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ORÇAMENTO

Nova calamidade não é 'licença para pedalar'

Paulo Guedes

Entre as soluções estudadas pelo governo para o impasse do Orçamento, que, segundo nota técnica da Instituição Fiscal Independente, estoura o teto de gastos em R$ 31,9 bilhões, está a possibilidade de o governo editar novo decreto de calamidade pública, que abriria margem para driblar as amarras fiscais impostas pela emenda constitucional do teto e as consequências para o presidente Jair Bolsonaro.

Mas especialistas em contas públicas ouvidos pelo blog alertam que o "truque" não vai sanear a peça orçamentária de 2021 nem livrar Bolsonaro da responsabilização por crime fiscal.

Ouvi economistas do Congresso e independentes, técnicos de tribunais de contas e ex-integrantes do Ministério da Economia, além de políticos ligados ao governo e oposicionistas. Confirmei tanto a informação de que o recurso a uma nova calamidade para evitar o veto integral ou parcial de Bolsonaro ao Orçamento está em estudo quanto a avaliação de que ele não vai funcionar como uma "lavagem" a posteriori de toda a lambança cometida na confecção e aprovação da lei.

Isso porque, lembram os especialistas, um decreto de calamidade cobriria apenas despesas relativas à pandemia, e não a farra aprovada em termos de emendas -- as do relator, as das tais "transferências especiais" reveladas por Malu Gaspar e Mariana Carneiro e as infladas para obras -- nem os parâmetros absolutamente sem lastro para receitas e despesas, responsabilidade do próprio Ministério da Economia.

O impasse vai se prolongando por semanas, e o prazo vai se aproximando do fim: Bolsonaro tem até o dia 22 para sancionar, vetar ou vetar parcialmente o Orçamento. Caso adote uma das duas últimas saídas, tem de mandar um PLN, ou Projeto de Lei do Congresso Nacional, recompondo um Orçamento para este ano.

Até lá, no entanto, pode haver um apagão em vários programas e obras do governo. Técnicos hesitam em autorizar despesas e fazer a programação financeira do ano com base em uma proposta orçamentária fictícia, que será objeto de vários questionamentos judiciais e pode suscitar inclusive um pedido de impeachment.

Paulo Guedes tenta convencer Bolsonaro a vetar a lei, se não integralmente, ao menos nos seus pontos mais claramente ilegais, mas isso esbarra no medo que o presidente tem de se indispor com o Congresso depois das ameaças nada veladas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de usar os remédios "amargos" da Constituição, vulgo impeachment (e o que não falta são pedidos em sua gaveta).

O líder do Novo na Câmara, Vinícius Poit (SP), que ingressou com a ADI contra as emendas fast-track abrigadas na rubrica de "transferência especial", se mostra cético quanto à possibilidade de Bolsonaro vetar a peça de ficção. "Existem dois governos: o do Ministério da Economia e o resto. É difícil saber o que o ministro Paulo Guedes está fazendo no governo, uma vez que nada que ele diz é ouvido pelo presidente", disse o deputado. 

Para ele, o veto seria a "única forma para Bolsonaro e o resto do governo não incorrerem em crime de responsabilidade". Usar a pandemia como justificativa para nova decretação de calamidade que funcionasse para "sanear" o Orçamento seria inaceitável, no entendimento do deputado. "Nós vamos estar atentos, olhando com lupa essas manobras."

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