ORÇAMENTO

Governo faz as contas entre ampliar proteção social e custo fiscal

A transferência de renda, assim como tem sido com o auxílio emergencial, será importante para em algum grau dinamizar a economia e conter o alastramento da pobreza

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 06/09/2020 às 7:00
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Para programa que substitui o Bolsa Família, governo federal ainda busca espaço no orçamento para não furar teto de gastos - FOTO: Foto: EBC

Para enfrentar os efeitos da crise potencializada pela pandemia do novo coronavírus, passadas as medidas emergenciais, o governo federal tem pela frente o desafio de equilibrar a necessidade de investimentos públicos sem avançar ainda mais sobre o limiar do comprometimento fiscal que já se encontra. Dentro das apostas do executivo está o substituto do Bolsa Família, Renda Brasil. A transferência de renda, assim como tem sido com o auxílio emergencial, será importante para em algum grau dinamizar a economia e conter o alastramento da pobreza, mas sem um desenho definido, o programa suscita discussões quanto ao risco indiscriminado dos gastos públicos e comprometimento fiscal do estado e seu poder de reação.

No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) encaminhado pelo governo ao Congresso, o apontamento é de um déficit de R$ 233,6 bilhões em 2021, com uma receita líquida de R$ 1,2 bilhão e despesa de R$ 1, 5 bilhão. Das despesas discricionárias, sobre as quais o governo tem decisão quanto à destinação, estão previstos R$ 92 bilhões, num universo de gastos que chega a R$ 1,5 trilhão, sem levar em conta ainda o Renda Brasil. O tamanho do programa tem quebrado a cabeça da equipe econômica do governo, que tem sido demandada a encontrar um desenho menos dispendioso ao erário e ao mesmo tempo mais amplo que o Bolsa Família, levando em conta o cálculo político do programa social.

“O cenário de desafio é muito grande quando combinadas essas duas coisas (necessidade de maior cobertura social e situação fiscal apertada) o importante é trabalhar pela eficiência dos programas, em particular os de proteção social, que já têm capacidade de chegar às populações mais pobres. O que precisa discutir nesse momento é como aproveitamos melhor essa experiência, principalmente do Cadastro Único, e aumentar a proteção social mantendo a responsabilidade fiscal”, diz o pesquisador associado do FGV IBRE e ex-secretário nacional nos ministérios de Desenvolvimento Social e da Cidadania, Vinícius Botelho.

Segundo Botelho, a relevância dos programas sociais nos momentos de recessão da economia e para além, no Brasil, foi o que impediu que se houvesse elevação maior dos níveis da pobreza nos últimos anos. “Estar entre as 5% ou 10% famílias mais pobres já vinha significando ser cada vez mais pobre. A linha de elegibilidade estava caindo, os mais pobres vinham empobrecendo ainda mais. Apesar de termos visto um recuperação econômica depois da crise (2015/2016). Os programas sociais sustentaram, impediram que tivesse elevação maior. Numa nova crise, com mais transformações que devem mudar o mercado de trabalho, não temos a indicação de que essa tendência irá mudar. Isso indica a necessidade de reforço da proteção social existente”, reforça.

O LADO SOCIAL DO GOVERNO

Renda Brasil é o substituto do Bolsa Família no governo Bolsonaro e deve entrar em cena com o fim do pagamento do auxílio emergencial. Ainda não tem definições quanto aos beneficiários e valor a ser pago

CADASTRO ÚNICO
O Cadastro Único para Programas Sociais reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda – aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa. Essas informações permitem ao governo conhecer as reais condições de vida da população e, a partir dessas informações, selecionar as famílias para diversos programas sociais

BRASIL
No mês de junho de 2020, existiam 28,9 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, o que corresponde a 76 milhões de pessoas cadastradas.
A distribuição das famílias cadastradas conforme a renda per capita mensal declarada aponta que:

13.752.105 com renda per capita familiar de até R$ 89
2.805.148 com renda per capita familiar entre R$ 89 e R$ 178
6.052.656 com renda per capita familiar entre R$ 178 e meio salário mínimo
6.345.123 com renda per capita acima de meio salário mínimo

Só o Programa Bolsa Família (PBF) beneficiou, no mês de agosto de 2020, 14,2 milhões de famílias, que receberam benefícios com valor médio de R$ 191,18. O valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas alcançou R$ 2,7 bilhões no mês

PERNAMBUCO
O total de famílias inscritas no Cadastro Único em junho de 2020 era de 2 milhões
1.193.222 com renda per capita familiar de até R$ 89
146.811 com renda per capita familiar entre R$ 89 e R$ 178
349.648 com renda per capita familiar entre R$ 178 e meio salário mínimo;
316.115 com renda per capita acima de meio salário mínimo

Só o Programa Bolsa Família (PBF) beneficiou, no mês de agosto de 2020, 1,1 milhão de famílias, representando uma cobertura de 115,3 % da estimativa de famílias pobres no Estado. As famílias recebem benefícios com valor médio de R$ 186,25 e o valor total transferido pelo governo federal em benefícios alcançou R$ 219 milhões no mês

Fonte: Ministério da Cidadania/RI

Até o dia 1º de setembro, o auxílio emergencial pago até o fim deste ano pelo governo federal e que deverá ser substituído, em parte, pelo Renda Brasil, teve aporte de R$ 184,6 bilhões, beneficiando diretamente 67,2 milhões de pessoas. Estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) concluiu que o auxílio emergencial evitou a queda de 23,5 milhões de pessoas para a pobreza. Além disso, 5,5 milhões tiveram aumento de renda, com acréscimo de R$ 178 na renda domiciliar per capita.

Só para manter o pagamento por mais quatro meses, até dezembro deste ano, o governo estima um aporte de mais R$ 100 bilhões. Essa despesa, no entanto, é incluída no Orçamento de Guerra da covid-19, que já exigiu um esforço adicional superior a R$ 500 bilhões e pode levar o rombo das contas públicas a R$ 800 bilhões, nos cálculos da equipe econômica.

Gasto fixo

O Renda Brasil, à parte disso, significa um gasto a mais fixo. Sem espaço para implementar o programa sem furar o teto de gastos, o governo tem corrido atrás de alternativas para viabilizar o que seria seu grande trunfo social, visto como uma política contínua ao auxílio emergencial. Já estiveram em discussão na mesa para suprir essa demanda cortes no no abono salarial, que beneficia 23 milhões de trabalhadores ao custo de R$ 18,3 bilhões e uso de dividendos das empresas estatais. Agora, ventila-se a discussão do uso de recursos economizados com a proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo. Recursos na ordem dos R$ 28 bilhões, segundo fontes ouvidas pelo jornal Valor Econômico.

Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o auxílio emergencial já custa R$ 51,5 bilhões ao mês, ou R$ 618 bilhões em termos anualizados. “Se o Renda Brasil corresponder a 10% disso (R$ 62 bilhões, ou quase o dobro do Bolsa Família), já será um gasto elevado e difícil de ser enquadrado no orçamento e na regra do teto de gastos em 2021”, avaliou o diretor-executivo da instituição, Felipe Salto.

Na corrida pela conformidade fiscal, o governo tem ainda pela frente as reformas tributária e administrativa. Ambas apresentadas de maneira fatiada e, no caso da administrativa, sem efeitos práticos, portanto, sem implicar redução dos gastos já em 2021.

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