Há um temor unânime no mercado financeiro: o Brasil vem flertando com o desastre fiscal. No comunicado divulgado pelo Banco Central após a última reunião do Copom estava claro e evidente o alerta de que “um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia pode piorar a trajetória orçamentária do País, elevando os prêmios de risco”. Recado mais claro, impossível. O risco fiscal elevadíssimo segue criando uma assimetria altista no balanço de pagamentos e mesmo na trajetória da inflação, que já se projeta no horizonte acima das previsões até aqui, com eventual impacto relevante na política monetária. Com mais essa advertência do BC, o cenário de instabilidade parece cada dia mais concreto, podendo empurrar o Brasil para um estado de falência econômica potencialmente desastrosa, inclusive dos demais parceiros do Mercosul. Falta apoio, na classe política, à iniciativa para eliminar o déficit estrutural das contas públicas. Nem o Centrão, aliado do governo, quer isso. Sobram, no Executivo, apoios a iniciativas para aumento das despesas e para benesses tributárias setoriais, como se não houvesse amanhã. Mais um exemplo foi a tentativa do Governo Federal, frustrada pelo STF, de zerar a alíquota de importação de armas. Já é dada como certa a desistência do governo quanto a aprovação de medidas de ajuste ainda neste ano. O próprio pedido de férias do ministro Paulo Guedes, já autorizado, e também de alguns técnicos de sua equipe, é o reconhecimento cabal de que o governo empurrou a pauta para 2021 – como se houvesse tempo para tal folga. É como se o governo estivesse dizendo que não resta mais nada a fazer em 2020. Com o adiamento da apresentação do relatório das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) do ajuste fiscal (Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos) para o ano que vem, a equipe econômica acredita ter uma chance para reintegrar ao texto do relator Marcio Bittar pontos que seriam retirados para possibilitar a aprovação da matéria ainda neste ano. Abortaram o que estava aí e começaram tudo de novo sob nova gestão. Existem várias promessas para o relatório a ser revisto. Mas sem flexibilização de gastos, proibida até pelo STF.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, prestes a deixar o cargo, diz que o governo insiste em criar gatilhos do teto de gastos por projeto de lei, o que, caso confirmado, pode constituir crime de responsabilidade. Segundo ele, o presidente tem tentado influenciar pessoalmente na disputa da liderança da Casa, com a oferta de emendas, verbas e ministérios para os parlamentares, colocando em ameaça a solvência do Estado. A defesa da criação de gatilhos para o teto de gastos, que seriam incluídos na PEC Emergencial, constitui apenas um dos artifícios nesse sentido. E o ministro Guedes, vislumbrando o apetite federal por mais despesas, tratou de já fixar uma meta fiscal para 2021 acima da projetada, da ordem de R$ 247,1 bilhões. Até a semana passada, a pasta trabalhava com uma perspectiva de rombo perto de R$ 230 bilhões. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias do Congresso, senador Irajá Abreu, acatou a nova meta fiscal, retirando do contingenciamento gastos da Covid. Ele protocolou seu parecer minutos depois de divulgada a nova meta, quase como uma jogada ensaiada. O Tribunal de Contas da União vem defendendo, desde sempre, uma meta fiscal fixa e não “flexível” como anseia Guedes, numa afronta à Constituição. O ministro prevê um corte de R$ 12 bilhões das chamadas despesas discricionárias, que incluem investimentos e gastos para o custeio da máquina pública, como as contas de luz e água dos ministérios. O valor para essas despesas não obrigatórias cai de R$ 96 bilhões para R$ 83,9 bilhões na LDO. A redução coloca o sistema em risco de shutdown, a paralisia da máquina pública. A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado calculou, em agosto, que o governo precisaria de ao menos R$ 89,9 bilhões em despesas discricionárias para evitar o colapso. Parece que as autoridades resolveram ignorar o cálculo.

Carlos José Marques, diretor editorial