Descrição de chapéu Previdência

Servidor ganha espaço nas Assembleias e faz pressão sobre reforma nos estados

Fatia de deputados estaduais que vieram do funcionalismo é até o triplo da registrada na Câmara

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São Paulo

Endividados e às vésperas de ano eleitoral, governantes estaduais têm outro desafio no caminho de uma reforma própria da Previdência: terão que negociar com uma fatia de deputados oriundos do serviço público que chega ao triplo da registrada entre os federais.


Na média de todas as Assembleias, essa proporção supera 8,5%, segundo levantamento com dados da Justiça Eleitoral feito pelo economista e cientista político João Victor Guedes Neto.

Essa é a estimativa mínima, porque os dados excluem professores que não tenham especificado a rede pública e podem omitir reeleitos que se identificaram como políticos, por exemplo.

Um terço mais ampla que os 6,63% dos que vieram de funções públicas no Legislativo federal, a parcela chega ao dobro disso no Rio de Janeiro (12,9%) e ao triplo em Rondônia (16,7%).

Segundo Guedes Neto, que tem estudado a atuação de parlamentares em diversos países, o número de egressos do funcionalismo não se traduz diretamente em defesa de interesses corporativos, mas há outros fenômenos que apontam nessa direção.

Um deles é a fatia importante de policiais e outros agentes de segurança pública, que chegaram às Assembleias na esteira da eleição do presidente Jair Bolsonaro. “É uma categoria que tem plataforma muito definida e muito identificada com pleitos corporativos.”

Eles são ao menos 13,3% dos eleitos no Espírito Santo, 11,7% no Rio, 9,3% no Paraná e 7,4% em São Paulo, e podem engrossar a oposição a novas regras que limitem seus benefícios —hoje um dos principais custos para os estados. 

Terão que passar pelas Assembleias eventuais propostas de reforma dos governadores. Retirados da proposta original do governo (PEC 6) por deputados federais, que não queriam ficar com o ônus das mudanças, estados e municípios aguardam agora a tramitação de uma PEC paralela que permite a reforma estadual por legislação ordinária.

Se a medida passar, os governadores precisarão de metade dos deputados presentes mais um. Sem a PEC paralela, no entanto, o quórum sobe e pode chegar a três quintos da Assembleia nos casos em que for necessário alterar a Constituição estadual.

Além da obtenção de uma cadeira na Assembleia, servidores influenciam o processo legislativo por outros caminhos, observa Guedes Neto: “A burocracia é quem mais tem conhecimento para redigir os projetos de lei, e o lobby do funcionalismo começa já nessa fase."

Os servidores também atuam nas análises feitas em comissões e na própria implementação das políticas públicas, diz o pesquisador.

Outra dificuldade é que são da esfera estadual boa parte de serviços que afetam diretamente o eleitorado, como educação, saúde e segurança, o que aumenta o impacto político de greves ou ameaças de paralisação.

Segundo Guedes Neto, embora o alvo principal seja o Executivo, demonstrações de organização e força política elevam a influência das categorias sobre o Legislativo.

Entre as mais organizadas estão justamente as carreiras com aposentadoria especial, como professores e policiais. Como se aposentam mais cedo e ficam mais anos inativos, esses servidores oneram mais as previdências estaduais.

Há estados em que mais da metade dos funcionários faz jus a regras especiais: 62% no Maranhão, no Rio e no Rio Grande do Sul, ou 60% em Santa Catarina, de acordo com levantamento de Josué Pellegrini, da IFI (Instituição Fiscal Independente).

Outra pesquisadora dos Legislativos estaduais, Ana Paula Massonetto considera que as chances de reformas estaduais crescem se elas estiverem na pauta do governador.

Segundo ela, “o Executivo gera mais pressão e incentivos que a opinião pública ou a mobilização dos sindicatos”, porque os deputados estaduais são mais dependentes dos recursos do governo, via repasses para as regiões que eles representam.

Além disso, lembra ela, o lobby do funcionalismo vai estar limitado se o governo não conseguir pagar suas contas e houver risco real de atrasar salários ou demitir comissionados, entre outras medidas.

O deputado André Janones (Avante-MG) decorou a entrada do seu gabinete com um manifesto contra a reforma da Previdência, já aprovada pela Câmara
O deputado André Janones (Avante-MG) decorou a entrada do seu gabinete com um manifesto contra a reforma da Previdência, já aprovada pela Câmara - Ranier Bragon/Folhapress

Pela importância da medida, porém, será inevitável negociação com o Legislativo: “Haverá um preço na liberação de cargos, de emendas e recursos."

Para a especialista em administração pública, se a via para a reforma não for a PEC paralela, o custo de aprovar a reforma estadual aumenta, e governantes podem não querer ficar com esse ônus.

Especialista em Previdência, o economista Paulo Tafner diz que os governadores terão que pôr na balança o custo de enfrentar o funcionalismo versus o de enfrentar a população, prejudicada pela falência em serviços como saúde, educação e segurança.

“Além disso, com as contas se deteriorando, o servidor será atingido se não houver reforma, pois faltará dinheiro para pagar salários”, afirma.

Apesar da urgência, Tafner considera que mesmo governadores que decidam enviar projetos para a Assembleia podem não conseguir aprová-los.

Sem a PEC paralela, é preciso obter quórum mais alto nos Legislativos, e Tafner considera improvável que a Câmara tome uma decisão antes das eleições do ano que vem. “Aí já será tarde demais para vários estados.”

Além disso, a PEC 6 não define claramente o que se pode fazer em nível estadual, o que cria insegurança jurídica. 

O economista tem sido consultado por estados que pretendem enviar uma proposta ainda neste ano, como Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.

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