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Economia

Orçamento não terá bloqueio de recursos no próximo ano

Em 2021, teto de gastos será o único freio a despesas. Pastas disputam verbas
Governo pretende apresentar Renda Brasil junto com propostas já enviadas ao Congresso para cortar gastos Foto: Geraldo Magela / Agência O Globo
Governo pretende apresentar Renda Brasil junto com propostas já enviadas ao Congresso para cortar gastos Foto: Geraldo Magela / Agência O Globo

BRASILIA - Uma situação inédita deixará o teto de gastos (regra que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior) como o único mecanismo a colocar um freio nos gastos da União em 2021. Em razão das incertezas criadas pela pandemia, o governo quer adotar uma meta flexível como resultado das contas públicas no próximo ano.

Na prática, isso vai acabar com o contingenciamento, o bloqueio de recursos dos ministérios que ajuda o governo a dosar despesas de modo a cumprir a previsão para o ano. O efeito da mudança foi acirrar as disputas em torno do Orçamento de 2021 . Afinal, quem obtiver recursos terá a certeza de que poderá usá-los.

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Por outro lado, reforçou o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, em defesa do teto de gastos como a principal âncora e referência para o mercado dos gastos públicos federais. É a primeira vez, desde 2000, quando foi sancionada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que o investidor não se guiará pela meta anual.

No próximo ano, o teto de gastos será de R$ 1,485 trilhão, um crescimento de R$ 31 bilhões na comparação com 2020. A maior parte do espaço do teto será consumida por despesas obrigatórias, como aposentadorias e salários, o que reduz a cada ano o Orçamento para investimentos e serviços .

Por isso, a regra do teto tem sido alvo de disputas internas do governo, já que ministros buscam mais espaços para gastar com obras em serviços no próximo ano . O Ministério da Economia tem reforçado nessas conversas que o teto é o único parâmetro para os gastos federais em 2021.

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O bloqueio de recursos é chamado tecnicamente de contingenciamento e se tornou comum nos últimos anos. Ele ocorre todas as vezes em que há frustração de receitas. Sem isso, o Orçamento que será enviado pelo governo no próximo dia 31 e aprovado pelo Congresso até o fim do ano poderá ser inteiramente executado, sem nenhuma restrição para os gestores.

Emendas parlamentares

O bloqueio de recursos é feito nas despesas sobre as quais o governo tem controle, especialmente investimentos e manutenção da máquina pública, chamadas de discricionárias.

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Com a nova regra, as disputas em torno dos gastos protagonizadas pelos ministros para o Orçamento de 2021 ganhou ainda mais relevo. Um recurso disponibilizado para uma estrada, por exemplo, não será contingenciado. Além disso, os parlamentares que apresentarem emendas ao Orçamento saberão que as chances de verem essas obras executadas são grandes.

Arte O Globo Foto: Arte O Globo
Arte O Globo Foto: Arte O Globo

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse ao GLOBO que o teto de gastos já se configurou neste ano como uma âncora para as contas públicas:

— Em 2021, o teto de gastos continuará sendo uma super âncora. No ano que vem, em razão da novidade prevista no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), que considera a meta fiscal como sendo a despesa prevista para o teto de gastos menos a receita, nenhum ministério vai ter R$ 1 contingenciado — diz o secretário, lembrando que o contingenciamento não representa corte de gastos, apenas provisionamento.

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Rodrigues ressalta que Guedes e a equipe defendem integralmente a necessidade de manutenção do teto de gastos. Ele lembra que as medidas de combate ao coronavírus estão sendo executadas fora do teto. E que o governo criou paineis com o acompanhamento diário das despesas.

Todo o Orçamento estará baseado nesta regra fiscal, que estabeleceu as despesas num patamar fixo. O resultado das contas públicas vai depender do desempenho da arrecadação, já que a despesa estará travada.

Na prática, é como se não existisse meta de resultado das contas públicas, a chamada meta fiscal, sendo o teto a única âncora. Geralmente, os contingenciamentos existem porque a receita projetada pelo governo é menor do que a arrecadação que de fato aconteceu. Para atingir a meta fiscal fixada em lei, o governo bloqueia recursos e os libera na medida em que a situação melhora.

Arte Foto: Arte O Globo
Arte Foto: Arte O Globo

Esse processo de contingenciamento e liberação de recursos é feito a cada dois meses, em relatórios nos quais a equipe econômica avalia o comportamento das despesas e as previsões de receita. Se a previsão para a receita cai, é editado um decreto com bloqueio de recursos no Orçamento para atingir a meta fiscal.

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Até o ano passado, o governo tinha poder para definir quais áreas teriam maiores ou menores bloqueios de recursos. A partir deste ano, seria adotado um modelo de contingenciamento linear por ministério — e, a partir daí, cada pasta definiria quais projetos seriam afetados.

A pandemia do novo coronavírus, porém, fez o Congresso, a pedido do governo, decretar o Estado de Calamidade Pública, que permite à equipe econômica não fazer contingenciamentos.

No próximo ano, o relatório bimestral vai continuar existindo. Mas, no lugar de indicar uma necessidade de contingenciamento, ele vai apontar um novo resultado para as contas (que é uma conta de receitas menos despesas, sem contar o pagamento dos juros da dívida).

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Isso vai ocorrer porque, para 2021, os técnicos da equipe econômica estão com dificuldades para fazer projeções, tendo em vista as incertezas do cenário causada pela pandemia, em que as previsões mudam a cada semana. A projeção de arrecadação é feita com base na previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) e outros indicadores, além de receitas como concessões e privatizações. Essas previsões estão altamente incertas não só para o governo, mas para todo o mercado.

Meta atrelada a cenários

Para evitar revisões consecutivas do número caso a economia tenha um desempenho diferente do que o previsto hoje pelo governo, a decisão foi adotar uma meta flexível, que deve ser atualizada a cada dois meses, sem necessidade de autorização do Congresso. A autorização prévia dos parlamentares para essa mudança está no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, que traz os parâmetros para o Orçamento.

Paulo Guedes anuncia o resultado do Caged de julho, ao lado dos secretários Bruno Dalcolmo e Bruno Bianco Foto: Reprodução
Paulo Guedes anuncia o resultado do Caged de julho, ao lado dos secretários Bruno Dalcolmo e Bruno Bianco Foto: Reprodução

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo é obrigado a fixar uma meta fiscal, colocando em lei estimativas para variáveis como PIB e inflação, que impactam tanto nas receitas como nas despesas. O Brasil já teve bandas para a meta fiscal ao invés de um número fixo, mas o mecanismo adotado é novo, ao vincular as metas a cenários econômicos.

— O governo adotou a estratégia de deixar a meta flexível (em 2021) por conta das incertezas. A gente tem uma âncora no teto, e uma incerteza muito grande para a arrecadação — explica Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) — Com isso de fato só sobra o teto. Acaba depositando toda a confiança no teto.

O rombo das contas federais neste ano deve ficar na casa de R$ 800 bilhões, por causa das medidas adotadas para combater o coronavírus. Isso vai ser financiado com o aumento da dívida, mas os investidores sabem que é uma situação excepcional. O problema é a sinalização de longo prazo. Por isso, a preocupação da equipe econômica.