Por Alexandro Martello, G1 — Brasília


A regra do teto de gastos, que estabelece limites para o crescimento do gasto federal, pode impor perdas de R$ 9,46 bilhões à área de Saúde em 2020, segundo cálculo feito pelo G1 e confirmado pela Secretaria de Orçamento Federal, ligada ao Ministério da Economia.

Na proposta orçamentária de 2020, encaminhada ao Congresso Nacional em agosto deste ano, o governo propôs que a área de saúde conte com R$ 122,9 bilhões no ano que vem.

Esse valor é R$ 920 milhões acima do mínimo fixado pela regra vigente do teto de gastos públicos – ou seja, o valor do piso do ano anterior corrigido pela inflação.

Pela regra que vigorava anteriormente, entretanto, o valor mínimo (piso) que deveria ser destinado à saúde em 2020 era de 15% da receita corrente líquida – estimada, na proposta de orçamento, em R$ 882,4 bilhões para o próximo ano.

Com isso, o piso, pela norma anterior ao teto, deveria ser de R$ R$ 132,3 bilhões.

A diferença de R$ 9,46 bilhões entre o valor que deveria ser aplicado pela regra anterior ao teto de gastos (R$ 132,3 bilhões) – que já perdeu validade legal – e o valor proposto pelo governo (R$ 122,9 bilhões) equivale à possível perda de recursos no próximo ano.

Essa destinação menor de recursos para saúde no ano que vem se confirmará se o Congresso Nacional aprovar os valores propostos pelo governo.

Entretanto, pela regra do teto de gastos, se o Legislativo quiser aumentar o orçamento da área de saúde, terá de cancelar despesas em outros setores em igual proporção.

Essa, porém, não seria uma tarefa fácil, porque o "cobertor" já está curto.

"Isso fica cada vez mais difícil. Porque todas as áreas estão sofrendo contingenciamento [bloqueio] grande. Como estamos chegando perto do limite mínimo [para evitar paralisia da máquina pública], tirar de uma área para colocar em outra fica cada vez mais uma não possibilidade", avaliou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal.

Em 2017, o então ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, já alertava que, sem a aprovação da reforma da Previdência Social – que tramita somente neste ano no Congresso –, a regra que criou o teto para gastos públicos se tornaria"incompatível" com a realidade orçamentária do país a partir de 2020.

Isso porque foi estabelecido um limite para gastos, e as despesas obrigatórias – que não podem ser cortadas pelo governo, como aposentadorias e salários de servidores, por exemplo – estão crescendo acima da inflação nos últimos anos e ocupando um espaço maior no orçamento.

Em 2020, essas despesas obrigatórias devem representar cerca de 94% de todos os gastos – restando pouco espaço para os gastos discricionários (que podem ser alterados pelo governo).

Estudo mostra que gasto do governo em saúde é de R$ 3,89 por habitante

Estudo mostra que gasto do governo em saúde é de R$ 3,89 por habitante

Gastos em saúde no Brasil

Estudo divulgado no ano passado pelo Tesouro Nacional mostra que os gastos públicos com Saúde no Brasil equivaleram a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e, com isso, ficaram "ligeiramente" acima da média da América Latina e Caribe (3,6% do PIB), mas também se posicionaram bem abaixo da média dos países desenvolvidos - que foi de 6,5% do PIB em 2015.

"Assim, constata-se que a despesa pública em saúde no Brasil está em patamar mediano em comparação com a média internacional, mas relativamente inferior ao volume de recursos empregados nos sistemas de saúde universais dos países europeus, como Reino Unido e Suécia, que apresentam boa qualidade", diz o documento.

Levantamento divulgado no ano passado pelo Conselho Federal de Medicina concluiu que os gastos públicos por habitante na saúde cresceram bem menos do que a inflação nos últimos dez anos.

“Comparativamente com outros países mais ricos e não tão ricos, o governo coloca, percentualmente, menor quantidade de dinheiro na saúde e esse estudo demonstra com clareza isso. Na própria Argentina, que passa por problemas até piores do que nós, o gasto público em saúde, percentualmente, é o dobro do Brasil”, afirmou, em dezembro, Donizete Giamberardino, coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS, naquele momento.

Ipea reforça teto de gastos como premissa para crescimento

Ipea reforça teto de gastos como premissa para crescimento

Teto de gastos

A regra do teto de gastos, que começou a valer em 2017, limita o crescimento dos gastos públicos, em um ano, à taxa de inflação registrada no ano anterior.

A proposta foi uma das principais apostas do governo Michel Temer para reequilibrar as contas públicas e viabilizar a recuperação da economia brasileira.

Quando foi enviada, Temer e sua equipe econômica, chefiada por Henrique Meirelles, asseguraram que não haveria perdas para saúde e educação.

Parlamentares da oposição, porém, chamaram a proposta de “PEC da maldade” porque, na visão deles, a medida iria congelar investimentos nas áreas de saúde e educação.

