O governo ainda não sabe como acomodar no Orçamento de 2021 o aumento das despesas decorrentes da elevação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) deste ano, que ficará muito acima da previsão oficial inicial. A preocupação na área técnica é que, se não houver uma redução de despesas consideradas obrigatórias, o cumprimento do teto de gastos poderá provocar uma paralisia de serviços públicos essenciais - o chamado “shutdown”.
Os cálculos ainda estão sendo feitos, mas as estimativas preliminares não são nada animadoras. A proposta orçamentária para 2021 foi elaborada pelo governo com a previsão de uma inflação medida pelo INPC de 2,09% para este ano. O índice corrige o salário mínimo e todos os benefícios previdenciários e assistenciais. Agora, a previsão do Ministério da Economia é que o INPC ficará em torno de 4,2%.
Por causa do INPC mais alto, os cálculos preliminares apontam para um aumento das despesas previdenciárias e assistenciais em torno de R$ 17 bilhões, acima do que está na proposta orçamentária. A esse valor será necessário acrescentar a despesa com a prorrogação da desoneração da folha de salários de 37 setores da economia, estimada em R$ 3,8 bilhões, que não está prevista na proposta. Portanto, somente com esses dois gastos, o aumento poderá ficar em torno de R$ 21 bilhões, advertem técnicos ouvidos pelo Valor.
O problema é que a proposta orçamentária foi enviada ao Congresso pelo governo no limite de despesas permitido pela emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos. Assim, para acomodar no Orçamento o aumento das despesas por causa do INPC mais alto, o governo terá que cortar outros gastos.
Nos últimos anos, o corte tem sido feito nas chamadas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina administrativa). A questão é que, na proposta orçamentária para 2021, essas despesas estão em R$ 92 bilhões - o menor nível da série histórica. Uma redução de R$ 21 bilhões nos gastos discricionários levaria à paralisia de serviços públicos essenciais, advertem as fontes. O corte terá, portanto, que atingir despesas obrigatórias.
Para cortar despesas obrigatórias o governo precisaria acionar as medidas de ajuste que estão previstas na EC 95/2016. O problema é que os chamados “gatilhos” da EC 95, por um problema de redação, não disparam. O governo precisa, portanto, que o Congresso Nacional aprove a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que está sendo relatada pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC) que facilita o disparo dos “gatilhos” e a adoção das medidas de ajuste.
Por causa desse obstáculo, a não aprovação do Orçamento de 2021 neste ano ajuda a enfrentar a questão. “O fato é que o Orçamento do próximo ano não fecha”, disse uma fonte. Mesmo não aprovado, o governo poderá executá-lo dentro dos limites definidos na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO): as despesas obrigatórias poderão ser realizadas, os gastos com prevenção a desastres, as despesas com a saúde e aquelas custeadas com recursos próprios também. Outras despesas de caráter inadiável poderão ser executadas até o limite de 1/12 do valor previsto para o ano. A votação da LDO está prevista para o próximo dia 16.
Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, “a margem para acomodar o aumento de gastos é zero na versão conhecida até agora da proposta orçamentária”. Ele lembrou que o nível das despesas discricionárias, excluídas as emendas parlamentares, está em R$ 92 bilhões. “Para compensar gastos com a prorrogação da desoneração da folha, com o preenchimento de 50,9 mil cargos e o efeito do INPC nas despesas, a estratégia dos restos a pagar não resolve”, afirmou, lembrando a decisão da quarta-feira passada do Tribunal de Contas da União (TCU) que permitiu o empenho de dotações deste ano que somente serão executadas em 2021, aumentando o volume de restos a pagar. “O risco de romper o teto ao longo do ano, isto é, na execução é altíssimo”, disse Salto. “Vai ser uma situação inusitada e de grande incerteza se nada for feito.”