Vocês poderiam perguntar: o país acuado pelo vírus, pelo desemprego, pela fome e pela miséria agravadas, e você vem falar de Orçamento? E, se não bastassem os dramas de nossos dias, abre-se a maior crise militar desde 1977. Mas, por incrível que pareça, a discussão orçamentária tem tudo a ver: investimentos em saúde, financiamento das Forças Armadas e retomada econômica.
Outras vezes, já disse aqui que a Constituição e o Orçamento carregam a alma da democracia. Uma estabelece os limites e a divisão dos Poderes do Estado, os deveres e direitos dos cidadãos, as regras de convivência na sociedade. O outro explicita como o dinheiro dos impostos pagos pela população vai ser aplicado. Estabelece a régua e o compasso para a execução das políticas públicas.
O Orçamento embute um conflito distributivo. O contribuinte quer pagar menos. As empresas tentam ampliar incentivos. Os servidores querem melhores salários. Os aposentados querem aposentadorias e pensões maiores. Os prefeitos e governadores desejam mais obras. Os setores da saúde, educação, defesa nacional, segurança, habitação e saneamento reivindicam mais verbas. Só que a receita é finita, e o Orçamento não é um saco sem fundo.
A hiperinflação tornava o Orçamento público uma peça de ficção. A estabilização da economia pelo Plano Real trouxe a possibilidade de um Orçamento transparente e confiável, recuperando seu papel de peça de planejamento das ações governamentais. Só que a evolução do Estado brasileiro e de nosso sistema previdenciário elevou as despesas com funcionalismo e Previdência ao patamar de 80% dos gastos primários.
Somadas as despesas obrigatórias com o custeio da máquina pública, as vinculações constitucionais, as despesas tributárias, sobra muito pouco ou quase nada para investimentos sociais e em infraestrutura, num país em que metade da população não tem esgoto, a estrutura de transportes é ineficiente, e as desigualdades sociais são enormes.
O Orçamento Geral da União de 2021 (OGU/2021) foi votado somente agora. no fim de março passado. A margem de manobra era mínima. Mas o resultado é preocupante. Não adianta maquiar os números, superestimando as receitas ou subestimando as despesas. A receita prevista no OGU/2021 está com uma estimativa correta.
Mas o problema está do lado das despesas. Como disse o economista Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente criada pelo Senado Federal: “Redução de despesas obrigatórias a níveis pouco razoáveis, tecnicamente, traz riscos à transparência nas contas públicas e à gestão fiscal”.
O Orçamento votado subestima gastos obrigatórios com Previdência Social, abono salarial, desoneração da folha, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia e transfere essas verbas para investimentos. Tudo indica que haja um rombo escondido debaixo do tapete de R$ 48 bilhões.
O relator do OGU/2021, senador Márcio Bittar (MDB/AC), que é meu amigo e – posso assegurar – um parlamentar sério e movido pelo interesse público, afirma que tudo foi feito a quatro mãos com a equipe econômica.
Haverá veto? Vamos desrespeitar o teto de gastos? Teremos a paralisia do governo? Vamos reeditar a contabilidade criativa e as pedaladas fiscais que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff? Reviveremos a irresponsabilidade fiscal? Muitas perguntas para um país que já tem o horizonte povoado de dúvidas e ameaças.