O objetivo do teto de gastos é retomar, com o passar dos anos, os chamados "superávits primários" nas contas públicas (receitas menos despesas, sem contar juros) e possibilitar a contenção do crescimento da dívida pública – que se aproxima de 80% do PIB (patamar é considerado elevado para economias emergentes).

Se o crescimento da dívida não for freado, analistas avaliam que isso pode gerar uma contenção de investimentos privados e uma consequente alta da taxa de juros, com reflexos no crescimento da economia brasileira e na geração de empregos.

Economistas opinam

Saiba o que alguns economistas dizem sobre os efeitos do teto de gastos para os serviços públicos nos próximos anos. Além da área de saúde, há previsão de que outros ministérios, e serviços ofertados, sejam afetados.

Parte dos analistas defende a mudança da regra do teto, permitindo que o governo gaste mais do que o previsto anteriormente. Outros propõem que se "quebre o piso", ou seja, que se alterem as regras de gastos obrigatórios – que prevê a correção de benefícios previdenciários e a reforma administrativa, com impacto nos próximos anos – como forma de manter de pé o limite para gastos.

Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda do Ministério da Economia - O número 2 do Ministério da Economia declarou ao G1 que é alto o nível de gastos obrigatórios. Ele defendeu manter o teto, afastou a possibilidade de propor a retirada de despesas previdenciárias ou investimentos do limite, ou de que o valor seja corrigido também pelo PIB (além da inflação). Questionado sobre propostas no Congresso, ele disse que o governo analisa apoiar a interrupção do pagamento do abono salarial caso os limites sejam descumpridos e a redução temporária da jornada de trabalho de servidores, com redução salarial equivalente. Também avalia propor o corte de todas remunerações acima do teto do Supremo Tribunal Federal (STF).

Débora Freire, professora adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais - Em estudo com outros economistas, ela avalia que o cenário austero que teto de gastos estabelece, para um período de 20 anos, implicará o agravamento da desigualdade social no Brasil. "A gente observa que as famílias mais pobres são as que consomem muito mais bens e serviços públicos e que serão as mais prejudicadas em termos do nível de vida com o teto de gastos", avaliou. Para a professora, é necessário que os gastos sociais em saúde e educação tenham regras distintas. Afirmou ainda que o teto é muito rígido e não segue parâmetros internacionais. Débora Freire também defendeu uma reforma tributária mais progressiva, ou seja, que tribute mais os ricos.

Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional - O economista avaliou, no fim de setembro, que qualquer mudança na regra do teto de gastos terá como consequência atrasar o ajuste nas contas públicas brasileiras, e observou que a dívida pública, próxima de 80% do PIB, é muito alta para o padrão dos países emergentes. Ele disse que o gasto com saúde tem garantido o mínimo constitucional (pela regra do teto, com base na variação da inflação), e acrescentou que, apesar de ser uma despesa obrigatória, parte dela não é executada, ficando os recursos "empoçados" por conta da evolução lenta de projetos.

José Luis Oreiro, professor adjunto do departamento de Economia da Universidade de Brasilia (UnB) - O economista avaliou que o teto de gastos é insustentável. Segundo ele, o teto "congela" em termos reais os gastos públicos em um contexto em que população ainda cresce 0,8% ao ano, aumentando também a demanda por serviços públicos. Além disso, as despesas previdenciárias e com pessoal também têm registrado alta anual acima da inflação, diminuindo espaço para os gastos com serviços públicos. "É lógico que vai estourar o teto. O teto foi um artifício feito em 2016 para se aprovar a reforma da Previdência. Que foi [parcialmente] aprovada no Senado. Qual a funcionalidade agora? Nenhuma. Então tira o teto, senão não sai dessa agenda que é uma corrida para o fundo".

Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) - O economista defendeu a continuidade do atual formato do teto de gastos. Segundo ele, o teto pode ser descumprido em 2021, mas a discussão deveria ser sobre o reforço de gatilhos – a serem acionados depois disso acontecer – como, por exemplo, redução de jornada de servidores, fim das progressões automáticas de carreiras e combate a remunerações recebidas acima do teto do STF. Ele avaliou que a demanda por recursos para saúde e educação é "infinita", mas afirmou que, antes ou em paralelo à recomposição desses valores, é preciso fazer avaliações e revisões periódicas sobre essas despesas.

Francisco Funcia, economista e e consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde - O analista disse que as necessidades da população não variam de acordo com a inflação. "Se o recurso está congelado [sem alta real, acima da inflação], cai o que se aloca por habitante em saúde", afirmou. Ele disse que o Reino Unido, exemplo de sistema universal de saúde, gasta 7,9% do Produto Interno Bruto (PIB) com saúde. No Brasil, os gastos de governo federal, estados e municípios são de 4% do PIB, disse ele. "Estamos subfinanciados", declarou. Funcia afirmou ser a favor do teto de gastos, mas com base no PIB. "Não pode passar, por exemplo, de 19% do PIB. Se o país cresce, a receita e a despesa crescem também", afirmou.

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