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Economia

Programa Pró-Brasil fica para 2021, diz líder do governo no Congresso

Para o senador Eduardo Gomes, programa defendido pela ala militar e alguns ministros só ganhará tração se não houver dúvida em relação ao teto de gastos
Líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) Foto: Roque de Sá / Agência Senado
Líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) Foto: Roque de Sá / Agência Senado

BRASÍLIA - Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro defender publicamente o controle de gastos e a agenda de reformas, o governo decidiu adiar para 2021 o Pró-Brasil, programa de obras defendido pela ala política e pelos militares para reativar a economia e pavimentar o caminho para a reeleição do presidente.

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O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), disse ao GLOBO que o programa só será lançado quando não houver dúvida em relação ao cumprimento do teto de gastos, a regra fiscal que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. O adiamento, porém, não resolve as divergências entre a equipe econômica e a ala “pró-gasto”.

Em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, o presidente disse que os ministérios têm uma “briga, no bom sentido”, por mais recursos.

— Então a ideia de furar teto existe , o pessoal debate, qual o problema? “Presidente, na pandemia, nós temos a PEC de Guerra, nós já furamos o teto em mais ou menos R$ 700 bilhões, dá para furar mais R$ 20 (bilhões)?”. Eu falei: “Qual é a justificativa? Se for pra vírus, não tem problema nenhum”. “Ah, mas entendemos que água é para essa mesma finalidade”. Então a gente pergunta. E daí? Já gastamos R$ 700 bilhões, vamos gastar mais R$ 20 bilhões ou não?

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Bolsonaro culpa mercado

Segundo Bolsonaro, o debate em torno da liberação de dinheiro refere-se a obras para saneamento, revitalização de rios, programas habitacionais como o Minha Casa Minha Vida e infraestrutura. O presidente afirmou que o debate é natural. De acordo com Bolsonaro, foi “uma discussão de pauta” que o governo resolveu “não levar adiante”. O presidente culpou o mercado financeiro e cobrou patriotismo dos agentes:

— O mercado reage, o dólar sobe, a Bolsa cai. Agora esse mercado tem que dar um tempinho também, né? Um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles, né? Não ficar aí aceitando essa pilha — disse.

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O cumprimento da regra fiscal está diretamente ligado à credibilidade do governo e a uma trajetória de estabilidade na condução das contas públicas. Com o aumento dos gastos para combater a pandemia, a dívida pública deve se aproximar do patamar de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) até o fim do ano.

O aumento das despesas em um cenário de crise tem ocorrido em diversos países e não suscita preocupação entre agentes do mercado. O sinal de atenção refere-se a 2021, com a forma como o país pretende sair da crise. Qualquer sinal de descontrole fiscal, segundo especialistas, pode ter impacto negativo no custo para financiar a dívida e na atração de investimentos, no momento em que o país precisará de recursos para ensaiar retomada mais consistente da economia.

As divergências sobre o tamanho dos gastos públicos atingiram novo ápice nesta semana, com Guedes falando que conselheiros que tentam “furar” o teto de gastos poderiam levar ao impeachment de Bolsonaro.

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Mesmo assim, o governo deu outro sinal nesta quinta de que ainda lida com duas soluções divergentes para a crise. Decidiu encampar um projeto de lei para liberar R$ 5 bilhões para a realização de obras este ano. O valor é bem menor do que o que vinha sendo cogitado pela ala pró-gasto para este fim, da ordem de R$ 35 bilhões.

O novo montante foi acertado em reunião quarta-feira no Palácio da Alvorada. O valor que será liberado, porém, não deve ferir o teto de gastos. Será feito por meio de um remanejamento de verbas dentro do Orçamento deste ano. O projeto será encaminhado ao Congresso e só depois da aprovação dos parlamentares é que o dinheiro pode ser usado, principalmente para obras inacabadas.

— A manutenção de recursos para obras neste ano está garantida com o cancelamento e realocação de verbas de empreendimentos paralisados. Algumas obras estão dentro do Pró-Brasil. O programa continuará sendo trabalhado, mas sua grande retomada ocorrerá quando houver margem de segurança em relação ao teto de gastos — disse Gomes.

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Apesar das sinalizações públicas, o assunto ainda não foi bem resolvido dentro do governo. Integrantes da Casa Civil, que elaboram o Pró-Brasil, dizem, em conversas reservadas, que o líder do governo ainda não entendeu como funcionará o programa e descartam adiamentos.

Mudança no pró-brasil

O foco em obras públicas vinha sendo chamado internamente de “Eixo Progresso”. O discurso agora é de que está mantido o “Eixo Ordem”, que prevê mudanças regulatórias e a atração de investimentos privados.

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O argumento é que a ênfase está na priorização de projetos para a retomada da economia em resposta aos efeitos da pandemia, com geração de emprego e renda.

Essa vertente do plano iria contemplar temas como a digitalização dos serviços públicos, reformas estruturantes, o Renda Brasil (que irá substituir o Bolsa Família), a melhoria do ambiente de negócios e novos marcos legais. Depois das declarações de Guedes, a Casa Civil passou a afirmar que o plano nunca teve investimentos públicos como prioridade.

Os ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, devem ser os maiores contemplados com os recursos. O valor será usado este ano, e a ideia é planejar como serão feitas obras em 2021 e 2022 nas próximas semanas.

O Orçamento de 2021, que será encaminhado ao Congresso no fim do mês, será feito com margem muito baixa para investimentos. Além da própria limitação imposta pelo teto, isso faz parte de estratégia do governo. A ideia é barganhar espaço para investimentos em troca da aprovação de propostas já enviadas ao Legislativo e que permitem maior controle do gasto público.

Integrantes da equipe econômica já discutem com lideranças parlamentares acelerar a votação de uma proposta que permite ao governo acionar em 2021 as medidas de contenção de despesas obrigatórias, como gatilhos que proíbem aumentos, contratações e concursos.