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Economia Vilma Pinto

Novo ano, velhos desafios

A política fiscal iniciou 2021 com sinais de melhora, ainda que marcada pela inflação, mas deve encerrar o ano em situação de grande instabilidade

Em agosto de 2017, José Roberto Afonso e eu escrevemos um artigo para o Blog do IBRE sobre o teto de gastos. Em fevereiro deste ano, na minha primeira coluna no GLOBO, escrevi sobre o Orçamento público, analisando os recursos reservados para a saúde pública e como isso dialogava com o teto e as prioridades orçamentárias. Hoje, na última coluna de 2021, vou mostrar que mesmo com as recentes mudanças constitucionais que alteraram o teto de gastos, os desafios fiscais ainda são os mesmos.

No artigo de 2017, José Roberto Afonso e eu afirmamos que “o teto de gastos já nasceu sem muita credibilidade quanto ao seu cumprimento de médio e longo prazos”. Como uma grande parte das despesas primárias sujeitas à limitação do teto era de execução obrigatória, seriam necessárias amplas reformas fiscais para viabilizar seu cumprimento.

Na coluna de fevereiro, fiz uma análise à luz do contexto econômico, social e sanitário que o país se encontrava. O orçamento da saúde, definido no projeto de lei orçamentária de 2021, foi praticamente igual ao mínimo constitucional, claramente incompatível com o contexto da época. Lá, chamei a atenção para a questão da rigidez orçamentária e da restrição do teto dos gastos. A solução seria avançar em reformas capazes de conferir maior flexibilidade para o Orçamento público e de permitir uma melhor alocação dos recursos sem ferir as regras fiscais.

Hoje, o retrato mudou, mas ainda explicita os mesmos desafios. O Orçamento público continua engessado e o teto de gastos ruiu antes do tempo, como previmos no artigo de 2017.

O teto ruiu, porque, com discurso de que era preciso abrir espaço fiscal para ampliar despesas com a área social, o governo encaminhou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para criar esse espaço e em proporção muito maior do que o custo do novo programa social. A PEC 23 de 2021 ficou conhecida como PEC dos Precatórios e deu lugar a duas emendas à Constituição, a EC n° 113 e a EC n° 114. Essas emendas alteraram a sistemática de correção do teto de gastos e limitaram o pagamento dos precatórios.

Antes o teto era corrigido pela inflação do ano anterior acumulada em doze meses até junho. Com a EC 113, o teto passou a ser corrigido pela inflação em doze meses até dezembro. Outro detalhe em relação a essa mudança é que ela ocorreu de forma retroativa, ou seja, o teto foi recalculado para anos anteriores, conferindo um aumento no limite máximo de gasto governamental de R$ 73,2 bilhões, segundo edição de dezembro do Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Outra manobra realizada na constituição para ampliar o espaço fiscal de 2022 foi a limitação do pagamento dos precatórios. Com a mudança, agora o governo fica desobrigado de pagar todos os precatórios no momento de sua expedição. Essa limitação de pagamento de demandas judiciais contra a União abre um espaço adicional no teto de gastos de R$ 44,7 bilhões, que corresponde à diferença entre o volume de precatórios expedidos e não pagos e o valor que será pago em 2022 por conta dessa limitação.

Assim, somando as duas mudanças constitucionais que abrem espaço no teto de gastos para 2022, o total chega a R$ 117,9 bilhões, segundo relatório da IFI. Ora, o Orçamento do Auxílio Brasil, substituto do programa Bolsa Família, foi aumentado em R$ 54,4 bilhões, mas o espaço aberto no teto dos gastos foi muito maior. Esse espaço não se materializou em aumento da margem fiscal — diferença entre gasto e o teto —, mas sim em aumento de outros gastos, inclusive emendas de relator-geral e reajuste salarial para policiais federais.

O Orçamento público continua rígido, as despesas primárias ainda são alocadas sem muita margem em relação ao teto de gastos, o que dificulta o cumprimento da regra diante de choques nos gastos sujeitos a esta limitação. Soma-se a isso o desafio de recuperar a credibilidade da política fiscal perdida em função das recentes mudanças na Constituição.

A política fiscal iniciou 2021 com sinais de melhora, ainda que marcada pela inflação, mas deve encerrar o ano em situação de grande instabilidade. As mudanças que foram feitas no teto de gastos por meio das Emendas 113 e 114, aumentam o risco fiscal e geram incertezas sobre o futuro da política fiscal.