Por Alexandro Martello, G1 — Brasília


O crescimento dos gastos obrigatórios, principalmente os previdenciários, continuará comprimindo as despesas livres do governo (chamadas de "discricionárias") e ameaça comprometer parte dos serviços públicos em 2021, segundo números da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.

Isso porque a regra do teto de gastos, criada em 2016, limita o aumento das despesas do governo à inflação do ano anterior.

Entenda o que está por trás do teto de gastos

Entenda o que está por trás do teto de gastos

Representando cerca de 95% das despesas totais da União, os gastos obrigatórios subirão mais que a inflação — deixando menos recursos para as despesas que podem ser alocadas livremente pelo governo.

De acordo com a IFI, a despesa não obrigatória mínima necessária, no próximo ano, para o funcionamento da máquina pública, é de R$ 89,9 bilhões.

Entretanto, com o forte aumento das despesas obrigatórias no ano que vem, os recursos que sobrarão para o governo realizar esses gastos "discricionários" serão menores do que isso: R$ 72,3 bilhões.

"Se o governo espremer as discricionárias, pode ser que consiga cumprir [o teto de gastos], mas estará operando no 'fio da navalha'. Se ele mandar o PLOA [Projeto de Lei Orçamentária] cumprindo, mas depois tiver de romper na execução, vai ser algo inusitado", afirmou o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, ao G1.

Para Salto, será uma "incógnita" o que acontecerá. "Se ele [o governo] cortar o gasto a esse nível, pode-se dizer que há risco de 'shutdown' [paralisação da máquina pública], sem forçação de barra e sendo honesto", declarou.

Entre os gastos não obrigatórios que podem ser afetados estão:

  • investimentos públicos, incluindo infraestrutura e em universidades e institutos federais;
  • ações de defesa agropecuária;
  • bolsas de estudo, de pesquisa e para atletas;
  • emissão de passaportes;
  • Farmácia Popular;
  • fiscalização ambiental;
  • aquisição e distribuição de alimentos para agricultura familiar;
  • despesas administrativas do governo (água, energia elétrica, serviços terceirizados).

De acordo com informações oficiais do Tesouro Nacional, a área de saúde deixou de receber, em 2019, R$ 9,05 bilhões em razão da regra de teto de gastos.

Antes dessa regra, que começou a valer em 2017, o piso de despesas na área estava vinculado à receita corrente líquida. Com a mudança, passou a ser corrigido pela inflação do ano anterior (acumulada em 12 meses até junho).

Paulo Guedes fala da importância do respeito ao teto de gastos

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Ministério defende o teto

Mesmo após a liberação de gastos extraordinários neste ano devido à pandemia do novo coronavírus, a área econômica tem defendido a manutenção da regra do teto de gastos e informado que o cenário de restrições será retomado em 2021, por meio da compressão de despesas não obrigatórias.

Segundo o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, a regra do teto de gastos é uma forma artificial de se fazer o necessário: "Gastar dentro das nossas possibilidades".

"Ela [a regra] foi colocada para gerar credibilidade para a sociedade, e o Brasil não vai continuar em trajetória de gastança cada vez maior. A gente comprou um terno e tem e caber lá dentro", disse.

"Temos que fazer nosso dever de casa. O piso sobe cada vez mais [com expansão dos gastos obrigatórios]. A gente vai engordar e ter de trocar de terno ou começar a malhar para caber dentro do terno", afirmou nesta semana, durante videoconferência de instituição financeira.

Discussões sobre o orçamento

As limitações orçamentárias já podem ser sentidas nas discussões sobre a proposta de orçamento para 2021, que tem de ser enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional até o final de agosto.

Informações iniciais apontam para uma redução de despesas para educação de R$ 4,2 bilhões no próximo ano. Os números finais, porém, ainda não foram definidos pela equipe econômica.

Ao mesmo tempo, há uma discussão sobre como aumentar investimentos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta semana que o governo vai fazer remanejamento de recursos a fim de criar as condições para que sejam feitos investimentos públicos sem "furar" o teto de gastos.

Alguns dias depois, porém, a secretária especial do PPI do Ministério da Economia, Martha Seillier, declarou que, para crescer, o país precisa de investimentos em infraestrutura e que, estes, "não virão do lado público do orçamento".

Segundo ela, como há "muita demanda" por investimentos em infraestrutura no país, o desafio "gigantesco" é realizar essa substituição por recursos privados.

Além disso, o governo também considera propor um novo adiamento do Censo Demográfico de 2021 para 2022. Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", os recursos previstos para o censo de 2021 seriam redirecionados para o Ministério da Defesa.

