No momento em que se discute o futuro do auxílio emergencial, estudo do pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), Daniel Duque, dá a dimensão eloquente do impacto positivo do benefício, que não só ajudou a tirar a economia do abismo em que mergulhou, como também teve o efeito poderoso de reduzir a pobreza para o menor patamar em nada menos do que 40 anos. A redução do auxílio dos R$ 600 iniciais para os R$ 300 atuais já está pondo a perder parte dessa conquista. A eventual extinção pura e simples do benefício, sem nada que beneficie ao menos parte da população vulnerável, em um ambiente de emprego ainda escasso e educação insatisfatória, representaria uma séria volta atrás.
O levantamento de Daniel Duque mostrou que a concessão do auxílio emergencial levou a pobreza, em agosto, para a menor taxa desde a década de 1980. A faixa da população na extrema pobreza, que vivia com menos de US$ 1,9 por dia, de acordo com a definição do Banco Mundial, caiu para 2,3%, o equivalente a 4,8 milhões de pessoas. Os números são praticamente metade dos registrados em maio, um dos momentos mais agudos da crise, quando 4,2% da população viviam em extrema pobreza, ou 8,8 milhões de pessoas.
Já o segmento considerado pobre, com renda diária inferior a US$ 5,5 também pelo parâmetro do Banco Mundial, era de 18,4% da população, ou 38,9 milhões de pessoas em agosto, bem abaixo dos 23,7% de maio, ou 50 milhões de pessoas.
A pobreza voltou infelizmente a aumentar agora em setembro, com o corte do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300. A taxa da extrema pobreza subiu para 2,5% da população, englobando 5,2 milhões de pessoas, ou 400 mil a mais do que no mês anterior. Enquanto a faixa vivendo na pobreza aumentou para 19,4% da população, equivalente a 41,1 milhões de pessoas, ou nada menos do que 2,2 milhões a mais - a população de Manaus ou quase uma Belo Horizonte.
Os indicadores foram calculados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A deterioração dos índices deve piorar nas contas de outubro em diante uma vez que, em setembro, algumas pessoas ainda receberam o auxílio emergencial mais elevado. Em entrevista, o pesquisador Daniel Duque disse que a situação dos mais pobres será na prática ainda pior em consequência do aumento da inflação, que vem atingindo principalmente os alimentos.
Apesar de as pesquisas brasileiras a respeito do tema terem variações de metodologia e abrangência ao longo do tempo, o Ibre/FGV avalia que o pagamento do auxílio emergencial reduziu a miséria da população em agosto ao menor nível desde o início da década de 1980. A área rural da região Norte não era bem coberta e o levantamento passou a ser realmente nacional em 2004. Até então, o melhor momento havia sido em 2014, quando a população em extrema pobreza representava 4,5% do total ou pouco mais de 9 milhões de pessoas, e viviam abaixo da linha da pobreza 22,8%, ou 46,2 milhões.
Depois disso, dois anos de recessão no fim do governo da presidente de Dilma Rousseff deterioraram o quadro, levando a extrema pobreza a afligir 13,3 milhões de pessoas ou 6,5% da população, e a pobreza, 52,2 milhões, ou 25,5% em 2016, para então começar uma lenta recuperação. Depois disso, a taxa da extrema pobreza ficou estável em 6,5%, mas como a população aumentou, mais pessoas caíram na armadilha. Assim, o total de extremamente pobres era de 13,7 milhões em 2019 ou 400 mil a mais do que em 2016. Já os pobres recuaram para 24,7% em 2019, mas somavam 52,1 milhões de pessoas, apenas ligeiramente abaixo do número de 2016.
Compreensivelmente é impossível manter para sempre o auxílio emergencial com a abrangência e o calibre iniciais até por conta da frágil situação fiscal. Mas também não se pode ignorar o impacto positivo do benefício da retomada do nível de atividade. É igualmente insensato retirar a rede de proteção em momento em que a economia ainda patina e o mercado de trabalho custa a reagir. Dados mais recentes da Pnad Contínua de agosto mostram uma taxa de desemprego de 14,4% no trimestre encerrado em agosto, bem acima dos 11,7% do fim de 2019. A perspectiva é que vai aumentar ainda mais, antes de diminuir. Assim, uma solução para a situação demanda uma atuação em várias frentes, incluindo a educação.