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Editorial

Perda de confiança do mercado resulta da incerteza política

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É cristalina a razão da perda de confiança do mercado no governo Bolsonaro. Os agentes financeiros não acreditam mais que o governo esteja comprometido com responsabilidade fiscal. A proposta orçamentária para o ano que vem se tornou, portanto, crítica. O Ministério da Economia tenta consertar o estrago. Para isso, depende de uma capacidade de articulação política que até agora o governo foi incapaz de demonstrar.

Na teoria, o Orçamento que o governo enviará ao Congresso até o fim do mês respeitará o teto de gastos e preverá um déficit primário abaixo do oficialmente autorizado pelo Congresso, como forma de transmitir um sinal de tranquilidade ao mercado. Mas não está claro como — ou se — tudo isso será viável, já que o governo vem ampliando há dois anos os gastos fora do teto em razão da pandemia, sem dar sinal de que esteja disposto a reduzi-los. Só neste ano, as despesas autorizadas acima do teto chegarão perto de R$ 105 bilhões, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI). O ano que vem é, simultaneamente, ano de acerto nas contas orçamentárias — e de eleição.

Em favor do governo, a inflação de 8,4% nos 12 meses encerrados em junho, usada para reajustar o teto, cria margem para gastar mais R$ 124 bilhões. Ao mesmo tempo, as receitas tributárias crescerão em virtude da inflação e da recuperação econômica, permitindo a redução prometida no déficit. Mas, antes, havia a expectativa de que a inflação até dezembro, usada para reajuste nos benefícios da Previdência, abono e seguro-desemprego, ficasse abaixo da usada para corrigir o teto, abrindo folga nos gastos. Tal expectativa não se concretizou. Nas contas da IFI, a folga poderá cair de R$ 47 bilhões para R$ 29 bilhões.

O outro prato da balança está repleto de gastos novos. O governo encaminhou ao Congresso o projeto para criar um novo programa assistencial, o Auxílio Brasil, de custo ainda incerto, avaliado em até R$ 30 bilhões acima do Bolsa Família, que substituirá. Na iminência do ano eleitoral, o Congresso criou um fundão de R$ 5,7 bilhões para financiar as campanhas. O presidente Jair Bolsonaro vetou a barbaridade, mas se recusou a vetar outra ainda mais descabida: a estapafúrdia emenda do relator, que permite aos parlamentares alocar, à revelia das normas de transparência e fiscalização, R$ 18,5 bilhões em despesas opacas, manobra conhecida como “orçamento secreto”. A previsão de gastos com dívidas judiciais (precatórios) também cresceu R$ 34 bilhões. Isso levou o governo a propor uma emenda constitucional impondo um parcelamento nos pagamentos que, na prática, equivale a um calote.

Embora haja folga para cumprir a meta fiscal, o teto de gastos continua sob risco, muito em razão da tramitação orçamentária caótica e da incapacidade do governo de formular uma estratégia fiscal plausível. A essa indefinição se somam a alta da inflação e a do dólar, hoje 66% acima do que estaria em situação política mais estável, dada a demanda por exportações brasileiras.

Em vez de zelar pela confiança, o presidente Jair Bolsonaro acirra os ânimos com instituições fundamentais não só para a democracia, mas também para a economia. O governo patina na reforma tributária e na administrativa, derrapou na privatização da Eletrobras e já perdeu, perante o mercado, o lustro liberal que ajudou a elegê-lo. Enquanto persistir a incerteza política, não há perspectiva econômica que resista.

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