Economia

Governo quer pente-fino em benefícios sociais para liberar R$ 3 bi do Orçamento para obras e atender ala política

Benefício de Prestação Continuada e seguro-defeso estão entre os alvos do aperto. Manobra foi discutida em reunião sem participação de Guedes
Pente-fino nas despesas dos ministérios tenta liberar espaço para obras no Orçamento Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Pente-fino nas despesas dos ministérios tenta liberar espaço para obras no Orçamento Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA - Após os cortes no Orçamento, o governo estuda outra manobra para encontrar recursos para recompor parte dos vetos a obras e outras ações de interesse da ala política. A estratégia é reforçar ações de pente-fino em benefícios assistenciais para economizar cerca de R$ 3 bilhões com esses programas, o que não estaria garantido imediatamente, pois a triagem dos pagamentos levaria tempo.

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O dinheiro, contudo, seria remanejado agora para programas como o Minha Casa Minha Vida e projetos de segurança hídrica e saneamento, afetados pela tesourada. Na equipe econômica, há preocupação de que a medida cause crise semelhante à que provocou o impasse em torno da sanção da proposta.

O plano começou a ser elaborado por integrantes do governo e líderes do Congresso, sem participação direta do ministro da Economia, Paulo Guedes. O assunto foi discutido na quarta-feira em reunião no Palácio da Alvorada, da qual participaram o presidente Jair Bolsonaro e ministros como Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e João Roma (Cidadania).

Redução para R$ 16 bi

Segundo fontes que acompanham a negociação, a ideia é alterar o projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso para recompor R$ 19,7 bilhões para despesas obrigatórias neste ano e usar parte desse dinheiro para as demandas das pastas afetadas.

O texto é parte da engenharia para corrigir um Orçamento considerado “inexequível” pela equipe econômica.

Após congressistas subestimarem a projeção de gastos obrigatórios para elevar o montante de emendas parlamentares, Executivo e Legislativo fecharam um acordo no qual parte das emendas foi vetada para abrir espaço para recompor as previsões de despesas como benefícios previdenciários e seguro-desemprego — justamente o objetivo do projeto de lei que ainda precisa ser votado.

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A aposta agora é que, com o pente-fino, o total a ser recomposto seria menor, algo em torno de R$ 16 bilhões, o que abriria novamente espaço para recuperar parte do valor destinado a obras.

A folga de R$ 3 bilhões seria destinada aos ministérios mais prejudicados com os cortes, como Desenvolvimento Regional, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Infraestrutura.

Perguntado nesta quinta-feira sobre essa possibilidade, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, defendeu a manutenção do acordo como firmado.

— Cortar (despesas) obrigatórias para recompor investimento, ou seja, a discricionária, foi exatamente o problema original. Eu acho que o caminho é seguir exatamente o que está sendo planejado — declarou, durante entrevista coletiva sobre o resultado das contas públicas de março.

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Funchal, que foi indicado para assumir a Secretaria Especial de Fazenda no lugar de Waldery Rodrigues, disse que a solução é avaliar a evolução dos gastos e, eventualmente, desbloquear parte dos recursos para investimento a partir dos resultados concretos.

Rever benefícios sociais tem sido uma recomendação constante de órgãos de controle. Na operação em discussão, um dos alvos do aperto na fiscalização é o seguro-defeso, pago a pescadores artesanais. O plano prevê uma redução de R$ 1 bilhão no gasto com o benefício este ano, estimado em R$ 4,1 bilhões.

. Foto: Criação O Globo
. Foto: Criação O Globo

Outro alvo é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a idosos e deficientes de baixa renda.

Também faz parte dos planos a expectativa de redução de gastos com benefícios previdenciários a partir da fixação de meta da prova de vida por sistema de biometria facial.

despesas com a Previdência serão monitoradas de perto, e a tendência é de redução, decorrente do número elevado de mortes causadas pela Covid-19, segundo um integrante do alto escalão.

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A previsão de economia com as medidas consta de avaliações que estão sendo fechadas por técnicos.

Manobra preocupante

O seguro-defeso começou a ser rastreado no fim de 2020 pelo Sniper, um sistema de cruzamento de dados que permite identificar a concessão de benefícios irregulares. Uma amostra de 261 mil pedidos na fase de testes resultou no bloqueio de 55,5 mil benefícios e economia de R$ 58 milhões.

A meta é ampliar a varredura no seguro-defeso e, a partir de maio, aplicar a ferramenta na concessão do BPC. Os dois benefícios concentram os maiores índices de fraudes, segundo o INSS. A aferição de renda das pessoas beneficiadas é a principal dificuldade do governo. No caso do seguro-defeso, por exemplo, é preciso que o trabalhador viva da pesca, não tenha outro tipo de renda e não receba qualquer ajuda do governo.

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O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, alerta que a manobra, caso seja levada à frente, é preocupante:

— Despesa obrigatória é uma coisa complicada. Você não pode ficar mudando como quem troca de roupa. A prudência na fixação das despesas é um princípio basilar de qualquer elaboração orçamentária. Não dá para agora em maio querer introduzir essa inovação. O melhor é fazer uma avaliação a sério dos programas para o ano que vem.