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Pressionado por ações ambientais, Bolsonaro antecipa para 2050 meta de neutralizar gases poluentes

Presidente prometeu dobrar o orçamento para ações de fiscalização, para acabar com desmatamento ilegal até 2030
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima Foto: Reprodução/Instagram
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima Foto: Reprodução/Instagram

BRASÍLIA — Em tom conciliador, o presidente Jair Bolsonaro discursou na manhã desta quinta-feira na Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden. Em sua fala, Bolsonaro ignorou os números recordes de desmatamento na região amazônica e antecipou para 2050 o prazo para o Brasil neutralizar as emissões de gases do efeito estufa. A meta anterior, definida no ano passado, era 2060 e, embora o presidente não tenha imposto condições para a antecipação em dez anos — objetivo buscado por EUA e União Europeia (UE) — pediu recursos internacionais.

— Coincidimos, senhor presidente (Biden), com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior — disse o presidente brasileiro, que foi o 18º a discursar entre 26 presidentes e primeiros-ministros.

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Bolsonaro também prometeu dobrar o orçamento de órgãos ambientais destinado a ações de fiscalização, como parte do esforço para acabar com desmatamento ilegal até 2030 — objetivo assumido pelo Brasil em 2015, no Acordo de Paris.

— Há que se reconhecer que será uma tarefa complexa (zerar desmatamento). Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais do governo, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização.

No entanto, seu governo vinha reduzindo os gastos na área. A previsão inicial de orçamento para o Ministério do Meio Ambiente em 2021 era a menor desde o início do século, incluindo cortes de 29,1% nos recursos do Ibama e de 40,4% nos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).  Por causa desse esvaziamento, em 2019 e 2020 — os dois primeiros anos do governo Bolsonaro —  o desmatamento da Amazônia atingiu os maiores números desde 2008, chegando a 10.129km² e 11.088km², respectivamente, segundo o sistema de monitoramento oficial Prodes.

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Por sua vez, após o presidente anunciar que dobrará o orçamento de fiscalização ambiental, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta quinta-feira que ainda não é possível falar em valores, porque o Orçamento de 2021 ainda não foi definido.

— Com relação ao orçamento, o número preciso não é possível estabelecer agora, porque justamente nessa semana se está definindo o Orçamento junto ao Congresso Nacional. Porém, o que é possível dizer, é que o que houver de disponibilidade, o presidente vai dobrar o recurso — disse Salles, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto.

O ministro não explicou quais ações específicas terão seus orçamentos duplicados. O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, afirmou que em 2020 foram gastos R$ 340,6 milhões em três ações orçamentárias relacionadas à fiscalização ambiental, mas ressaltou que para 2021 estão previstos apenas R$ 65,6 milhões, dos quais 19,6 milhões já foram pagos.

Entre os 26 líderes convidados a falar, Bolsonaro foi o 19º a discursar. Biden acompanhou os primeiros 15 discursos, mas depois se ausentou, e não estava presente no momento da fala do brasileiro. Acompanharam a declaração o secretário de Estado, Antony Blinken, e o enviado especial para o clima da Casa Branca, John Kerry.

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Sem adotar o tom de enfrentamento usado em participações na Assembleia Geral das Nações Unidas, quando rebateu críticas à política ambiental brasileira,  Bolsonaro afirmou que o Brasil está na "vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global" e pediu uma "justa remuneração pelos serviços ambientais" realizados, mas sem falar em valores.

— É preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação. Estamos, reitero, abertos à cooperação internacional — disse o brasileiro.

Para viabilizar essa remuneração, Bolsonaro defendeu a regulamentação do mercado de créditos de carbono, estabelecido no Acordo de Paris. O assunto deve ser discutido na próxima cúpula climática das Nações Unidas, a COP-26, marcada para ocorrer em novembro em Glasgow, na Escócia.

Bolsonaro fez uma defesa da política ambiental brasileira, dizendo que a principal causa do aquecimento global é a queima de combustíveis fósseis e que o Brasil tem "uma das matrizes energéticas mais limpas" do mundo, além de ser pioneiro em biocombustíveis.

— Ao discutirmos mudanças no clima, não podemos esquecer a causa maior do problema: a queima de combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos — disse, acrescentando: — Contamos com uma das matrizes energéticas mais limpas, com renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa.

O presidente ainda disse que a Amazônia tem os piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do país, apesar de ser a região mais rica em recursos naturais, e disse que é preciso solucionar esse "paradoxo amazônico".

Apesar da transmissão só enquadrar o presidente, Bolsonaro estava acompanhado de diversos ministros, com Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Carlos França (Relações Exteriores) diretamente ao seu lado.

Salles é alvo de críticas de diversos setores pelas políticas adotadas na pasta, sob seu comando desde o início do governo Bolsonaro em 2019. Estima-se que no Ibama haja um déficit de cerca de 500 fiscais, enfraquecendo as ações de combate ao desmatamento ilegal.

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Desafio diplomático

A cúpula é o maior desafio diplomático já enfrentado por Bolsonaro porque põe em xeque a relação com os Estados Unidos após a saída do republicano Donald Trump da Casa Branca e expõe a falta de compromisso do seu governo com as metas que o próprio Brasil estabeleceu cumprir como signatário do Acordo de Paris sobre o clima em 2015.

Na cúpula, Biden busca estabelecer a liderança americana no tema climático após o recuo drástico promovido por Trump, que tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Ele cobra que os países participantes se disponham a apresentar metas mais ambiciosas para a redução da emissão de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global, até a Cúpula do Clima da ONU, a COP-26, que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, em novembro deste ano.

Na semana passada, Bolsonaro enviou uma carta a Biden reafirmando o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. O brasileiro, no entanto, destacou que a meta só poderá ser alcançada com o investimento de “recursos vultosos” e pediu o apoio do governo americano.