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Opinião

Crédito extraordinário para saldar gasto da pandemia não é ‘pedalada’

É correto abrir exceção para que despesas do orçamento de guerra de 2020 possam ser pagas em 2021

O Ministério da Economia informou ao Congresso que o governo precisará tomar R$ 32 bilhões emprestados no mercado no ano que vem, na forma de créditos extraordinários, para pagar despesas contratadas neste ano em virtude da pandemia. O valor, incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada pelos parlamentares, não será computado na meta fiscal (que prevê déficit de R$ 247 bilhões), nem estará sujeito à limitação imposta pelo teto de gastos.

Ao contrário do que deram a entender manifestações de economistas ligados à oposição, não se trata de “pedalada”, nem de irresponsabilidade fiscal. O dinheiro, que servirá para pagar resquícios do auxílio emergencial e financiar campanhas de vacinação (de custo estimado em R$ 20 bilhões), cumpre as exigências do Tribunal de Contas da União (TCU) relativas ao regime fiscal extraordinário criado para 2020, chamado de “orçamento de guerra”.

“É possível admitir, no caso de despesas relativas a contratos, convênios, acordos ou ajustes cujo cumprimento esteja em curso ou apenas possa ocorrer em outro exercício, flexibilização dessas regras em situações excepcionais, formalmente justificadas, nas quais fique caracterizado que a urgência no atendimento às necessidades da sociedade decorrentes da pandemia de Covid-19 seja incompatível com o regime regular de execução”, diz o TCU.

Tradução: o coronavírus não respeita o calendário gregoriano nem as leis orçamentárias. É razoável que despesas da pandemia referentes a necessidades deste ano estejam sujeitas às regras fiscais deste ano, não às do ano que vem. Para permitir isso, existe no Orçamento a rubrica “restos a pagar”, que autoriza pagar em 2021 despesas previstas nos últimos quatro meses de 2020. Pela estimativa da Instituição Fiscal Independente, ainda haverá R$ 29 bilhões do auxílio emergencial a saldar no ano que vem. Não faz sentido que tal gasto fique fora do orçamento de guerra.

Na prática, seria como se o governo contraísse o empréstimo este ano e deixasse o dinheiro numa conta para usar no ano que vem. Já que, em 2020, o gasto está sujeito à regra do orçamento de guerra e não é limitado pelo teto, é correto abrir a exceção, desde que limitada e justificada. Não se trata de estouro de teto nem de “pedalada fiscal”.

“Pedalada” foi o que aconteceu no governo Dilma Rousseff, quando o governo contraiu dívida sem autorização do Congresso e, em desafio ao TCU, desviou recursos de bancos públicos para o Tesouro, para inflar o gasto público. O descontrole fiscal levou ao impeachment e enfiou o país num buraco de que ainda não saímos. Agora, a situação é outra. Aos trancos e barrancos, mesmo sob o choque da pandemia, o país tenta, com aval do Legislativo e do TCU, engatinhar para fora do buraco.