(Atualizada às 13h14) O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira que a sociedade brasileira deve assumir sua própria responsabilidade e organizar-se para resolver seus próprios problemas, sem depositar a solução de conflitos nos representantes do povo escolhidos por meio da eleição.
"Somos um país com uma sociedade combativa, engajada politicamente e ciente de seus direitos. E temos que assumir as nossas responsabilidades. Parar de esperarmos tudo de um representante eleito, de um líder, de uma autoridade constituída. Precisamos nos organizar para a resolução dos nosso problemas", afirmou, durante um seminário sobre os 30 anos da Carta Magna, em Brasília.
Segundo o ministro, o jogo democrático "traz incertezas", mas é a coragem de se submeter a elas que faz a grandeza de um país. "Uma grande nação é feita de instituições. As pessoas passam. As instituições permanecem. O mais importante é que nossa Constituição tem garantido a democracia e a solidez das instituições."
Toffoli citou os principais acontecimentos políticos dos últimos cinco anos no Brasil - como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), as duas denúncias oferecidas contra o presidente Michel Temer (MDB) e a recente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - e frisou que todos esses procedimentos seguiram a legislação.
"Todos os impasses foram resolvidos pelas vias institucionais democráticas, com total respeito à Constituição e às leis. E o Judiciário, em especial o STF, foi o grande árbitro", disse.
Para o presidente do Supremo, o Judiciário está "fortalecido, independente e atuante" em um cenário em que a Constituição não mais é voltada para conflitos individuais, mas a temas de grande complexidade ética, cultura, econômica e política.
"O grande desafio que a Constituição Federal tem hoje é o de se renovar em aspectos que permitam o crescimento econômico e a responsabilidade fiscal", disse, frisando a necessidade de uma reforma da Previdência que leve em conta o aumento da expectativa de vida e a necessidade de simplificar o sistema tributário brasileiro.
Ele também destacou ser essencial a celebração de um pacto federativo para evitar que Estados e municípios cheguem a um "quadro insustentável de inadimplência", e a ampliação dos esforços para combater o crime organizado, a superlotação das prisões e o aumento da violência.
"Aos mais afoitos, lembro que a Constituição de 1988 é viva. Os tribunais devem ser capazes de adaptá-la à luz dos nossos tempos, não a reescrevendo, mas a interpretando e a aplicando com prudência", alertou.
Cláusula de barreira
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, afirmou que, ao declarar em 2006 a inconstitucionalidade da cláusula de barreira, a Corte "deu sua pior contribuição como poder moderador". Segundo a regra, somente teriam direito ao pleno funcionamento parlamentar os partidos que obtivessem 5% dos votos para a Câmara dos Deputados.
"O Supremo quis atuar como agente político. Hoje, a norma teria garantido no Brasil entre seis e sete partidos, apenas. O Congresso percebeu, lá atrás, que como estava não dava para ficar. Nenhuma instituição gosta de cortar na própria carne - e o Congresso o fez. O plenário da Corte negou a liminar e, a partir disso, a proliferação de partidos foi gigantesca", afirmou.
Em palestra sobre os 30 anos da Constituição em Brasília, o ministro ressaltou que o fato de a maioria da população escolher um representante para governar não significa um salvo-conduto para que o presidente desrespeite a Constituição.
"A maioria foi eleita pelas regras do jogo, para seguir as regras do jogo. Se não seguir, se desrespeitar, perseguir ou discriminar - o que a Constituição não permite -, aí o Supremo deve exercer seu poder moderador para equilibrar maioria e minoria", disse.
Para ele, os processos de impeachment dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff seguiram os ritos legais e, consequentemente, fortaleceram as instituições. Exemplificou citando as eleições deste ano, em que, segundo ele, "ninguém duvidou que teríamos primeiro turno no dia 7 de outubro e segundo turno no dia 28".
"Simpatia ou antipatia não têm nada a ver com a defesa da Constituição. O abuso, o excesso e o desvio de finalidade faz com que o Supremo e o poder Judiciário exerçam seu papel de equilíbrio", afirmou.
Moraes disse, ainda, que o país não precisa de uma nova assembleia nacional constituinte - a medida chegou a ser ventilada pelos dois candidatos à presidência do segundo turno: Jair Bolsonaro (PSL), eleito, e Fernando Haddad (PT). Ambos voltaram atrás. "Os problemas nacionais são a crise econômica, o desemprego, a segurança e a necessidade de uma reforma política - tudo plenamente possível de ser realizado sem mexer na Constituição."
Durante o discurso, ele afirmou que uma ditadura se configura quando a maioria desrespeita os direitos de minorias. "Quando a maioria abusar desse poder, compete à Suprema Corte fazer valer a Constituição."
Torcida
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que torce para que o governo de Bolsonaro rompa o "ciclo vicioso" de corrupção e crise fiscal no país. "Independentemente de qualquer governo, sempre torço a favor do país, porque esse é o partido que nos une", afirmou.
O ministro reforçou considerar necessária uma mudança no sistema político, previdenciário e jurídico, para que o presidente "não fique refém" do modelo atual.
"A fotografia do país é um pouco sombria e nada disso tem a ver com eleições e políticos, mas com as instituições. Governos passam. Entram, ficam, se reelegem ou não, e o papel do STF é zelar pelas instituições, para que sejam preservadas e aprimoradas", afirmou.
Barroso disse ter a teoria de que a nação vive um momento de tempestade política, econômica e ética para que, no futuro, possa "se elevar como sociedade e como país".
Em relação ao sistema político, afirmou que age sobre as pessoas na contramão do processo civilizatório, "reprimindo o bem e potencializando o mal" que há em cada um.
"A agenda inacabada do Brasil é a mudança do sistema político, sobretudo na eleição para a Câmara dos Deputados, em que adotamos o voto proporcional em lista aberta. O sistema é caro, tem pouca representatividade e dificulta a governabilidade", criticou, defendendo o modelo distrital misto de votação.
Barroso defendeu a realização urgente da reforma da Previdência, diante do aumento da expectativa de vida do brasileiro e da crítica situação econômica do Brasil. "A questão não é ideológica, mas puramente aritmética, para que não entreguemos um país arruinado aos nossos filhos", disse.
Quanto ao acesso à Justiça, criticou a "procrastinação" das ações judiciais, que chegam a levar 12 anos para serem concluídas. "Nossa Justiça precisa de um choque de eficiência e de pragmatismo, sem desconsiderar o devido processo legal e o direito de defesa, para evitar processos infinitos", afirmou.