pessoas. O custo total, segundo a equipe econômica, deve ser de 40 bilhões de reais.

A senadora Simone Tebet (MDB-MT) defende que a PEC seja aprovada apenas no que se refere ao estado de calamidade pública, sem os pontos polêmicos.

“Do jeito que está, o relatório tira do pobre para dar para o miserável. Vamos aprovar a PEC emergencial desidratada”, pediu em plenário.

O texto de Bittar também foi alvo de críticas da oposição e de centrais sindicais, que se reuniram na terça-feira 23 para discutir uma frente de atuação contra a proposta.

“Muita gente da base do governo disse que não aceitava esse texto. Há uma resistência à ideia de eliminar os pisos de saúde e educação e isso gera dificuldade”, revelou Humberto Costa (PT-PE).

O texto prevê também a inclusão de uma série de medidas para promoção de ajustes fiscais com o intuito de reduzir o endividamento do País, estados e municípios.

Para a União, os mecanismos seriam instituídos caso as operações de crédito excedam as despesas de capital. No caso de estados e municípios, o gatilho é a elevação das despesas correntes acima do limite de 95% das receitas correntes.

A proposta determina a reavaliação periódica de benefícios tributários, creditícios e financeiros e veda a ampliação dos mesmos a partir de 2026 caso ultrapassem 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Há, ainda, a modificação nos limites para gastos com pessoal e proibição que novas leis autorizem o pagamento retroativo desse tipo de despesa.

Estariam vetadas, por exemplo, a criação de cargos que impliquem aumento de despesa, a alteração de estrutura de carreira, a admissão ou contratação de pessoal ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem em aumento de custos.

Para Antônio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros, a proposta do senador do MDB “mistura a emergência social com a emergência fiscal”.

“Eles querem aproveitar o momento, a oportunidade, para aprovar uma série de medidas inoportunas”, diz.

Para ser aprovada no Senado, a PEC precisa passar por dois turnos e ter no mínimo 49 votos favoráveis. Há um acordo entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a tramitação seja rápida. No calendário de Lira, há a previsão de aprovação da proposta em março.

“O que nós vamos pretender é que, uma vez aprovado [o texto da PEC] no Senado, já haja por parte do governo uma efetivação do auxílio emergencial, considerando que há uma tendência muito clara da Câmara dos Deputados diante da importância disso para o País”, afirmou Pacheco.

Pontos críticos

No encontro entre centrais e parlamentares da oposição, o economista Bruno Moretti fez uma exposição sobre o texto da proposta.

“O governo aproveitou a demanda por uma PEC, flexibilizou as regras e incorporou uma série de chantagens para retomar o auxílio, que formam na realidade uma política de austeridade”, afirmou.

Em sua apresentação, Moretti listou a revogação dos pisos da Saúde e Educação e a inclusão de gatilhos para contenção de gastos que impedem reajustes salariais para o funcionalismo público como pontos mais preocupantes.

Para a oposição, os trechos mais críticos são:

• Revogação dos pisos de Educação e Saúde;

• Gatilhos para conter gastos de entes subnacionais quando despesas correntes atingirem 95% das receitas;

• Só é assegurado pagamento de auxílio emergencial residual, sem cobrir outras despesas (SUS, Pronampe etc.);

• Introdução de mais regras fiscais, com diretriz de equilíbrio intergeracional e previsão de sustentabilidade da dívida. Adotado certo patamar (previsto em lei), governo tomaria diversas providências, inclusive privatizações;

• Antecipação dos gatilhos do teto de gasto para o PLOA, quando 94% das despesas sujeitas ao teto forem obrigatórias. Assim, não seria possível, por exemplo, reajustar salários de profissionais de Saúde e Educação nem mesmo para repor as perdas inflacionárias. Também não seria permitido criar despesa obrigatória, por exemplo, para financiar leitos de UTI para pacientes de Covid-19;

• Exclusão de vinculação de impostos a Saúde e Educação, colocando em risco, particularmente, o Fundeb (embora não haja explicitamente revogação do Fundeb no texto);

• Extinção dos repasses de 28% do FAT para o BNDES;

Em nota, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) afirmou que o relatório “traz graves riscos de precarização dos serviços públicos – inclusive os essenciais”.

“Torna a atual conjuntura ainda mais preocupante, diante do contexto de crise sanitária vivido no nosso País, em função da Covid-19”, diz o texto.

Nas redes sociais, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também se manifestou.

O Fórum dos Governadores do Nordeste, em nota oficial, também se posicionou contrariamente ao texto de Bittar.

“No momento em que vivenciamos um agravamento da crise sanitária, em que milhares de famílias brasileiras choram a perda de entes queridos, em que milhões de brasileiras e brasileiros desempregados e desamparados clamam pelo auxílio do Estado brasileiro, consideramos que não cabe ao Parlamento protagonizar um processo desconstituinte dos direitos sociais, sob o pretexto de viabilizar o retorno do auxílio emergencial.”, diz o texto.

Fatiamento da proposta

Na quarta-feira 24, o presidente do Senado admitiu a possibilidade de fatiar a PEC e aprovar apenas a autorização para uma nova rodada do auxílio emergencial em 2021, deixando os dispositivos de contenção de gastos para depois.

“Não avaliamos isso ainda, mas eventualmente pode ser uma possibilidade”, afirmou Pacheco em entrevista à imprensa antes da sessão do plenário.

A Câmara também estuda uma alternativa para seguir o mesmo caminho do Senado. O assunto foi discutido nos últimos dias, mas enfrenta resistências do Ministério da Economia.

Projeções

A PEC Emergencial é vista como meio de viabilizar a nova rodada de auxílio sem risco de ultrapassar os limites das metas fiscais e do teto de gastos.

Em relatório divulgado na segunda-feira 22, a Instituição Fiscal Independente (IFI), que é ligada ao Senado, prevê que o risco de descumprimento do teto pelo governo federal passou de “alto” para “moderado”.

De acordo com o documento, o Brasil terá sucessão de rombos nas contas públicas até 2030.  Com isso, a dívida bruta do governo continuaria subindo até alcançar o patamar de 103,4% do PIB em 2030.

Nas projeções da Instituição, os gastos para mitigar os efeitos da pandemia de Covid-19 deverão ultrapassar  64 bilhões de reais. Pouco mais da metade seria destinada a um eventual novo auxílio emergencial.

O cenário considerado mais provável para o benefício aponta um custo de 34,2 bilhões de reais, considerando pagamento de quatro parcelas de benefício de 250 para 45 milhões de brasileiros — já incluídos os 19,2 milhões de inscritos no Bolsa Família.

“O governo, hoje, já tem um maior controle a respeito desses dados em razão da experiência do ano passado e provavelmente deverá conseguir uma maior capacidade de previsão desse gasto para 2021”, afirmou o presidente do órgão Felipe Salto.

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