Os respiradores necessários para manter a economia viva

Para que a economia se mantenha viva é preciso acionar com rapidez e no volume necessário dois tipos de respiradores. Os direcionados aos trabalhadores formais e informais e à população mais vulnerável. E outro voltado para atender às empresas, sobretudo às micro, pequenas e médias empresas. Nem todos estão funcionando

Para manter a economia viva na atual crise é preciso acionar com rapidez e no volume necessário dois tipos de respiradores. Os direcionados aos trabalhadores formais e informais e à população mais vulnerável. E um outro voltado para atender às empresas, sobretudo às micro, pequenas e médias empresas.

O economista Jean Tirole

Como bem lembrou o economista Jean Tirole em entrevista recente ao Valor Econômico, o sistema produtivo em 1945 (no pós-guerra) estava destruído, em especial na Europa que foi palco dos conflitos. Portanto, era preciso reconstruir as bases desse sistema.

Já na guerra contra a Covid-19 o desafio é preservar as empresas, os empregos e transferir renda aos que vivem no mercado informal. Assim, a economia estará em melhores condições para iniciar sua recuperação.

O processo de transferência de renda em sua primeira etapa tem sido exitoso. A primeira parcela do auxílio emergencial já alcançou mais de 50 milhões de beneficiários, entre Microempreendedores Individuais (MEI), contribuintes individuais do INSS, autônomos, trabalhadores informais e desempregados que tenham renda per capita familiar de até meio salário-mínimo ou renda familiar total de até 3 salários-mínimos. As transferências totalizaram até o início desse mês R$ 35 bilhões.

Segundo estimativas da IFI (Instituição Fiscal Independente do Senado), a depender do aumento do desemprego e queda da renda nos próximos 2 meses, o número de beneficiários pode alcançar 80 milhões de pessoas, o que equivaleria a uma despesa total de R$ 154 bilhões ou 2,1% do PIB em três meses. Portanto, o programa pode alcançar um número de pessoas maior do que a população de vários países do mundo, a exemplo da França (67 milhões), Reino Unido (66 milhões) e Itália (60 milhões).

As incertezas quanto à duração das condições de isolamento social podem ainda demonstrar a necessidade de prorrogação do auxílio emergencial. Porém, olhando sob a perspectiva pós-pandemia, o programa oferecerá ao setor público uma base ampliada de informações sobre o perfil da população brasileira: dos informais aos chamados invisíveis. Esses últimos são, por enquanto, 20 milhões. São desbancarizados que passaram a ter uma conta de poupança digital para receber os recursos e que não constavam nas bases do Cadastro Único dos programas sociais federais.

Sede do Ministério da Economia, em Brasília

Dessa forma, as políticas públicas podem se beneficiar desse cadastro ampliado ao focalizar no público do auxílio emergencial a aplicação de recursos de programas como de microcrédito ou direcionar melhor os recursos do Orçamento da União e das emendas parlamentares.

Em complemento ao auxílio emergencial dos trabalhadores informais, o governo editou uma medida provisória (MP 936) para garantir a manutenção temporária dos empregos complementando parcialmente a renda dos trabalhadores formais que poderão ter os seus contratos de trabalho suspensos ou jornada de trabalho reduzida ou uma combinação das duas formas.

O valor dessa complementação terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, com impacto fiscal previsto de R$ 51,6 bilhões. As empresas com faturamento superior a R$ 4,8 milhões deverão pagar uma ajuda compensatória no valor de 30% do salário do empregado.

As reduções estabelecidas são de 25%, 50% e 70% que serão negociados a partir de acordos individuais e coletivos, conforme as faixas salariais dos trabalhadores. Sob essa condição, mais de 4 milhões de trabalhadores já acordaram com os empregados a a suspensão dos contratos ou redução de jornada de trabalho. A expectativa é que se possa alcançar 8,5 milhões de trabalhadores.

A despeito desse esforço, a taxa de desemprego desse subir de 11,6% em fevereiro para 17,8% no final do ano, segundo as últimas projeções do IBRE/FGV. A massa de rendimentos do trabalho (salários x ocupação) deve cair mais de 14%, alcançando o menor nível da série histórica iniciada em 2012, o que deve pressionar o governo pela prorrogação do auxílio emergencial.

Se os respiradores para os trabalhadores e a população mais vulnerável foram acionados, mesmo que temporariamente, o mesmo não se pode afirmar do canal do crédito, sobretudo para as micro, pequenas e médias empresas.

Prédio-sede do Banco Central, em Brasília

O Banco Central tomou várias medidas para ampliar a liquidez dos bancos, como redução de recolhimento compulsório e da necessidade de capital próprio para a repactuar dívidas. No entanto, essas medidas ainda não suficientes para desempoçar a liquidez na direção das pequenas empresas.

Mas, ao contrário desejado, o que se observou a partir de meados de março foi um aumento da demanda e concessão de crédito para grandes empresas, com saldo da carteira dessas empresas crescendo 12,2% entre março desse ano e dezembro de 2019.

Já a linha emergencial de crédito de R$ 40 bilhões para financiar por 2 meses a folha salarial de pequenas e médias empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões, com juros de 3,75% ao ano, carência de 6 meses e parcelamento de 30 meses foi pouco acionada. Em cerca de um mês de disponibilidade dos recursos apenas R$ 413 milhões foram emprestados.

Os bancos precisam entrar com 15% dos recursos e assumir nessa proporção o risco de inadimplência, o que não está ocorrendo. Além disso, a medida pode não ser atraente para as pequenas empresas que não podem captar os recursos para capital de giro e assim ter mais flexibilidade.

Um outro projeto que destina financiar em condições especiais micro e pequenas empresas foi aprovado pelo Congresso no final de abril e ainda não foi sancionado, ainda pendente de operacionalização. Já o Bndes está programando somente para o final de junho uma linha de crédito para pequenas empresas com participação de empresas de “maquininhas” de cartão e fintechs.

Portanto, temos uma ausência importante no respirador de crédito para micro e pequenas empresas. Nesse caso, o paciente não pode esperar muito. Sem o faturamento em função das medidas de isolamento social, essas empresas não têm reservas suficientes para arcar com seus compromissos.

Neste caso, os bancos públicos precisam desempenhar o seu papel de provedor de crédito assumindo os riscos necessários, ampliando a carência e os prazos dos empréstimos. O Banco Central deveria comprar a carteira desses bancos mais expostos aos riscos.

Micro e pequenas empresas representam 99% do universo total de empresas do País e são responsáveis por 52% dos empregos formais. De 2007 a 2019, a geração de empregos formais pelas micro e pequenas empresas foram de 12,4 milhões de vagas.

Enquanto isso, médias e grandes empresas reduziram 1,5 milhão de vagas. Se essas empresas não forem socorridas a tempo faltará respiradores em razão da legião de desempregados que terão que se socorrer no auxílio emergencial.

* José Oswaldo Cândido Júnior é doutor em Economia pela FGV/RJ. Atualmente, exerce o cargo de Assessor Parlamentar no Senado Federal

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