Descrição de chapéu Reforma tributária

Imposto sobre fortunas perde espaço no mundo rico, diz estudo do Insper

Número de países com tributo caiu de 12 para 3 na OCDE; alterar regras de imposto de renda, isenções e Simples são alternativas para arrecadar mais de ricos no Brasil

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São Paulo

O imposto sobre grandes fortunas, também conhecido pela sigla IGF, ganhou adeptos no Brasil recentemente, mas perdeu espaço no arsenal tributário dos países ricos nos últimos anos. A conclusão está em estudo do Insper, que analisou a experiência desse tipo de tributação em países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Segundo o levantamento, dos 37 países que fazem parte da organização, 12 já tiveram em algum momento imposto do tipo, mas apenas três mantêm hoje esse tipo de tributação: Espanha, Noruega e Suíça. Outros quatro países –França, Bélgica, Holanda e Itália– tributam ativos específicos como forma de taxar o patrimônio ou a renda dos contribuintes mais ricos.

“Os três países que têm um imposto sobre fortunas no formato clássico adotam como base de cálculo o que chamamos de riqueza líquida, que é o valor dos ativos detidos por uma determinada pessoa, subtraído dos eventuais passivos que oneram esse patrimônio”, diz Daniel Zugman, um dos responsáveis pelo estudo. “Sobre essa riqueza líquida, se aplicam as alíquotas previstas, que em geral são progressivas, aumentando conforme o tamanho da riqueza.”

Previsto na Constituição de 1988 no Brasil e nunca implementado, o IGF voltou ao debate tributário em meio às discussões sobre como ampliar a assistência social no pós-pandemia e à crescente preocupação com a desigualdade em todo o mundo. No país, levantamento do Insper mostra que ao menos 13 projetos de lei foram apresentados sobre o tema somente em 2020, de um total de 37 desde 1989.

Para economistas, o IGF não é uma “bala de prata” para aumentar a arrecadação e promover a distribuição de renda, mas pode contribuir, junto a outras mudanças no sistema tributário, para uma carga de impostos mais progressiva.

As alíquotas desse tipo de tributação variam bastante de país a país e também o patamar de riqueza considerado para a tributação, que começa em 135 mil euros (R$ 824 mil) na Noruega, por exemplo, e em 700 mil euros (R$ 4,3 milhões) na Espanha, detalha o estudo do Insper.

Ainda conforme o estudo, o valor arrecadado com o imposto sobre fortunas representa parcela pequena da arrecadação total de tributos dos países: 0,5% na Espanha, 1,1% na Noruega e 3,9% na Suíça, tendo como referência o ano de 2018. Como parcela do PIB, esses percentuais eram de 0,2%, 0,4% e 1,1% respectivamente.

A título de comparação, o gasto com o Bolsa Família representa cerca de 0,4% do PIB brasileiro. O que sugere que, apesar do baixo potencial arrecadatório, um imposto sobre grandes fortunas não é algo desprezível.

“O fato de que 12 países tinham esse imposto e hoje três têm, não quer dizer que ele é ruim e não deve ser usado, mas isso precisa ser analisado para vermos o que precisa ser feito diferente aqui para um imposto dessa natureza funcionar”, diz Zugman. “A experiência internacional também sugere que não há receita pronta desse imposto, cada país adotou uma base de cálculo, uma alíquota e uma forma de apurar.”

Para Grazielle David, economista e assessora da Rede Justiça Fiscal para América Latina e Caribe, além da experiência dos países ricos, o Brasil deve olhar para impostos do tipo existentes em vizinhos latinos, como Colômbia, Argentina, Uruguai e Chile, país que aprovou recentemente a taxação sobre fortunas como uma resposta à pandemia do coronavírus.

Segundo a economista, no Chile, foi pensando um desenho com objetivo de minimizar os custos administrativos do imposto, uma das principais críticas para sua implementação. Lá o tributo será voltado ao 0,07% mais rico do país, o que limita o patrimônio a ser monitorado pela Receita.

“No Brasil, faz muito sentido que esse imposto comece no 0,1%, o que é muito próximo do que foi feito no Chile. São 221 mil pessoas que poderiam ser facilmente acompanhadas pela Receita Federal”, diz Grazielle, lembrando que esse grupo tem renda média mensal de R$ 80 mil. Conforme a economista, as estimativas são de que, dependendo do desenho, o IGF poderia gerar uma arrecadação entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões por ano.

Grazielle destaca ainda que, de dois anos para cá, a aprovação de um troca automática de informações fiscais entre países, ao qual o Brasil aderiu em 2019, facilitou esse tipo de tributação, que não pode ser pensada de maneira isolada pelas nações, diante da facilidade de mobilidade do capital. Também houve avanço no registro de beneficiários finais de corporações, o que permite melhor controle da movimentação internacional de recursos.

Para Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, a criação de um IGF é justa, mas não resolveria os problemas de arrecadação do país, como aponta o baixo potencial arrecadatório em países da OCDE. Por isso, ele deveria ser combinado com a mudança de outros impostos sobre patrimônio e renda.

Segundo o economista, a principal mudança que deveria ser feita é a do Imposto de Renda, com a revisão de desonerações de saúde e educação, de regimes especiais como o Simples Nacional e das vantagens tributárias à pejotização, que poderiam ampliar a base de arrecadação do IR. “Sem essa reformulação, um aumento de alíquotas acabaria pesando mais sobre quem hoje já paga mais, que são aqueles que recolhem IR na fonte”, diz o diretor da IFI.

Pellegrini lembra ainda que o arsenal de impostos sobre patrimônio no Brasil inclui IPTU (sobre propriedades urbanas), IPVA (sobre veículos automotores), ITBI (sobre transmissão de imóveis), ITCMD (sobre heranças e doações) e ITR (sobre propriedades rurais), mas que só IPTU e IPVA têm arrecadação relevante.

“O imposto sobre grandes fortunas pode complementar esse sistema, desde que não se espere muito dele”, diz Pellegrini. “Além disso, pode-se aumentar a alíquota do imposto sobre herança, que hoje é muita baixa no Brasil, e o IPVA poderia ser aperfeiçoada para incluir embarcações e aeronaves”. Grazielle acrescenta à lista uma reformulação do ITR, que hoje pouco arrecada.

Para Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, o fato de poucos países ricos utilizarem atualmente o IGF e o temor de evasão de recursos com a adoção do tributo não são impeditivos para a discussão.

“Não acho que tributar grandes fortunas seja o fim do mundo, é uma maneira de a sociedade reaver parte dos privilégios que foram concedidos ao longo das décadas, como renúncias tributárias e crédito subsidiado”, afirma. “Dado que o Brasil tem um problema crônico de subtributar as elites, acredito que faz sentido. Não é o melhor tributo, mas é uma forma de taxar os mais ricos nesse momento que a União vai ter déficits primários muito elevados.”

Apesar de ganhar terreno no debate econômico, o IGF não encontra espaço na agenda do governo. No começo de julho, o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, disse que a proposta de reforma em discussão pelo governo não inclui a possiblidade de um IGF.

Na última sexta-feira, o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, disse ter muito medo de uma reforma tributária ambiciosa, acrescentando que Paulo Guedes deve se focar na unificação da PIS e da Cofins e na troca de encargos trabalhistas por um imposto sobre pagamentos com alíquota baixa.

Na Câmara, o clima é favorável à unificação de tributos, mas líderes partidários defendem que o Congresso siga com o debate de uma proposta mais ampla de reforma tributária. ​

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