As negociações no Congresso sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que amplia poderes do Banco Central (BC) para atuar na crise no coronavírus avançaram para incluir a permissão de compra de compra de títulos públicos.
O parecer do relator da proposta, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), ainda representa uma desidratação em relação à minuta original apresentada pelo Banco Central na semana passada, mas de qualquer forma significa um avanço importante em relação aos poderes atuais da autoridade monetária.
Se não houver novas modificações de última hora, a PEC vai autorizar o Banco Central “a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, e direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”.
Esse novo entendimento é mais amplo do que a versão que havia circulado previamente, que previa que o BC poderia comprar apenas “direitos creditórios e títulos privados de crédito”. De qualquer forma, é menos do que o BC havia proposto originalmente em minuta divulgada a parlamentares na semana passada. Por aquele documento, a autoridade monetária pretendia também um mandato mais aberto para “realizar outras operações financeiras, inclusive com o uso de instrumento derivativo”.
O texto mais recente negociado mantém alguns limites importantes. Os poderes para comprar esses papéis se limitam a atual situação de calamidade pública, “com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta” pandemia.
Originalmente, a autoridade monetária pretendia que esses poderes valessem não só para a atual situação de calamidade, mas para outras que eventualmente fossem declaradas pelo Congresso Nacional, bem como estado de defesa e estado de sítio.
Outra limitação para a atuação do Banco Central é quantitativa, no que diz respeito à compra de direitos creditórios e de títulos privados. As operações deverão ser autorizadas pelo Ministério da Economia e requerem aporte de capital do Tesouro Nacional de pelo menos 25%.
Esse arsenal aproxima o BC brasileiro dos poderes de seus pares de países desenvolvidos, como o Federal Reserve (Fed) e Banco do Japão (BoJ). Mas essas instituições têm poderes permanentes para usar esses instrumentos não convencionais de política monetária, sem estarem restritos a períodos de calamidade, como o atual.
Além disso, bancos centrais de países desenvolvidos têm poderes para comprar títulos privados de forma ilimitada, por meio da emissão de dinheiro. A obrigação do Tesouro de colocar 25% de capital nas compras desses papéis privados representa teoricamente uma trava fiscal na possibilidade de compra desses ativos pelo BC.
Se essa regra será, de fato, uma trava, dependerá do montante de recursos que o Tesouro estará disposto a colocar como capital nessas operações. Estimativa feita pelo BC na semana passada indicava um problema de liquidez de cerca de R$ 20 bilhões no mercado de títulos privados, e o BC lançou um programa de liberação de recursos de R$ 91 bilhões para os bancos comprarem esses papéis.
O voto do relator não, impõe, porém, nenhum limite para a atuação do Banco Central nos títulos públicos — o que iguala os poderes do BC brasileiro às instituições de economias desenvolvidas.
Mas o voto deixa de incluir, conforme previsto em versões anteriores da PEC, a criação dos depósitos voluntários no Banco Central. Isso significa que, na prática, a compra de títulos públicos e privados deverá gerar aumento da dívida pública. Quando o BC comprar esses papéis, terá que enxugar a liquidez injetada na economia por meio de operações compromissadas, que sensibilizam a dívida. Bancos centrais de economias avançadas têm usado depósitos voluntários para enxugar a liquidez, que não sensibilizam os indicadores de endividamento.
Apesar da desidratação em relação aos planos iniciais, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, declarou anteontem em entrevista à CNN Brasil que está satisfeito com as negociações com o Congresso Nacional. “Conversei com o presidente Rodrigo Maia algumas vezes em relação à PEC”, disse. “Não existe problema com o que está escrito.”
O Congresso resolveu limitar os poderes concedidos ao Banco Central porque a instituição não é independente como seus pares de economias avançadas. Sem autonomia, no futuro o BC poderia ser pressionado a usar o instrumento em políticas inflacionistas de expansão fiscal e de crédito
A exigência de aporte de recursos do Tesouro na compra de títulos privados é uma forma de proteger o balanço do BC contra prejuízos.