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Coluna no GLOBO

Novas e velhas ideias sem sentido

Por Alvaro Gribel (interino)

A proposta do governo de financiar o Renda Cidadã com recursos de precatórios e do Fundo Nacional de Educação é toda ruim. O Fundeb financia a educação básica e é destinado aos municípios. Teria uma parte desviada pelo governo federal para ampliar o programa de renda básica, que deixaria de se chamar Bolsa Família para dar ao presidente Bolsonaro uma plataforma eleitoral. Além disso, trata-se de contabilidade criativa, já que o Fundeb está fora do teto de gastos. O governo ampliaria despesas sem se sujeitar a esse limite fiscal. A reação do mercado financeiro foi imediata: o Ibovespa caiu, e o dólar disparou. Já a reforma tributária ninguém viu. A reunião com lideranças do Congresso terminou sem acordo pela insistência na recriação da CPMF, que o governo prefere chamar de imposto digital.

O uso do Fundeb é ideia antiga, mas, apesar de ruim, foi ressuscitada. A novidade ontem foi a tentativa de turbinar o programa com a limitação no pagamento de precatórios em 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do governo federal. As receitas dos precatórios seriam recorrentes, mas financiariam despesas obrigatórias. Pelas contas do economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), se isso for implementado o governo pagará apenas R$ 16,1 bi dos R$ 54,7 bilhões previstos no Orçamento do ano que vem. Com isso, R$ 38,9 bilhões seriam postergados e entrariam na composição da dívida pública, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 

— Tudo que não for pago no prazo vira dívida. Não tem escapatória —explicou Salto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pediu transparência e foco ao governo e disse que é preciso regulamentar o teto de gastos. O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, falou que era melhor o governo não tentar mascarar as medidas. A expressão “pedalada fiscal” voltou ao vocabulário dos especialistas e muita gente lembrou que isso levou ao impeachment da ex-presidente Dilma.

Em resumo, o governo quer burlar o teto para cumprir o teto. Todo mundo viu, e o mercado financeiro não gostou. A bolsa caiu 2,4%, o dólar chegou a R$ 5,63, e o risco-país bateu nos 251 pontos. Bolsonaro deu novo passo rumo populismo fiscal, e o ministro Paulo Guedes novamente engoliu.

Balão de ensaio? 

A proposta do Renda Cidadã foi tão absurda que nem todo mundo se convenceu de que seja séria. Para o especialista em direito tributário Paulo Henrique Pereira, mestre pela USP e sócio da LacLaw, há pontos legais discutíveis no programa: “Não está clara qual seria a mágica: pagariam os precatórios a menor do que o previsto em lei? Desvirariam as verbas carimbadas para a educação? E o teto de gastos, seria descumprido? É necessário aguardar para avaliar se a proposta é realmente séria ou apenas mais um balão de ensaio do governo”, afirmou.

‘Espécie de moratória’ 

No pior momento do dia, contam os economistas Lucas Claro e Álvaro Frasson, do BTG Pactual digital, os contratos de juros com vencimento em janeiro de 2023 chegaram a subir 10%. Eles explicaram em live a clientes que o mercado entendeu o não pagamento dos precatórios como uma espécie de moratória: “E ainda teve outro ponto, era esperada a segunda fase da reforma tributária, o que não aconteceu”, disse Frasson.

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R$ 10 bi para micronegócios

O governo liberou ontem a primeira parcela de R$ 5 bilhões da nova linha de crédito para Microempreendedores Individuais (MEI). Segundo o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, serão R$ 10 bi de recursos, com garantia da União, juros de 6% ao ano e 36 meses para pagar. O limite de crédito será proporcional às vendas pela maquininha de cartão entre março de 2019 a fevereiro de 2020, ou seja, os 12 meses anteriores à pandemia.

(Míriam Leitão está de férias)

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