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Busca de espaço no Orçamento para políticas com retorno eleitoral piora risco fiscal, diz IFI

Segundo o órgão, proposta de parcelar o pagamento dos precatórios, com a intenção de abrir espaço para a reformulação do Bolsa Família, também afeta expectativas do Banco Central sobre a inflação

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - A busca de espaço no Orçamento para “acomodar políticas com retorno eleitoral” piorou a percepção de risco fiscal em relação ao Brasil e contribuiu para elevar as taxas de juros que investidores cobram para financiar o País, afirma a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF).

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Segundo o órgão, que tem como missão a vigilância das contas públicas, as avaliações negativas cresceram na esteira das discussões da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para parcelar dívidas judiciais da União (precatórios) e liberar espaço no Orçamento de 2022 para a implementação do Auxílio Brasil, um sucessor “turbinado” do Bolsa Família.

A PEC dos precatórios tem sido chamada de “calote” por parlamentares, ex-ministros da Fazenda e agentes do mercado financeiro, embora a equipe do ministro Paulo Guedes rejeite esse selo. Segundo o ministro, o “meteoro” de R$ 89,1 bilhões em dívidas judiciais previstas para 2022 é incompatível com o teto de gastos. O parcelamento, por sua vez, deixará um espaço de R$ 33,5 bilhões no Orçamento de 2022, livres para serem empregados na ampliação dos programas sociais.

Propostas em análise no Congresso para turbinar o Bolsa Família prejudicam cenário fiscal do País. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A queda de braço em torno do valor médio do Auxílio Brasil, entre os R$ 300 vistos como viáveis pela equipe econômica e os R$ 400 almejados pela ala política, também tem ampliado os temores em relação ao rumo das contas.

A IFI aponta o risco fiscal como um fator de dificuldade para o Banco Central conseguir controlar as expectativas de inflação em torno da meta. Como mostrou reportagem do Estadão/Broadcast, analistas relataram ao BC que suas projeções para a taxa de juros estão com “viés de alta”.

Nos últimos 12 meses, o índice oficial de inflação medido pelo IPCA atingiu 8,99%. As expectativas do mercado para a Selic ao fim do ano, por sua vez, aumentaram a 7,50% e podem subir ainda mais. Hoje, a taxa básica está em 5,25% ao ano.

“A busca de espaço para acomodar políticas com retorno eleitoral e a consequente piora da percepção sobre o risco fiscal dificultam a tarefa do Banco Central de ancorar as expectativas de inflação à meta. Criam incerteza adicional à trajetória prospectiva de inflação por meio da elevação dos prêmios de risco-país e dos juros”, diz a instituição.

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Segundo a IFI, esse ambiente pode ampliar os desafios para o Tesouro Nacional na gestão da dívida pública, que se elevou consideravelmente após os gastos extras da pandemia de covid-19. Embora o governo brasileiro tenha conseguido ampliar o prazo dos títulos colocados no mercado, após um período de pouco apetite por papéis com vencimento mais largo, o custo para se financiar está mais alto.

A instituição aponta um aumento nas taxas médias de negociação dos títulos da dívida, o que indica a piora na percepção de risco. Em junho, as taxas médias de emissão dos títulos da dívida foram de 7,25% ao ano para os prefixados de 24 meses e de 8,14% ao ano, para os prefixados de 48 meses. Em maio, essas mesmas taxas estavam em 6,91% e 7,97%, respectivamente. Em abril, eram ainda menores: 6,50% e 7,84%, na mesma ordem. Dados de julho e agosto sugerem continuidade dessa tendência. Neste mês, os juros futuros para um prazo de dez anos chegaram a dois dígitos (ou seja, acima de 10% ao ano).

“Esses números indicam que as taxas médias de negociação dos títulos estão subindo, reforçando as incertezas presentes no cenário. Os efeitos sobre o cenário de dívida serão importantes”, diz a IFI.

Hoje mais cedo, o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, informou à Comissão Mista de Orçamento (CMO) que a dívida bruta do governo deve encerrar o ano em 81,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeção atualizada. Para os próximos anos, a dívida continuaria caindo, chegando a 80,8% do PIB em 2022, 80,6% em 2023 e 80,5% em 2024.

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Risco fiscal

As novas projeções mostram que o governo prevê uma melhora mais expressiva do indicador depois do salto do endividamento em 2020 na esteira dos gastos com ações de combate à pandemia de covid-19. Em junho, o secretário do Tesouro, Jeferson Bittencourt, afirmou ao Estadão/Broadcast que a dívida bruta poderia cair a 84% do PIB neste ano. No ano passado, o indicador fechou em 88,8% do PIB.

Apesar da melhora, Funchal reconheceu que o patamar da dívida ainda está acima do que seria o observado sem o choque da pandemia e também afirmou que os juros são um fator de risco para seu crescimento. Ele lembrou que, segundo o Banco Central, cada 1 ponto porcentual adicional no juro gera uma fatura adicional de R$ 30 bilhões em juros da dívida.

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Para a IFI, inflação e questões fiscais parecem estar influenciando a piora na percepção de risco. “Podem deteriorar a dinâmica inflacionária novos aumentos nas tarifas de energia elétrica, em razão de um agravamento da escassez hídrica, assim como os preços dos serviços, que começaram a subir com mais força à medida que diminuem as restrições ao funcionamento dos setores da economia com o avanço da vacinação. Além disso, a estiagem pode pressionar ainda mais os preços de produtos in natura”, diz o órgão.

O risco fiscal também pesa fortemente nessa avaliação, segundo a IFI. “A apresentação da PEC dos Precatórios, o risco de aumentos expressivos em despesas permanentes e a mudança do teto de gastos são fatores a serem monitorados de perto pela instituição”, afirma.

Na semana passada, a IFI já havia criticado a PEC dos precatórios e disse que a medida representava um “golpe importante” no teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação e hoje é a principal âncora fiscal do País.

“A atenção da IFI será redobrada, neste contexto de maior risco fiscal, na presença de medidas que podem abalar o arcabouço de regras fiscais vigentes, com efeitos relevantes sobre a inflação, os juros, a taxa de câmbio, o crescimento econômico e a dívida pública”, diz o órgão.

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