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Opinião

Fim do auxílio testa popularidade de Bolsonaro

Reeleição pressiona presidente a não cumprir promessas de respeito aos princípios da austeridade financeira

O auxílio emergencial tem ajudado milhões de famílias carentes e, em boa parte em virtude disso, a popularidade de Jair Bolsonaro tem se mantido em nível razoável. O que acontecerá com a imagem presidencial quando o auxílio chegar ao fim no dia 31? É uma questão ainda sem resposta, mas decisiva para o futuro do governo.

Na pandemia, governos e políticos do mundo todo têm sofrido abalo na popularidade. Não é o caso de Bolsonaro, que tem logrado a proeza de manter uma avaliação positiva acima de um terço — na primeira quinzena do mês, seu desempenho no governo era classificado como “ótimo” e “bom” por 37% na pesquisa Datafolha, e por 35% no Ibope.

O apoio ao presidente é concomitante ao novo avanço do vírus. A Covid-19 volta a lotar UTIs, e a marca inaceitável de mais de 185 mil mortos avança para chegar aos 200 mil. A popularidade presidencial caíra no início da pandemia, mas a tendência mudou quando o auxílio emergencial de R$ 600 começou a ser distribuído no final de abril. Em setembro, o valor foi reduzido pela metade e prorrogado até o final deste mês. Em janeiro, acaba.

Como reagirá o presidente? Os bolsonaristas de raiz, sectários, estimados pelo DataFolha em 15% da população adulta, fazem barulho, mas não o reelegerão sozinhos. Bolsonaro torce para que não haja uma aliança ampla que dispute com ele o Planalto. Prefere que 2022 repita a campanha polarizada de 2018. Travestido de representante da “nova política”, com uma plataforma de direita, o ex-capitão enfrentou e venceu o Fernando Haddad de um PT em farrapos, depois da série de escândalos de corrupção, do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.

O presidente candidato à reeleição sabe que o auxílio emergencial o ajudou a entrar em bastiões antes inexpugnáveis de eleitores petistas no Nordeste, cativados pelo Bolsa Família. Descobriu no poder o manejo de instrumentos populistas. Logo quis lançar seu “Renda Cidadã”, sem ter dinheiro para isso no Orçamento. Diz que desistiu, mas ninguém leva a sério.

Trata-se de saber se, com o Centrão, conjunto de partidos cujo habitat são governos gastadores, atentará contra o teto dos gastos, única âncora fiscal que mantém as despesas do governo sob alguma rédea. O projeto dos sonhos de Bolsonaro custa dinheiro suficiente para estourar o Orçamento de 2021, que já prevê um déficit de R$ 247 bilhões.

Criar o tal “Renda Cidadã”, ou seja lá que nome tenha, absorveria o Bolsa Família e seu orçamento de R$ 30 bilhões anuais. Os números seriam estratosféricos. Para o auxílio emergencial foram destinados R$ 322 bilhões, dos quais, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, deverão ser liberados efetivamente R$ 293 bilhões, restando um saldo de R$ 29 bilhões para 2021. O déficit orçamentário entra em choque com as ambições eleitorais do presidente e de seus aliados, que não têm compromisso com a austeridade fiscal. Haverá turbulências à frente.