Análise: Gasto emergencial com pandemia não pode virar pretexto para estourar orçamento
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A discussão sobre a quebra do teto de gastos por conta da pandemia de coronavírus divide economistas e levanta dúvidas sobre a continuidade de medidas de emergência. O prolongamento do auxílio emergencial para os brasileiros mais fragilizados e o lançamento de um programa de investimentos estão no foco da discórdia e colocam o presidente Jair Bolsonaro em linha de frente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor da rigidez fiscal.
Para especialistas ouvidos pela RFI, não há dúvidas de que os gastos para limitar os efeitos da pandemia neste ano são fundamentais – porém, há divergências sobre qual trajetória seguir em 2021. O economista Amir Khair, consultor em finanças públicas, considera que, enquanto as contaminações seguirem em alta no país, o auxílio emergencial deve permanecer, custe o que custar.
“Não há ainda uma perspectiva muito clara em relação à queda da pandemia. Toda a ajuda necessária às pessoas ou às pequenas e médias empresas terá de ser garantida”, frisa. “Quando o governo oferece esses recursos para as pessoas, elas não colocam embaixo do colchão nem mandam para o exterior: elas simplesmente usam para consumo. Elas ativam o comércio, que ativa a indústria e os serviços. Ou seja, você gira a economia.”
Risco para a confiança no futuro
Especialista em finanças, o diretor do Ibmec São Paulo, Reginaldo Nogueira, avalia que a emergência do momento atual não deve abalar o compromisso do governo em equilibrar as contas públicas – sob o risco de afastar a confiança dos investidores na economia do país. O Brasil, ressalta, continua um país com déficit e dívida pública elevados, com sérios ajustes fiscais por fazer.
Até agora, as estimativas do mercado apontam que o déficit primário deste ano, por conta das despesas com a pandemia e a queda da arrecadação, já chega a R$ 900 bilhões.
“Eu acho que ninguém é contrário a esse tipo de despesa, afinal é natural que haja um aumento expressivo do déficit em situações de calamidade como a que estamos enfrentando em 2020. Mas, se a gente olha para frente, no longo prazo, a situação das finanças públicas brasileiras não muda”, destaca. “Por um problema que está acontecendo agora, a gente não pode perder algo que terá efeitos nas próximas décadas da economia brasileira.”
Ameaça ao teto de gastos
No coração do problema está o teto dos gastos, estabelecido no governo de Michel Temer para limitar as despesas do governo ao ritmo da inflação. Nogueira afirma que furar essa regra geraria, a longo prazo, prejuízos muito maiores do que os benefícios imediatos.
Entretanto, para Amir Khair, a emenda constitucional nasceu ineficiente ao desconsiderar as oscilações cruciais da economia brasileira. Ele lembra que, hoje, o país desfruta dos juros mais baixos da sua história, o que viabiliza uma queda brusca do custo da dívida pública.
“Uma regra que não respeita receita é falha. A contabilidade e as finanças públicas são feitas em função de receita, despesa e juros, e não só de despesa. No Brasil, a conta de juros representa 80% do déficit”, nota o consultor.
O economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, concorda que a PEC do teto é deficiente, mas acha que o momento é inadequado para alterá-la. “O risco é a gente acabar entrando num cenário de descontrole, de expectativas, de aumento do custo de financiamento da dívida pública. O teto exerce o seu papel nesse sentido”, pontua o especialista. “Os gatilhos, as medidas automáticas de ajuste, previstas na Emenda Constitucional 95 – que regulamenta o tema – podem e devem ser utilizados a partir do ano que vem”, sugere.
Programa de investimentos visto com desconfiança
De olho nas eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro tem pressionado a equipe econômica a encontrar margem para um plano de investimentos públicos que relance a atividade econômica em meio à recessão. “A gente teria que criar um cenário de aumento de gastos muito elevado para poder dizer que isso estaria sustentando o crescimento de demanda. Na prática, isso não teria como e não vai acontecer”, resume Nogueira. “E para fazer investimentos pesados em infraestrutura, que é o que precisamos, existem formas interessantes de fazê-lo sem que o governo precise, ele próprio, gastar esse dinheiro. Tem o setor privado, as concessões, as parcerias”, indica o diretor do Ibmec-SP.
Felipe Salto concorda que é esse projeto de investimentos que gera maior desconfiança quanto ao compromisso de Bolsonaro com o equilíbrio fiscal. “Esse tipo de iniciativa é completamente surrealista: imaginar um programa de investimentos de dezenas de bilhões, como se, num rompante, o Estado brasileiro fosse se tornar eficiente para fazer gastos, e ainda mais chamando-o de imprevisíveis, para tentar enquadrá-lo como créditos extraordinários”, adverte o economista da IFI.
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