Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

Hipocrisia fiscal

O teto Temer foi furado, mas por enquanto você não ouvirá isso da maioria dos analistas

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O governo anunciou e o Congresso aprovou o descumprimento do teto Temer de gasto em 2021. Falo da previsão de R$ 31,6 bilhões em gastos extrateto no próximo ano, incorporada naLDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) aprovada na quarta-feira (16).

Os fiscalistas de plantão dirão que não é bem assim, que foram aprovados R$ 31,6 bilhões via “reabertura de créditos extraordinários”, que não entram no cálculo do teto de gasto. Mas o que são créditos extraordinários? São recursos para despesas urgentes e imprevisíveis, desconhecidas na época de elaboração do Orçamento.

Agora a pergunta inevitável: se a LDO prevê mais R$ 31,6 bilhões de despesas, podemos dizer que essas despesas são imprevisíveis? Se forem imprevisíveis, como o governo pode prevê-las? Se são previsíveis, por que serão consideradas créditos extraordinários?

A lógica demonstra que o teto Temer foi formalmente furado, mas por enquanto você não ouvirá isso da maioria dos analistas. Trata-se de pura e simples hipocrisia, pois os mesmos analistas que agora não reconhecem o óbvio foram aqueles que apontaram crime fiscal em tudo e qualquer coisa para justificar um golpe de Estado em 2016.

Mas voltemos ao principal. O governo está errado em violar o teto Temer de gasto? Não, o governo está certo.

É ruim que a flexibilização fiscal tenha que ser feita de modo envergonhado, camuflada em manobras orçamentárias para atender à lógica bizantina da idolatria da auditoria, mas do ponto de vista econômico não é adequado sair rapidamente das medidas emergenciais de 2020 para o austericídio em 2021.

Sei que alguns procuradores e auditores estão esfregando a mão para enquadrar o governo Bolsonaro em crime fiscal, mas, apesar de a “previsão de gasto imprevisível” violar a regra do teto, acho melhor mudar a regra em vez de criar outra crise institucional.

Diferentemente da direita, que resolveu implodir o país após perder quatro eleições seguidas, a esquerda é responsável, fiscalmente e socialmente.

Por isso a aprovação de R$ 31,6 bilhões extrateto contou com votos da esquerda, e, espero, não haverá acusação de crime de responsabilidade contra o presidente e seu ministro da Economia por esse motivo.

Por fim, lembro que o teto Temer já havia sido flexibilizado em 2019, quando o governo Bolsonaro corretamente resolveu fazer investimentos na construção de fragatas para a Marinha.

Naquela época, como a lei do teto proibia que o investimento fosse feito via gasto direto da União, mas permitia que o Tesouro capitalizasse estatais, os militares deram uma volta na equipe de econômica, transferindo recursos à Empresa de Gestão de Projetos Navais (Emgepron). Do ponto de vista econômico, transferir recursos para estatal fazer navio é uma forma de investimento público como gastar em infraestrutura ou comprar equipamentos para o Ibama.

Do ponto de vista financeiro, capitalizar estatal em R$ 1 aumenta a dívida pública da mesma forma que gastar R$ 1 com educação.

Apesar dos fatos acima, até hoje vários analistas dizem que o teto foi cumprido em 2019. Para 2021, a tarefa será um pouco mais difícil, mas aguardo com curiosidade o malabarismo retórico da vez.

Focando o principal, será que furar o teto de gasto em R$ 32 bilhões será suficiente? A IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão do Senado, acha que não, apontando necessidade de R$ 45 bilhões a R$ 55 bilhões de gasto discricionário adicional.

Acho que a conta será maior, entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, pois a reconstrução econômica pós-pandemia requer mais investimento público, mas isso só ficará claro depois do Carnaval.

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