Números para 2021

Veja os números estimados pela IFI que influenciarão o gasto público em 2021:

  • Inflação - A inflação, medida pelo IPCA, somou 2,13% em 12 meses até junho deste ano. Com isso, esse é o percentual que será utilizado para correção do teto de gastos em 2021. O crescimento da inflação nesse período, fruto do baixo nível de atividade decorrente da pandemia do novo coronavírus, gerará a menor correção do teto desde o seu início. Em 2018, 2019 e 2020, o teto subiu, respectivamente, 3,52%, 3,68% e 3,84%.
  • Teto de gastos - Com o reajuste de 2,13%, o teto passará de R$ 1,455 trilhão para R$ 1,485 trilhão — alta de R$ 30,99 bilhões em 2021.
  • Benefícios previdenciários - Mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, a previsão da IFI do Senado Federal é de que os benefícios previdenciários passarão de R$ 670,9 bilhões, neste ano, para R$ 731,3 bilhões em 2021 — expansão de R$ 60,4 bilhões.
  • Gasto com pessoal - De acordo com a IFI, os gastos com pessoal da União deverão avançar de R$ 322,3 bilhões para R$ 326,8 bilhões — crescimento de R$ 4,5 bilhões.
  • Abono salarial e seguro-desemprego - Gastos previstos pela IFI com abono salarial e seguro-desemprego devem recuar de R$ 63,7 bilhões em 2020 para R$ 60,5 bilhões em 2021 — queda de R$ 3,2 bilhões.
  • Benefício de Prestação Continuada (BPC) - Despesas com o Benefício de Prestação Continuada tem previsão, pela IFI, de subir de R$ 63,1 bilhões neste ano para R$ 66,9 bilhões em 2021 — alta de R$ 3,8 bilhões.
  • Precatórios - A previsão da IFI para o pagamento de precatórios (sentença judicial), por sua vez, deve somar R$ 15,7 bilhões em 2021, contra R$ 24,1 bilhões em 2020 — queda de R$ 8,4 bilhões.

Grupo de 80 economistas lança manifesto em defesa do teto de gastos

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Propostas

Os economistas recomendam as seguintes medidas para permitir novas despesas:

  • Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente: permitir “gatilhos”, como congelamento de concursos e de salários de servidores, já no envio do orçamento, o que pode abrir cerca de R$ 40 bilhões em gastos, em dois anos. Para o economista, outra opção seria mudar a regra que limita o teto à inflação do ano anterior e fazer isso antes dos 10 anos previstos na emenda constitucional. "O teto não aguenta até 2027. O nível de discricionárias teria de ficar muitíssimo baixo. Há risco de 'shutdown' [paralisia da máquina]", disse.
  • Marcelo Guaranys, secretário-executivo do Ministério da Economia: defende a revisão das despesas obrigatórias a fim de destinar mais recursos para programas de transferência de renda e investimentos públicos, por exemplo. O governo propôs no ano passado que os "gatilhos" do teto sejam acionados se a regra de ouro for descumprida, além de cortar jornada e salário de servidores. O governo informou que um eventual descumprimento do teto "só poderia ocorrer na execução financeira" e confirmou ainda que a proposta de orçamento de 2021 será enviada ao Legislativo considerando as limitações impostas pelo regime.
  • Raul Velloso, consultor e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento: Para ele, era preciso ter aprovado também uma emenda que permitisse ao governo cortar gastos obrigatórios. Velloso diz ainda que o "alvo do tiro" precisa ser o salário dos servidores e a contratação de pessoal. "O problema é que o teto não é viável, e algumas pessoas já falavam lá atrás, quando foi criado. Virou um teto manco, que não se mantém. Ele está semimorto. Além de arrochar os serviços públicos, está zerando investimentos essenciais", disse.
  • Manifesto divulgado por 96 economistas, entre eles Marcos Mendes, Alexandre Schwartsman, Ana Carla Abrão e Eduardo Guardia defende o teto de gastos. Para os economistas, o melhor caminho seria abrir espaço no teto permitindo redução de salário e jornada de servidor público, como propõe o Ministério da Economia, e permitir o acionamento dos "gatilhos" já em 2021. “Precisamos rebaixar o piso [dos gastos obrigatórios], para que o teto não colapse, se não em 2021, por opções equivocadas de política, nos próximos, por excesso incontornável de despesas obrigatórias. A hora é agora e não há mais nenhum tempo a perder".
  • José Luis Oreiro, professor adjunto do departamento de Economia da Universidade de Brasilia (UnB): ele avalia que o teto se torna "inviável" no "médio prazo" pois o mecanismo congelou despesas reais por um período de 20 anos, ao mesmo tempo em que componentes desses gastos, como os previdenciários, continuam crescendo acima da inflação. Para ele, é preciso evitar o chamado "shutdown" da máquina público, isto é, a paralisação. "Simplesmente, é o momento de abandonar o teto de gastos, ou vamos ter o 'shutdown' da máquina pública"", disse.

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