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Por que os efeitos econômicos do coronavírus serão de uma guerra, não de uma pandemia
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Estima-se que a Peste Bubônica tenha matado de 75 a 200 milhões de pessoas no século XIV, devastando praticamente 40% da população da Europa. Após a pandemia, o continente demorou 200 anos para recompor a sua população, provocando uma série de mudanças econômicas e institucionais.

A principal delas foi a mudança na proporção entre capital e trabalho ao longo dos anos seguintes. Simplificando a teoria econômica, capital é a quantidade de recursos físicos disponíveis para se produzir - como terra, máquinas e prédios. Já o trabalho é definido pela quantidade de pessoas aptas a realizar uma atividade econômica.

Ao alterar a proporção entre os dois fatores, temos uma série de mudanças nos preços que impactam a dinâmica macroeconômica. No caso da Peste Bubônica, enquanto a relação de capital se manteve intacta, as mortes reduziram significativamente a quantidade de trabalho disponível.

Esta redução de oferta por mão de obra fez com que os salários subissem significativamente, ao passo que fatores de produção como terra tivessem uma queda de 30% pós-pandemia. Em outras palavras, faltava trabalho e sobrava meios de produção, por isso os preços acabaram flutuando.

O aumento da renda das famílias se refletiu, no segundo momento, em um maior poder de pressão política e demanda por proteção social. Estas mudanças foram essenciais para o avanço institucional entre os séculos XV e XVI que ressaltaram na formação do Estado Moderno. Todo este processo é retratado no artigo seminal do Prêmio Nobel de Economia Douglass North, que pode ser encontrado no livro “The Rise of the Western World: A New Economic History” [A ascensão do mundo Ocidental: uma nova história econômica].

Cenário diferente

No entanto, este cenário é totalmente diferente em relação à pandemia de Covid-19. O primeiro motivo é a diferença entre as taxas de mortalidade e os grupos sociais afetados. O avanço tecnológico e as medidas de distanciamento social garantem que vamos ter um cenário de mortes muito inferior às demais pandemias e concentrado na população mais idosa.

Desta forma, não haverá uma mudança substancial no estoque de trabalho garantindo a proporção entre os fatores de produção. Porém, teremos, sim, consequências econômicas severas de longo-prazo, muito mais parecidas com a de um pós-guerra.

Em cenários pós-conflito, há redução de trabalho causada por mortes, mas também ocorre um encolhimento  da quantidade de capital – não gerando uma distorção entre salários e preços de ativos. Por outro lado, os países precisam aumentar o endividamento para financiar os gastos bélicos e a reconstrução dos ativos.

A Inglaterra, por exemplo, teve um salto da dívida de 50% do PIB para 200% durante a Primeira Guerra Mundial. Após o término da Segunda Guerra o número chegou a 270%, só voltando aos patamares de 1914 na década de 80.

No caso do COVID-19, os países estão expandindo gastos para aumentar a capacidade do sistema de saúde, garantir fluxo para as empresas e recompor a renda para os trabalhadores que terão que ficar em casa.

Em países como Inglaterra e Alemanha,  estima-se um gasto público de 17% e 20% do PIB para garantir as medidas protetivas. Com a redução do crescimento, haverá um aumento substancial da dívida pública. Logo, teremos taxas de juros mais altas que refletem o risco deste aumento de endividamento, reduzindo assim as taxas de crescimento do PIB Mundial.

No caso do Brasil, essa situação é ainda mais crítica pois, apesar de medidas para conter o gasto público, como a PEC do Teto e a Reforma da Previdência, nossa situação fiscal está longe de ser resolvida. Uma parte considerável da normalidade macroeconômica brasileira vem da expectativa que regras como a do teto sejam cumpridas.

Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal da IFI (Instituição Fiscal Independente), as previsões anteriores ao coronavírus mostravam uma trajetória da dívida de 79% do PIB para 2020, mas com uma tendência de queda para 75,5% em 2030. As novas previsões mostram uma elevação da dívida para este ano de 84,9% e atingindo 100% do produto no fim da década.

Caso o Brasil não enfrente este desafio e deixe claro que teremos solvência fiscal para arcar com este novo endividamento, teremos novamente um cenário de incerteza com um aumento da taxa juros e das expectativas de inflação, além de um menor potencial de crescimento nos próximos dez anos.

Por isso, se torna imperativo adotarmos medidas de ajustes para conter os avanços de uma próxima década perdida. Corte de salários de servidores neste período de emergência e congelamento dos vencimentos para os próximos dez anos podem ser caminhos com um alto potencial fiscal.

No entanto, parece estarmos indo para o caminho oposto. Medidas como a descaracterização do Plano Mansueto pelos governadores isentam os estados de fazerem seus ajustes, apenas aumentando os repasses federais e transferindo o ônus para a União.

Se a situação brasileira não era fácil antes do coronavírus, agora enfrentaremos um desafio muito maior em um país mais endividado e em um mundo que crescerá menos. Cabe saber se vamos fazer os ajustes necessários ou se teremos mais uma década perdida.

* Matheus Hector é formado em economia pelo Insper, já trabalhou na formulação do cenário regulatório de criptoativos e agora se dedica assuntos voltados à Reforma Tributária. É associado ao Livres e fundador do Consilium.

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