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Por que o fim do isolamento pode não ser o melhor para a economia do Brasil

18.mar.2020 - O ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva de imprensa - Pedro Ladeira/Folhapress
18.mar.2020 - O ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva de imprensa Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

30/03/2020 04h00

Além de aumentar o número de mortes, o relaxamento de medidas de isolamento social no combate ao novo coronavírus deve ter limitado impacto econômico e causar efeitos negativos na situação do país após a epidemia. É o que apontam especialistas em análise de cenários do país diante da possibilidade de afrouxamento do distanciamento social como é pregado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Um estudo de membros do Banco Central norte-americano sobre a epidemia de gripe espanhola de 1918 também indica que políticas restritivas de contato social são positivas para a economia a longo prazo depois do surto, já que os efeitos negativos da doença são inevitáveis.

Ainda é cedo para afirmar que o isolamento social desacelerou a curva de casos de infectados no Brasil. Mas, segundo a estratégia da maioria dos países com base em dados científicos, o isolamento social —a despeito do impacto negativo no consumo— ainda é o mais indicado para achatar a curva de crescimento e impedir o colapso do sistema de saúde por falta de leitos.

Efeito limitado no consumo

Economistas apontam que um relaxamento do isolamento social terá efeito positivo no consumo a curto prazo. Mas não vai melhorar o cenário de baixo investimento tampouco levantar indústrias como lazer e turismo. Isso porque a população está com medo e investidores receosos diante da incerteza.

Até melhora um pouco a atividade de consumo, essa melhora vai ser pequena. Você vai continuar em cenário de queda de atividade muito drástica porque as pessoas vão continuar receosas, não vão continuar indo para estádio, ninguém vai viajar para Nordeste

Guilherme Tinoco, economista

O mestre em economia pela USP e especialista em contas pública também não crê que o empresariado decida fazer investimentos em meio à pandemia. "Quem vai iniciar um projeto sem saber qual o tamanho do vírus? Como investidor vai abrir uma loja nova ou uma planta industrial? Todos os setores estão travados", analisou Tinoco.

Ele dá o exemplo do dono da rede de restaurantes Madero, Junior Durski, que pediu o relaxamento das medidas de isolamento para melhorar a economia porque os impactos seriam maiores do que as mortes por coronavírus. "Vejo o dono do Madero que diz: 'Precisa liberar, não tenho receita'. Não consigo ver gente fazendo fila no Madero para comer [no atual cenário]. Pode ter um restaurante ou outro que seja exceção."

O economista projeta queda de 3% no PIB brasileiro com o coronavírus neste ano, mas ressalta que é uma estimativa ainda em um cenário de incerteza.

Custo econômico da perda de vidas

O economista Ricardo Barboza, professor de economia na Coopead-UFRJ, concorda com Tinoco em relação ao baixo impacto no investimento do fim do confinamento, e de um efeito limitado no consumo. E acrescenta que, ao relaxar as medidas restritivas, tem que se considerar também o custo econômico da perda de vidas além obviamente do seu impacto na sociedade.

"Esse trade off [troca] entre economia e saúde —quanto mais isola as pessoas, mais tem recessão de curto prazo— é uma visão míope. Se você acabar com isolamento e fizer circular, é bem provável que aumente o número de mortes porque a transmissão é muito rápida. Existe um ramo dos economistas —não sei quão ético ou não ético é essa discussão— que discute o valor da vida", disse Barboza.

Uma perda de capital humano que é uma perda econômica relevante. O confinamento preserva vida e a capacidade produtiva de pessoas. Além disso, tem o custo econômico do sistema de saúde

Ricardo Barboza, economista

Ele calculou uma queda de 6% do PIB no Brasil, usando paralelo com outros países. Mas também admite que ainda é cedo para ter um cenário mais preciso. Tanto Barboza quanto Tinoco defenderam pacotes mais amplos do governo federal para injeção de dinheiro para trabalhadores e empresas, como é feito por outros países.

Gripe espanhola: os efeitos da quarentena na economia

Um estudo norte-americano que pesquisou os efeitos econômicos da pandemia de gripe espanhola em 1918 apontou que medidas restritivas duras de distanciamento social foram benéficas a longo prazo.

Publicada na quinta-feira (26), a pesquisa, que tem como autores dois membros do Banco Central dos EUA e outro do MIT (Massachusetts Institute of Techonology), tem como título: "Pandemias deprimem a economia, intervenções públicas de saúde não: Evidências da gripe de 1918".

O estudo comparou resultados econômicos de cidades norte-americanas que aplicaram medidas restritivas de contato social cedo na eclosão da pandemia para combater a gripe espanhola e de outras que adotaram estratégias mais relaxadas ou demoraram.

"Nós descobrirmos que cidades que intervieram cedo e mais agressivamente não tiveram desempenho pior [econômico] e, de qualquer forma, cresceram mais rápido depois que a epidemia acabou. Nossas descobertas indicaram que NPIs [intervenções restritivas de contato social] não apenas diminuíam a mortalidade, elas também reduziram as consequências econômicas adversas", diz a análise.

Um quadro mostra que cidades como Seattle, Portland, Oakland, Omaha e Los Angeles, as quais adotaram determinações mais duras contra o contado social pela epidemia, foram melhor economicamente depois.

"Comparando cidades pela velocidade e agressividade das medidas restritivas, nós descobrimos que medidas mais cedo e impositivas de distanciamento social não pioraram a queda econômica. Ao contrário, cidades que intervieram mais cedo e mais agressivas experimentaram aumento no emprego de manufatura, na produção de manufaturados e nos ativos bancários em 1919, depois do fim da pandemia."

Já o economista Josué Pellegrini (diretor do Instituto fiscal independente e consultor do Senado) explica que é melhor que exista uma solução definitiva para o coronavírus seguida de uma retomada do que seguidas interrupções na atividade.

"Depende de qual o elemento mais efetivo para resolver. Se tem uma restrição absoluta e líquida, o assunto vai recuperar mais na frente. Se vai e volta [na restrição] vai acabar sendo pior. Mas, se parar e não resolver, também é ruim", disse ele, que descarta investimentos enquanto a epidemia não tiver resolvida. "Não creio em investimento nem afrouxando o confinamento nem do jeito que está. Está fora de cogitação. Só vai ter investimento quando passar e voltar à normalidade."