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Economia

Guedes mandará Orçamento com meta fiscal rígida e sem reajuste do Bolsa Família para tranquilizar mercado

Equipe econômica quer afastar desconfiança dos investidores. Entenda os mecanismos que travam os gastos do governo
Guedes vai tentar tranquilizar mercado com envio do Orçamento de 2022 ao Congresso Foto: André Coelho / Agência O Globo
Guedes vai tentar tranquilizar mercado com envio do Orçamento de 2022 ao Congresso Foto: André Coelho / Agência O Globo

BRASÍLIA - O temor crescente de um descontrole fiscal, principalmente em 2022, ano eleitoral — que vem mexendo com o mercado nos últimos dias — acionou o alerta na equipe econômica, que agora tenta mostrar que continua firme no compromisso de manter as contas públicas equilibradas.

O envio ao Congresso do Orçamento de 2022, no dia 31, é visto como fundamental para dissipar a desconfiança dos agentes econômicos sobre as contas do governo em ano eleitoral.

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Integrantes do Ministério da Economia afirmam que a peça orçamentária vai respeitar todas as regras fiscais e será restritiva na previsão de investimentos e de outros gastos livres, como a manutenção da máquina pública, apesar de toda a pressão política para aumentar despesas com obras e programas sociais às vésperas das eleições.

Guedes: fiscal controlado

O objetivo é deixar claro que o Ministério da Economia está cumprindo o teto de gastos, mesmo que isso signifique sacrificar os chamados gastos discricionários, os que podem ser cortados. O teto de gastos estabelece um limite para as despesas da União que são corrigidas com base na inflação do ano anterior.

. Foto: Criação O Globo
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Ao GLOBO, o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, disse que há um compromisso "irrestrito" com a responsabilidade fiscal.

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— Toda a equipe do Ministério da Economia está alinhada em torno do compromisso irrestrito com a responsabilidade fiscal e com o respeito ao arcabouço de regras do país que permitem manter as contas públicas organizadas — afirmou.

Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de garantir que não há qualquer desequilíbrio e que a questão fiscal “continua sob controle” .

— Tem se falado sobre déficit e a possibilidade de descontrole fiscal. Hoje, não há o menor fundamento, do ponto de vista estritamente econômico, para dizer que o Brasil está perdendo o controle — disse, durante congresso sobre propriedade intelectual.

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Guedes voltou a afirmar que esse quadro é reflexo de um cenário de agudização política e antecipação das eleições. O ministro afirmou que até 40 ou 50 dias atrás as expectativas para crescimento eram melhores.

— Nós estávamos realmente decolando e agora está havendo uma agudização política, espécie de antecipação das eleições. Evidentemente teve um impacto sobre expectativas.

. Foto: Criação O Globo
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O anúncio de um substituto do Bolsa Família, com mais famílias atendidas e benefício maior, sem clareza sobre como a nova despesa seria incluída no Orçamento, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que parcela precatórios (dívidas decorrentes de decisões finais da Justiça) ajudaram a provocar a desconfiança do mercado.

O presidente Jair Bolsonaro quer elevar o valor médio do benefício para R$ 300 (contra R$ 189 de hoje).

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O governo também tem reforçado o discurso de que a PEC dos precatórios foi justamente para evitar um descontrole fiscal e preservar o teto de gastos e diz que não se trate de um “calote” .

— A PEC alinhará o tratamento dado aos precatórios com a regra do teto, que é nossa principal âncora fiscal, e trará previsibilidade ao gestor para lidar com essa questão no ano que vem e nos próximos — disse Funchal.

Em outro evento ontem, Guedes disse que “pode ser que o próprio Congresso resolva mudar e tirar os precatórios do teto”, mas que a “Economia tem que se manter dentro da lei”.

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Sem reajuste

O Orçamento de 2022 será enviado ao Congresso sem prever reajuste para o Bolsa Família e incluindo gastos de R$ 89,1 bilhões para precatórios, sem parcelamento. Só serão feitos ajustes se a PEC for aprovada.

. Foto: Criação O Globo
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— Como a PEC está sendo proposta agora, o governo enviará ao Congresso o Orçamento propondo o pagamento integral dessas dívidas judiciais, conforme determina a lei — afirmou o secretário.

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Para Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a PEC é um problema porque muda a regra do jogo.

— A leitura é que o governo está mudando a regra do jogo para beneficiar o governo da vez. Tanto que a curva de juros subiu muito para todos os prazos. Isso claramente está associado ao problema fiscal — disse.

Para Salto, é possível discutir mudanças na regra, mas não mudar a regra do jogo para evitar o rompimento do teto:

— Não estamos a beira de um quadro de dominância fiscal, de insolvência. Mas as novas emissões de títulos do Tesouro vão saindo com juros maiores. A reforma do imposto de renda, a PEC dos precatórios, toda essa dificuldade de ter um debate claro é o que alimenta os riscos e apreensões.

Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas, diz que as incertezas causadas pela reforma do Imposto de Renda também preocupam:

— As pessoas antes tinham esperança de aprovar reformas boas. Mas, em dois meses, não ter uma reforma ruim virou lucro. As pessoas passaram a torcer para que reformas ruins não passem. Talvez isso tenha sido uma virada de chave.

Ele afirma que a PEC foi uma sucessão de erros e ainda cita a criação do fundo para pagar precatórios fora do teto.

— Cria um orçamento paralelo terrível, contra tudo que o ministro vinha defendendo — disse.

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O Orçamento do próximo ano deve prever déficit de R$ 70 bilhões, bem abaixo do oficialmente autorizado pelo Congresso (de R$ 170 bilhões), em razão do aumento da arrecadação. O governo vai esperar o melhor momento político para propor uma alteração formal.

. Foto: Criação O Globo
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Estabelecer uma meta mais apertada também impõe um freio no ímpeto do Congresso de aumentar gastos ou de tomar decisões que reduzam as receitas do governo.

As amarras do gasto público

Teto de gastos: limitado à inflação

  • O teto é considerado a principal regra fiscal do país, a “âncora” para as contas públicas. Aprovada em 2016, a norma limita o crescimento das despesas da União à inflação do ano anterior. Isso segura investimentos e outros gastos de custeio da máquina.

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Lei de Responsabilidade Fiscal

  • Principal arcabouço jurídico voltado para a responsabilidade fiscal, a LRF traz uma série de parâmetros para as contas públicas. Entre eles, diz que um gasto permanente só pode ser feito se houver receita permanente ou corte de despesa.

Regra de ouro: dívida só para investir

  • Norma originária da Constituição de 1988, a regra de ouro diz que o governo só pode se endividar para custear investimentos. Mas, desde 2019, diante dos déficits constantes, o Congresso vem autorizando o descumprimento da regra.

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Meta fiscal fixa o resultado do governo

  • A meta fiscal determina o quanto o governo deve ter de defícit ou superávit no ano. Quando a receita cai, o governo bloqueia despesas para se manter dentro da meta fiscal, contingenciando recursos. Quando a arrecadação cresce, há o inverso.

Colaborou Fernanda Trisotto