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Economia Coronavírus

Tesouro enfrenta dificuldade para financiar dívida pública, relatam técnicos

Governo não tem encontrado investidores dispostos a comprar títulos públicos com vencimento a longo prazo
A Renda Mínima Emergencial prevista é de R$ 600 para trabalhadores informais de baixa renda Foto: Marcello Casal Júnior / Agência O Globo
A Renda Mínima Emergencial prevista é de R$ 600 para trabalhadores informais de baixa renda Foto: Marcello Casal Júnior / Agência O Globo

BRASÍLIA - Numa situação rara e que demonstra o tamanho da crise, o Tesouro Nacional já vê sinais de dificuldade para financiar a dívida pública do Brasil. Técnicos que acompanham de perto o assunto relatam que está cada vez mais complexo emitir títulos para cobrir o rombo fiscal e refinanciar a dívida federal.

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O governo já tem enfrentado dificuldades para colocar papéis com vencimentos longos no mercado, ou seja, não tem encontrado investidores dispostos a comprar esses títulos. Assim, está sendo obrigado a encurtar os vencimentos para se financiar, com taxas mais altas, o que aumenta ainda mais o custo do Tesouro.

Nas últimas semanas, o Tesouro cancelou diversos leilões, por conta do cenário de incerteza. Os técnicos vêm alertando que o país não tem capacidade de se endividar infinitamente e ao mesmo tempo controlar a inflação.

A preocupação aumentou nos últimos dias, com o impasse em torno do tamanho da ajuda aos estados e municípios. Os projetos em discussão no Congresso, alerta a equipe econômica, podem gerar uma bomba fiscal sem precedentes.

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Colchão de liquidez

O tom nas reuniões internas é de que, no longo prazo, pode chegar o momento em que não haverá investidores para bancar os gastos públicos. Por enquanto, o chamado colchão de liquidez (reservas de antigas emissões) está conseguindo financiar a dívida. Porém, sabe-se que há um limite para isso.

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O país emite dívida para pagar as despesas que não são cobertas pelo pagamento de impostos e para financiar a dívida existente. Os técnicos têm alertado que não é correto dizer que o governo pode se endividar infinitamente. Ainda que o país possa ofertar quantos títulos quiser, é preciso encontrar quem compre.

Uma fonte que acompanha de perto o assunto lembra que o Tesouro tem que diariamente convencer os investidores a financiar o governo. E que a demanda por títulos pode cair a níveis preocupantes se um agente privado não confia na solidez nas contas públicas de um país, seja no presente ou no futuro.

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Atuação do Banco Central

Há ainda outra preocupação no radar dos técnicos da Economia. A proposta do Orçamento de guerra, em discussão no Congresso, permite ao Banco Central (BC) comprar títulos do Tesouro no mercado secundário. A depender de como o BC vai atuar, isso pode afetar a liquidez no mercado e gerar uma competição entre os títulos do Tesouro e o BC.

Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, afirma que o Tesouro tem um colchão de liquidez bastante grande e que não haverá problema de financiamento da dívida neste ano:

— É evidente que o governo precisa dar uma perspectiva de retomada do equilíbrio fiscal a partir do ano que vem e coordenar direito as ações de expansão ao longo da crise. Isso inclui a questão federativa, com a qual o Ministério da Economia não está sabendo lidar.

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A IFI aponta que a dívida chegará a 84,9% do PIB neste ano. Em relação a 2019, é um crescimento de 9,1 pontos percentuais do PIB. Para o período de 2021 em diante, a instituição indica crescimento da dívida para 100% do PIB até 2030.

— O mercado pedirá prêmio, isto é, um jurinho a mais para comprar o título. Não adianta, é do jogo — diz Salto.