CONJUNTURA

Especialistas apontam que nó fiscal complica retomada econômica

Análises de economistas e projeções de entidades como o FMI se contrapõem ao otimismo do governo sobre a retomada da economia. Crescimento do rombo nas contas públicas e da dívida é principal fator de alerta

Rosana Hessel
postado em 20/10/2020 06:00
 (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

Além de ter ceifado mais de 1 milhão de vidas pelo mundo e deixado o planeta em uma recessão econômica sem precedentes, a pandemia do novo coronavírus aumentou de maneira inédita os deficits fiscais dos países. No caso do Brasil, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a dívida pública bruta chegará a 101,4% do PIB, neste ano e a 104,4%, em 2025, dados acima da média de países emergentes, de 62%.

Ilustração de dados
Ilustração de dados (foto: -)

O FMI ainda considera um rombo fiscal nas contas do governo federal em torno de 12% do PIB neste ano, ou seja, 10 vezes maior do que o registrado em 2019. Para piorar, prevê o deficit nominal, que é a necessidade de financiamento do país, encostando em 17% do PIB até o fim do ano, o que significa nada menos que R$ 1,2 trilhão, o que deve exigir gigantesca emissão de títulos do Tesouro Nacional para cobrir o rombo.

Para analistas, é um cenário preocupante, e bem diferente daquele traçado pelo governo, segundo o qual o país conseguirá se recuperar rapidamente da crise sanitária e recuperar o crescimento já em 2021.

Um sinal disso seria o fato de os investidores estrangeiros estarem fugindo dos títulos do governo brasileiro. E o mercado doméstico, principal credor da União, ter evitado comprar papéis do Tesouro com remuneração apenas pela taxa básica de juros (Selic), atualmente, em 2% anuais — abaixo da inflação de 3,14% acumulada em 12 meses até setembro e das previsões para 2020. Enquanto isso, os juros cobrados pelo mercado para emissões de títulos prefixados mais longos, com vencimento em 2027, por exemplo, giram em torno de 7,5% ao ano e a tendência é de alta.

É um quadro que prejudica qualquer processo de retomada econômica, dizem economistas. “O real está registrando a maior desvalorização entre as moedas emergentes, apesar de as contas externas estarem sólidas. E a curva de juros inclinada mostra que o Tesouro está em uma situação muito difícil diante da deterioração do perfil da dívida, que está com prazo cada vez mais curto”, diz Sérgio Goldenstein, analista independente da Omninvest e ex-chefe do Departamento de Mercado Aberto do Banco Central.

Nas contas do economista Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) o país está completando em 2020 uma nova década perdida e não há boas perspectivas para a próxima, com o quadro fiscal atual. “Com o PIB deste ano devendo encolher algo entre 5%, vamos ter uma taxa média de crescimento zero entre 2011 e 2020”, afirma.

Analistas divergem sobre o risco de solvência da dívida pública, que atinge patamares nunca antes vistos para um país emergente e de renda média baixa como o Brasil. Os mais otimistas destacam que, como a maior parcela da dívida pública é em reais, não há risco de calote, como no passado.

Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) afirma que não existe risco de calote de dívida em reais, mas alerta que, “se precisar emitir moeda para quitar os títulos que não conseguir rolar, o governo acabará com o padrão monetário do país, algo que exigiu muito esforço para ser resolvido com o Plano Real. Isso vai desarranjar a economia”. Para Sergio Vale, economista chefe da MB Associados, esse é o caminho da estagflação, ou seja, baixo ou nenhum crescimento com inflação, cenário do fim da década de 1970 que abriu caminho para a década perdida de 1980.

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Guedes vê retração menor

O ministro da Economia, Paulo Guedes, rechaça as previsões pessimistas de analistas econômicos e do Fundo Monetário Internacional sobre a economia brasileira. Para ele, a recuperação do país após a pandemia da covid-19 deve ser rápida, ou em V, como costuma dizer. “A previsão inicial do FMI e outras instituições financeiras era que o PIB brasileiro cairia quase 10%, ou mais neste ano, e nós revisamos para 5% a 5,5%, metade da estimativa inicial. Mas pensamos que vai ser muito menos que isso: 4% de queda”, afirmou o ministro em vídeo gravado e transmitido, ontem, em reunião virtual da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

O Banco Central (BC) também trabalha com uma retração do PIB inferior a 5% em 2020. Em evento virtual na manhã de ontem presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, afirmou que as projeções atuais já indicam um recuo menor que o esperado anteriormente, em meio à pandemia da covid-19, e citou a expectativa de uma retração de 4,5%.

Já o Tesouro Nacional minimiza o problema da piora do quadro fiscal e do aumento dos prêmios de risco exigidos pelo mercado para comprar títulos públicos. Procurado pelo Correio, o órgão garantiu que mantém uma reserva de liquidez da dívida em “montantes equivalentes a pelo menos três meses de vencimentos dos títulos públicos”.

Além disso, de acordo com a instituição, a recente transferência dos resultados do BC ao Tesouro, no valor de R$ 325 bilhões, “contribuiu diretamente para fortalecer a posição das disponibilidades de caixa para a dívida e para reduzir o risco de financiamento”.

Pelas projeções do Tesouro, a dívida pública bruta deverá alcançar 93,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2020, após encerrar 2019 em 75,8% do PIB. (RH)

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