Por Alexandro Martello, G1 — Brasília


O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, encaminhado ao Congresso Nacional na semana passada, prevê – sem a reforma da Previdência – um aumento anual acima de R$ 50 bilhões a partir de 2020 das despesas previdenciárias com servidores públicos (sem contar militares) e trabalhadores do setor privado.

Essas despesas, as maiores do orçamento, são obrigatórias e, considerando as limitações do teto de gastos públicos, pressionarão para baixo nos próximos anos os gastos classificados como "discricionários", ou seja, aqueles que o governo tem liberdade para manejar. Com isso, serviços públicos podem ser afetados.

Para tentar resolver esse problema, a equipe econômica do governo Jair Bolsonaro propõe, principalmente, a reforma da Previdência. A oposição, por sua vez, admite que o atual sistema previdenciário precisa de atualizações, mas defende outras medidas (leia mais no fim desta reportagem).

GASTOS DO RGPS (SETOR PRIVADO) E RPPS (SERVIDORES)
PROJEÇÕES DA ÁREA ECONÔMICA, EM R$ BILHÕES
Fonte: PROJETO DA LDO DE 2020 (MINISTÉRIO DA ECONOMIA)

Sem a adoção de medidas, de acordo com a própria área econômica do governo, a compressão dos gastos discricionários pode afetar serviços públicos e investimentos do governo federal.

Segundo avaliação feita na semana passada pelo secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, essas despesas poderão sofrer "forte compressão" nos próximos anos.

"Não é risco de 'shutdown' [desligamento da máquina pública], mas estamos apontando a seriedade do quadro. Nessas medidas, a gente tem observado que os investimentos têm sido item preferencial onde se tem redução. Por isso mesmo, precisamos reduzir as despesas obrigatórias", declarou Rodrigues Júnior.

Impacto nos serviços públicos

Em 2017, quando as despesas discricionárias somaram R$ 117 bilhões, a impressão de passaportes e fiscalizações contra o trabalho escravo chegaram a ser suspensas ou reduzidas. Também houve redução nos recursos para as universidades federais.

De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, o espaço necessário para os gastos públicos precisa ficar acima de R$ 75 bilhões. Com isso, diz a IFI, não haverá problemas no funcionamento de ministérios nem na operacionalização de políticas públicas.

De acordo com estudo do economista e pesquisador Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, porém, quando se olha para "todos os indicadores disponíveis", a impressão é que se a despesa discricionária ficar abaixo de R$ 120 bilhões é "muito provável que o governo federal já esteja muito próximo de aplicar um shutdown na prática".

Recentemente, o IBGE anunciou o objetivo de “realizar um censo menos custoso” em 2020. Para isso, revisa o orçamento da pesquisa a fim de reduzir em cerca de 25% os gastos inicialmente previstos.

No ano passado, o Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) enviou ao governo federal um ofício pedindo que recursos orçamentários não fossem cortados, evitando que programas fossem interrompidos, o que poderia deixar quase 200 mil pesquisadores sem bolsas.

Depois de somarem R$ 117 bilhões em 2017, os gastos discricionários avançaram para R$ 128 bilhões no ano passado, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Para este ano, a previsão da equipe econômica, com o corte de R$ 29,7 bilhões no orçamento, é de gastos discricionários de R$ 86,1 bilhões, ou 6,09% das despesas totais (veja no gráfico abaixo).

GASTOS DISCRICIONÁRIOS DO GOVERNO
Verba para custeio e investimentos, por ano
Fonte: Ministério da Economia

Esse é o cenário que vigora no momento, mas o governo informou que pretende reverter esse bloqueio de gastos no decorrer de 2019 – o que elevaria os gastos discricionários para R$ R$ 116 bilhões, ou 8,22% do total.

No próximos anos, a previsão da área econômica é de queda (R$ 99,8 bilhões em 2020; R$ 90 bilhões em 2021; e R$ 71,9 bilhões em 2022), o que reduziria a margem para o governo definir suas despesas.

Isso ocorre porque a despesa total do governo, ou seja, tanto os gastos que o governo tem controle quanto os obrigatórios, está limitada pelo teto de gastos públicos, aprovado pelo Congresso Nacional em 2016.

Como os gastos obrigatórios (com Previdência e pessoal, entre outros) estão subindo acima da inflação, está sobrando cada vez menos espaço para as despesas sobre as quais o governo tem controle, classificadas de "despesas discricionárias com controle de fluxo".

Debate

Para abrir espaço para os gastos discricionários, e também para aqueles que já têm dotações mínimas definidas em lei, como Saúde, por exemplo, o governo defende a aprovação da reforma da Previdência, cuja proposta está tramitando no Legislativo.

O projeto do governo prevê a instituição de uma idade mínima de aposentadoria e alíquotas maiores para trabalhadores que ganham mais, principalmente servidores públicos, entre outros pontos.

Segundo números apresentados nesta semana pelo governo, a reforma da Previdência, se aprovada sem alterações, geraria uma economia total de R$ 1,2 trilhão em dez anos, abrindo espaço para outras despesas. Somente até o fim do governo Bolsonaro, a economia seria de R$ 128 bilhões (R$ 44 bilhões em 2021 e R$ 68,2 bilhões em 2022).

Em debate na Câmara dos Deputados, o secretário-especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, disse que o modelo previdenciário de repartição, vigente no Brasil atualmente, pelo qual os trabalhadores na ativa financiam os benefícios dos aposentados, é "injusto porque poucos ganham muito e muitos ganham pouco".

"A reestruturação do sistema previdenciário é a favor dos mais pobres do nosso país, porque são eles que estão tendo seus direitos suprimidos. Basta andar nos estados e municípios para saber que o sistema de saúde está sucateado, que curva de proficiência na educação está estagnada há mais de 14 anos e que não há recursos para para a infraestrutura. Esses recursos estão capturados [pela Previdência], imobilizados, e estamos em um círculo vicioso", declarou ele, na semana retrasada.

Também presente ao debate na Câmara dos Deputados, em meados deste mês, o ex-ministro do Trabalho e Previdência na gestão de Dilma Rousseff, Miguel Rossetto, afirmou que o atual modelo previdenciário, de repartição (onde os trabalhadores na ativa financiam os benefícios dos aposentados) é "justo, sustentável e necessário para que o país atenda ao que determina a Constituição de 1988".

Ele defendeu, na ocasião, "atualizações necessárias" no regime de repartição e manutenção de um sistema de previdência complementar para quem ganha acima do teto do INSS (R$ 5,8 mil). "Somos favoráveis a um regime complementar, desde que seja complementar, e não para trocar por outro regime [de capitalização, proposto pelo governo]", declarou.

De acordo com Rossetto, o que ameaça o modelo previdenciário não são os "direitos dos trabalhadores, e sim a recessão econômica, o desemprego, a sonegação e uma estrutura tributária injusta. As isenções tributárias devem ser rigorosamente debatidas e atacadas".

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