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José Paulo Kupfer José Paulo Kupfer
José Paulo Kupfer, colunista do GLOBO Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Austeridade à brasileira

Pode parecer, mas a redução do déficit primário em 2017 não reflete uma política fiscal contracionista, nem um ajuste estrutural das contas públicas

A economia brasileira encerrou 2017 com resultados fiscais bem melhores do que os previstos. O déficit primário do setor público limitou-se a R$ 110,6 bilhões — mais de R$ 50 bilhões abaixo da meta e R$ 45 bilhões menor do que o déficit de 2016. Apesar dessa aparente contração fiscal, a economia pode ter crescido pelo menos 1% no ano, e as perspectivas para 2018 são ainda melhores. As estimativas para a expansão do PIB se situam na faixa de 3% e, com a folga fiscal obtida no ano passado, é possível prever que tanto a meta fiscal quanto o teto de gastos determinados para este ano serão cumpridos sem grandes dificuldades. Prevê-se espaço fiscal adicional de R$ 90 bilhões em gastos, sem ameaçar metas e tetos.

Esse quadro parece dar razão aos defensores — aí incluídos a equipe econômica do ministro Henrique Meirelles e os economistas, geralmente ortodoxos, que formam seu bloco de apoio — da tese da “contração expansionista”. A teoria polêmica e com resultados, para muitos, bastante discutíveis, tem sido aplicada, com variações, em países europeus afetados pela crise de 2008.

A “contração expansionista” coloca a austeridade fiscal — representada por políticas que buscam reequilibrar as contas públicas, a partir de cortes em gastos do governo — no centro de um movimento que levaria à retomada da confiança na recuperação da economia e, com isso, à deflagração de nova onda de investimentos produtivos. No fim do processo, apesar da retração temporária nos gastos públicos, componente importante da demanda agregada, a economia voltaria a crescer de forma consistente.

Ocorre que, no caso brasileiro, se a política fiscal em 2017 promoveu uma contração de gastos de R$ 45 bilhões em relação ao ano anterior, a economia, ao mesmo tempo, foi irrigada com outros tantos bilhões de reais em estímulos com características parafiscais. Os exemplos mais notórios foram os R$ 43 bilhões liberados das contas inativas do FGTS e mais R$ 2 bilhões no exercício (de um total estimado em R$ 16 bilhões) com a antecipação para saque do PIS por idosos. No final, a austeridade à brasileira revelou-se, pelo menos no ano passado, neutra ou até mesmo um pouco expansionista em termos fiscais.

O dinheiro do FGTS e do PIS injetado na economia expandiu a renda disponível das pessoas, acionou o consumo e fez rodar a atividade econômica — fez o que costumam fazer os gastos públicos. Como lembrou o economista Nelson Barbosa, ministro da Fazenda no governo Dilma, em artigo recente na “Folha de S.Paulo”, aconteceria o mesmo se o governo tivesse, por exemplo, promovido uma desoneração tributária ou feito transferências via abono salarial. A diferença é que esse aumento de “gastos” não afeta diretamente a dívida pública, como ocorreria se a injeção de recursos tivesse como fonte rubricas das contas públicas.

A austeridade à brasileira, além disso, manteve o padrão tão criticado de recorrer a receitas não recorrentes, pouco sensíveis ao ciclo econômico, para cumprir a meta fiscal. Receitas não recorrentes — ou seja, aquelas extraordinárias, que não se repetem —, de acordo com a avaliação da Instituição Fiscal Independente (IFI), somaram R$ 90 bilhões em 2017 e contribuíram com 60% da redução do déficit em relação ao PIB, no ano.

Entraram no balaio concessões, Refis, repatriações, precatórios não sacados e aumento da tributação de PIS/Cofins sobre combustíveis.

Recorrer a receitas extraordinárias tem sido, historicamente, a saída encontrada para sanar desequilíbrios fiscais sem enfrentar o conflito distributivo imposto pelo corte de despesas, politicamente complexo, para dizer o mínimo. Outra manobra fiscal com o mesmo objetivo espreme gastos não obrigatórios, caso em que despontam os investimentos públicos, mantendo incólumes ou quase despesas de custeio.

Com base nos resultados de 2017, pode-se dizer que a política fiscal do governo Temer não tem fugido à regra. Enquanto os investimentos públicos recuaram 22% em termos reais no ano passado 2017, a partir de uma base já deprimida dos períodos anteriores, os gastos com pessoal, por exemplo, avançaram 6,5%. Sem falar no recorde de R$ 10,7 bilhões em emendas de parlamentares, numa progressão de 50% sobre o montante liberado em 2016.

José Paulo Kupfer é jornalista

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