Limitar pagamentos de precatórios garante R$ 40 bilhões a novo programa social do governo

Ideia do governo é utilizar a verba dos precatórios para bancar o Renda Cidadã, mas proposta é vista com ressalva nos bastidores e tem sido classificada como 'pedalada'

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Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
3 min de leitura

BRASÍLIA - Limitar o pagamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) a 2% da receita corrente líquida pode liberar até R$ 40 bilhões para o novo programa social do governo, o Renda Cidadã, segundo cálculos de técnicos do Legislativo consultados pelo Estadão/Broadcast. A proposta, porém, foi recebida com reservas nos bastidores e tem sido classificada de “pedalada” por representar um adiamento de uma dívida já reconhecida pelo próprio Judiciário.

Segundo outro técnico que acompanha de perto os temas orçamentários, a medida é comparável a um “empréstimo compulsório”, uma vez que a União obriga seus credores a receber seus direitos depois para que o próprio governo possa financiar seus gastos.

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Anúncio do Renda Cidadã, programa que vai substituir o Bolsa Família, foi feito nesta segunda, 28. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A proposta de usar o espaço no Orçamento originalmente destinado ao pagamento dos precatórios foi anunciada hoje após reunião do presidente Jair Bolsonaro com ministros e lideranças do Congresso Nacional. O presidente deseja tirar do papel o Renda Cidadã para consolidar o aumento de sua popularidade visto após o governo criar o auxílio emergencial para socorrer famílias vulneráveis durante a pandemia da covid-19.

Até o fim do ano, o benefício temporário deve custar R$ 322 bilhões. O Orçamento para o Bolsa Família, no ano que vem, é pouco mais de 10% disso: R$ 35 bilhões. Ao mesmo tempo em que alavancou a imagem do presidente, o auxílio criou um impasse sobre como seguir financiando o aumento de gastos sociais sem estourar o teto, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação.

Após rejeitar mexer em outros benefícios considerados ineficientes pela equipe econômica ou até mesmo congelar aposentadorias, Bolsonaro deu sinal verde à proposta de segurar os pagamentos de precatórios para abrir caminho ao Renda Cidadã.

Na proposta orçamentária de 2021, estão previstos R$ 55 bilhões para o pagamento de precatórios. Ao limitar esse valor a 2% da receita corrente líquida, a despesa cairia para algo entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões, segundo os cálculos do Congresso Nacional. A diferença poderia turbinar o novo programa social.

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Para poder usar esse dinheiro, no entanto, a avaliação técnica no Congresso é de que é preciso primeiro aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a mudança pelo menos em uma comissão especial do Senado. Pela jurisprudência do Legislativo, o simples fato de a medida constar no substitutivo do relator é insuficiente para dar respaldo à sua inclusão no Orçamento, mesmo como despesa condicionada. Além disso, esses técnicos alertam para o risco de “avançar o sinal” ao se lançar um programa social permanente contando com uma fonte incerta, uma vez que não haverá redução de despesa, apenas adiamento.

Um terceiro técnico ouvido pela reportagem afirma que adiar os precatórios “é uma solução muito ruim do ponto de vista econômico e fiscal”, pois aumenta a dívida consolidada da União de forma “pouco transparente”, não poupa recursos (como ocorreria em caso de revisão de alguma despesa) e ainda onera os cofres públicos com os juros e a correção monetária para pagar o precatório mais adiante. Para essa fonte, trata-se de “um tipo de pedalada” e um “completo desatino”.

Dentro do governo, técnicos também criticaram a manobra e observaram que o “carimbo” do Congresso Nacional na iniciativa não extingue o problema.

Despesa obrigatória

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado calcula que R$ 38,65 bilhões em precatórios previstos para 2021 seriam adiados, para abrir espaço aos gastos extras do Renda Cidadã.

Segundo o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, a proposta orçamentária para 2021 prevê R$ 54,75 bilhões para o pagamento de precatórios. Já a receita corrente líquida é projetada em R$ 804,5 bilhões. A proposta apresentada hoje pelo governo é destinar 2% da receita corrente líquida ao pagamento dessas dívidas – o equivalente a R$ 16,1 bilhões no ano que vem.

“Os precatórios adiados vão ser incorporados à dívida. É o que manda a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal)”, diz Salto. Além dos precatórios, os líderes anunciaram a intenção de destinar 5% do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), para bancar um benefício maior para famílias com crianças em idade escolar.

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"Precatório é despesa obrigatória, fruto de decisão judicial. Tem de ser paga. Fixar limites para o seu pagamento significa escolher pagar a alguns dos credores da União e empurrar com a barriga o restante. Tem cara e jeito de calote, só não é, a meu ver, porque a despesa que não for paga será incorporada à dívida e sobre ela incidirão juros. A sinalização enviada ao mercado é muito ruim”, afirma o diretor-executivo.

Salto diz ainda que o governo usa a “velha estratégia da contabilidade criativa” ao usar o Fundeb, despesa que está fora do alcance do teto de gastos.

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