Opinião

Propostas de tributação de dividendos no Brasil

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2 de maio de 2020, 9h30

Nos últimos anos, especialmente no final de 2019 e nos primeiros meses de 2020, com a perspectiva de amplas reformas no sistema tributário brasileiro, foram retomadas algumas iniciativas de promover a tributação de lucros e dividendos no país. Com o período de crise econômica que vem se instalando em razão da pandemia da Covid-19, esse assunto voltou à pauta na imprensa nacional.

Nesse ínterim, é sabido que existem diversos projetos de lei sobre esse tema tramitando no Congresso Nacional. Entre eles, destacamos o Projeto de Lei nº 2.015, de 2019, elaborado pelo senador Otto Alencar, o qual foi discutido em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal em novembro de 2019.

O projeto propõe a criação de uma alíquota de 15% para o Imposto de Renda (de pessoa física ou jurídica) que receba lucros ou dividendos distribuídos por pessoa jurídica, modificando a redação do artigo 10º da Lei nº 9.249/1995 [1], que prevê a isenção. Prevê, ainda, alíquota de 25% em se tratando de pessoa residente ou domiciliada em país com tributação favorecida ou, ainda, na hipótese de ser beneficiário de regime fiscal privilegiado.

Na audiência pública referente a esse projeto, os senadores destacaram a necessidade de aprofundamento dos debates, visto que não há evidências de que a revogação dessa isenção resultará nos benefícios esperados, isto é, uma potencial arrecadação de cerca de R$ 50 milhões (estimada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal Unafisco), além de gerar um aumento imediato da carga tributária.

Também está em trâmite no Senado o Projeto de Lei nº 1.952, de 2019, proposto pelo senador Eduardo Braga, que, entre outras medidas, também modifica a redação do artigo 10 da Lei nº 9.249/1995 com as seguintes determinações:

"I) Revoga a isenção sobre os dividendos recebidos de pessoa jurídica, inclusive de microempresas, criando alíquota de 15%;

II) Revoga isenções na tributação do mercado financeiro e de capitais, relativas a vendas de ações, fundos de investimento imobiliário, títulos e letras de crédito;

III) Revoga a dedução no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica pelos juros pagos a sócio, a título de remuneração do capital próprio".

Em março de 2020, foi proposto o Projeto de Lei nº 766, de autoria do senador Randolfe Rodrigues, que, no intuito de conceder mais benefícios aos inscritos no Programa Bolsa Família e aos cadastrados no CadÚnico durante a pandemia da Covid-19, autorizaria o Poder Executivo a revogar, por ato, a isenção de distribuição de dividendos e lucros de pessoas jurídicas para pessoas físicas [2].

Diante desse cenário, entendemos que a imposição de tributos sobre lucros e dividendos pode trazer consequências catastróficas para a economia brasileira ao se considerar o impacto que essa medida pode gerar na capacidade do país de atrair investimentos e negócios, o que vai aumentar ainda mais a tendência de as subsidiárias das multinacionais enviarem para as suas matrizes os lucros gerados no país, ao invés de revesti-los no Brasil.

A eventual aprovação de um desses projetos também levará a uma situação de dupla tributação desses valores, pois os lucros, dividendos e juros sobre capital próprio serão tributados no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e, depois, novamente na renda daquele que receber os dividendos.

É notório que essas propostas entram em rota de colisão com a liberdade de investimentos, configurando alto risco de prejuízo à competitividade das empresas nacionais, pois fará com que as empresas atraiam cada vez menos investidores na Bolsa, desvalorizando seu valor no mercado e, em muitos casos, inviabilizando a sua atividade.

Destacamos, ainda, que esses projetos estão na contramão da tendência mundial, visto que a maior parte dos países do G-20 e dos BRICs vem reduzindo significativamente as alíquotas nominais de imposto sobre a renda, justamente para incentivar o investimento e priorizar a simplificação tributária.

Nesse sentido, ainda que algum dos projetos seja aprovado, dificilmente a arrecadação do Imposto de Renda sobre essas verbas se aproximará do aumento de arrecadação vislumbrado nas estimativas, já que estas estão sendo realizadas com base no panorama atual de investimentos na bolsa de valores e os fatores mencionados ao longo do presente estudo não estão sendo levados em consideração.

Finalmente, entendemos que a situação econômica do país e a necessidade de gerar receitas para os cofres públicos não podem ser utilizadas como justificativa para a criação de tributos de forma desenfreada, pelo que nos posicionamos fortemente contra as propostas acima referidas.

Referências bibliográficas
BRASIL. Agência Senado. Projeto que retoma IR sobre lucros e dividendos divide opiniões em audiência. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/26/projeto-que-retoma-ir-sobre-lucros-e-dividendos-divide-opinioes-em-audiencia>. Acesso em: 20 abr. 2020.

______. Senado Federal. Projeto de Lei nº 1.952/2019. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136117>. Acesso em: 20 abr. 2020.

______. ______. Projeto de Lei nº 2.015/2019. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136156>. Acesso em: 20 abr. 2020.

______. ______. Projeto de Lei nº 766/2020. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141119>. Acesso em: 20 abr. 2020.

INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE. Relatório de acompanhamento fiscal. Tópico Especial Carga tributária no Brasil e nos países da OCDE. Dezembro de 2018. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/551026/RAF23_DEZ2018_TopicoEspecial_CargaTributaria.pdf>. Acesso em 20 abr. 2020.

 


[1] Artigo 10 — Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

[2] A tramitação do projeto foi encerrada a pedido do próprio senador.

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