Economia Brasília

Dívida pública sobe pelo décimo mês seguido e chega a 90,7% do PIB

Apesar do aumento no endividamento, o país registrou o primeiro superávit nas contas públicas desde janeiro
Trajetória da dívida pública preocupa a equipe econômica Foto: Jorge William / Agência O Globo
Trajetória da dívida pública preocupa a equipe econômica Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA — A dívida pública brasileira registrou o décimo crescimento mensal seguido em outubro e atingiu 90,7% do PIB, de acordo com as estatísticas do Banco Central (BC). A relação dívida/PIB é a maior da série histórica do BC iniciada em dezembro de 2006.

O endividamento vem subindo desde janeiro, mas acelerou a partir de março, já com os primeiros impactos da crise da Covid-19 na economia e a consequente necessidade de aumento dos gastos.

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Em dezembro de 2019, a relação dívida/PIB estava em 75,8% e subiu em todos os meses desde então, passou a marca dos 90% pela primeira vez na história em setembro e chegou a 90,7% em outubro, ou R$ 6,57 trilhões. O aumento foi de 15 pontos percentuais (p.p) só neste ano.

João Rosal, economista-chefe da Guide, explica que o crescimento mais lento da relação dívida/PIB em outubro (de agosto para setembro tinha subido 1,8 p.p), se deve a dois fatores: um resultado fiscal que veio melhor do que o esperado e a estimativa de crescimento do PIB.

— Dois componentes da questão fiscal: Primeiro é a questão fiscal por si só, porque a gente estava na expectativa desde março que os incentivos fiscais tivessem natureza temporária. Daqui até janeiro é a gente entender o que realmente vai ser temporário. A outra questão é sobre a atividade econômica, de como ela vai reagir.

A preocupação com a trajetória da dívida pública causou conflitos na equipe econômica na última semana. Depois do presidente do BC, Roberto Campos Neto, dizer que o governo precisava mostrar que tinha um plano para cuidar da situação fiscal do país, o ministro da Economia, Paulo Guedes, respondeu, dizendo que o governo tinha um plano e que Campos Neto sabia disso.

Depois desse mal-estar, ambos conversaram e, segundo interlocutores, a relação entre os dois estava “tranquila”. Campos Neto chegou a dizer que o evento estava superado .

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No entendimento de Rosal, enquanto os articuladores da política do governo não se manifestarem sobre o plano para resolver a questão fiscal, a expectativa é que o Congresso consiga resolver.

— O governo ainda não deixou explícito (o plano). Acho que nem vai deixar muito claro, tal como tem sido todo esse governo, as coisas vão se decidir no Congresso. O Governo não vai ser líder da discussão.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, projeta que a dívida continue crescendo e termine o ano em 93,1% do PIB. Já o FMI espera que a dívida chegue a 101,4% no fim de 2020 . Em outubro, o governo estimou que a dívida poderia passar dos 100% em 2025 .

A estatística considera a dívida pública bruta, que compreende o governo federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os governos estaduais e municipais. O dado é acompanhado de perto pelo mercado financeiro para medir a capacidade do país de pagar suas dívidas, o chamado nível de solvência.

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Primeiro superávit

Apesar do aumento no endividamento, o Banco Central registrou o primeiro superávit nas contas públicas desde janeiro. O resultado positivo de R$ 3 bilhões em outubro veio principalmente por conta da melhora nas contas do governo central (que inclui governo federal, BC e INSS), que tinha registrado um déficit de R$ 75,1 bilhões em setembro e caiu para R$ 3,2 bilhões em outubro.

O resultado positivo nas contas ainda foi auxiliado pelos resultados dos governos regionais (estados e municípios) e das estatais, com resultado positivo de R$ 5,2 bilhões nos governos e R$ 998 milhões nas empresas estatais.

O chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, explica que o resultado se deve um movimento pelo lado das despesas e outro nas receitas. Nas despesas, há uma redução dos gastos com medidas de enfrentamento à crise, como o auxílio emergencial, que passou de R$ 600 para R$ 300, medidas de garantia de crédito e auxílios para estados e municípios, por exemplo.

Do lado das receitas, houve um aumento na arrecadação por dois fatores. O primeiro é o pagamento de impostos que foram adiados durante a pandemia e voltaram a ser cobrados neste final de ano. O segundo é a retomada da atividade econômica que consequentemente traz uma elevação na arrecadação. De acordo com a Receita Federal, a arrecadação subiu 9,5% em outubro .

— Pelas informações que se tem até agora, as medidas de combate à pandemia são temporárias, mas elas não ocorrem só do lado da receita, são temporárias pelo lado da receita e das despesas. Em função disso, se a gente tirar as receitas e despesas temporárias e caminhar só para receitas e despesas regulares, você vai ter outra trajetória de resultado, menor do que o déficit deste ano, com resultados fiscais melhores.

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O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, afirmou que o resultado positivo surpreendeu, mas ainda não representa um ponto de mudança na trajetória fiscal. Segundo ele, os meses de novembro e dezembro devem apresentar novos déficits por conta das características sazonais com aumento de despesas no funcionalismo, como 13º salário e de menos arrecadação do que outubro.

— Ainda não é aquele ponto de reversão que a gente gostaria de ver, ou seja, daqui pra frente não vai ser só superávit. Infelizmente ainda não. O governo central ainda tem muitos gastos, não tem ainda tanto efeito da reforma da Previdência, a gente ainda vai sofrer um pouquinho. A expectativa ainda é de um déficit muito elevado para o ano.

Para Agostini, o período de déficits históricos já ficou para trás e as contas começam a entrar em uma normalidade. No entanto, para 2021, ainda há muita incerteza, principalmente sobre um possível novo programa de transferência de renda. O economista disse que o mercado está esperando uma sinalização do governo de "ajuste da casa" para o próximo ano e que Paulo Guedes, ministro da Economia, tenta evitar um problema fiscal contínuo.

— O governo está insistindo no Renda Cidadã, mas não tem uma origem do recurso que seja consistente. Você percebe que toda hora o governo fala em fazer alguma coisa, algum malabarismo para colocar o programa em pé. Isso é um risco que a gente corre hoje em dia, do governo se tornar um governo populista.

No ano, o déficit ainda é de R$ 633 bilhões, bem maior do que o resultado negativo de R$ 33 bilhões registrado no mesmo período de 2019. O número, que exclui os gastos com juros da dívida, é referente ao chamado setor público consolidado, que engloba União, estados, municípios e empresas estatais.