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Por Cristiane Barbieri, Para o Valor, de São Paulo — Valor


31cul-400-capa-d4-img01.jpg — Foto: Legenda
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(Atualizada às 11h10 de 31/8/2018 para acrescentar comentário de Marcelo Miterhof) Junte 50 dos mais respeitados economistas brasileiros e qual será o resultado? Surpreendentemente, nestas eleições, são vários pontos de consenso. O Valor procurou nomes de destaque no campo econômico que pensam o país para identificar, do ponto de vista técnico, quais as principais medidas deveriam ser adotadas pelo novo ou pela nova presidente em seus primeiros cem dias de governo, quando o capital e a força política são maiores.

Para mais de 83% deles, a primeira medida que deveria ser levada adiante pelo novo governo é a reforma da Previdência. A segunda prioridade seria a reforma tributária (69%), seguida da reforma do Estado, que inclui a reestruturação do funcionalismo e um programa de privatizações (57%). Também mereceram destaque o incentivo a investimentos em infraestrutura (21,5%), a revisão de reformas adotadas no governo Temer (19%), o incentivo ao comércio exterior e a tributação de grandes fortunas e dividendos (12% dos votos, cada).

Apesar de o cenário eleitoral continuar nublado, para a maioria deles é evidente que o debate está melhor do que o de 2014. "Apesar de o voto me dar grande prazer, fiz 70 anos e me aproveito da lei porque não sou mais obrigado a ir às urnas", diz, em tom de brincadeira, Aloísio Araújo, professor da FGV-EPGE e do Impa (Instituto de Matemática Pura Aplicada). "Mas estou tranquilo porque nunca vi economistas tão qualificados assessorando tantos candidatos." Ele cita Pérsio Arida (Geraldo Alckmin - PSDB), Mauro Benevides (Ciro Gomes - PDT), André Lara Resende e Eduardo Giannetti (Marina Silva - Rede), José Márcio Camargo (Henrique Meirelles - MDB), Gustavo Franco (João Amoêdo - Novo) e Paulo Guedes (Jair Bolsonaro - PSL).

Seu alento é maior, diz Araújo, porque a pauta em discussão também passou a envolver problemas inevitáveis a serem enfrentados. "O Brasil só faz reformas à beira do abismo e com a corda no pescoço", afirma. "Nosso desemprego está alto, a relação dívida/PIB caminha para o insustentável, o cenário externo está difícil, não temos mais 'investment grade': chegou a hora de resolver os problemas."

“Defender a responsabilidade fiscal é uma obrigação e algo que sequer precisa ser dito”, diz Leda Paulani, da FEA-USP — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
“Defender a responsabilidade fiscal é uma obrigação e algo que sequer precisa ser dito”, diz Leda Paulani, da FEA-USP — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

O primeiro deles, seja nos discursos à esquerda e à direita, é o do ajuste fiscal: fazer com que as contas do governo fechem, considerando-se receitas e despesas. "É preciso procurar o equilíbrio fiscal, com uma série de reformas que deem a flexibilidade necessária para enfrentar o problema do emprego, combinada com reformas estruturais de gastos e arrecadação", afirma Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento no governo Dilma Rousseff (PT). Ele não é o único economista eleitor de Lula a pensar assim. "Defender a responsabilidade fiscal é uma obrigação e algo que sequer precisa ser dito", diz Leda Paulani, professora da FEA-USP. "É preciso cuidar de cada real de origem pública que cai no seu colo de maneira mais cuidadosa do que se gere seu próprio dinheiro."

Nas eleições de 2014, o discurso eleitoral na área econômica que ajudou a dar a vitória à Dilma refutava a necessidade de ajuste nas contas públicas, seja por meio de corte nos investimentos do governo, readequação dos gastos públicos ou tarifaço de energia e combustíveis, usados então no controle da inflação. Ao se deparar com um déficit primário recorde de R$ 111 bilhões, no ano seguinte ao da eleição, o governo Dilma foi na contramão do que prometera em campanha. "Na eleição de 2014, todos os candidatos fugiram do problema [fiscal], e a campanha de Dilma foi muito agressiva com quem falava de ajustes", diz Pedro Cavalcanti Ferreira, professor da FGV-EPGE. "Nessa, não só todos estão discutindo o problema ativamente como têm propostas para resolver a questão."

Para o PT, o que os adversários chamaram de estelionato eleitoral foi causado pelo agravamento da crise internacional e pelas medidas adotadas pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, contrárias ao desejado pelo partido, que pedia aumento ainda maior nos gastos do governo para estímulo à economia. "Foi uma grande bobagem trazer o Levy porque a economia já estava desacelerando: ele pegou uma conjuntura em que as variáveis da demanda agregada estavam mutiladas e fez mais política de austeridade", afirma Leda. "Qualquer aluno meu de primeiro ano da FEA que não enxerga o erro nessa política é reprovado."

Os números que levaram a maior parte dos economistas a falar sobre a necessidade da busca pelo equilíbrio fiscal pioraram desde as últimas eleições. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado criada no fim de 2016 para ampliar a transparência nas contas públicas de forma técnica e apartidária, houve interrupção da alta do déficit primário e redução nos pagamentos de juros, mas há um longo caminho para a consolidação fiscal.

A dívida bruta do governo tem crescido a uma taxa média de meio ponto percentual do PIB ao mês, chegando a 77,2% do PIB em julho. Desde que essa trajetória se iniciou, em 2013, já são 24 pontos percentuais de elevação. Num dos cenários traçados pelo IFI, a dívida bruta deve crescer a 84% do PIB, no pico estimado em 2023 e 2024.

"O grande desafio é que o gasto público obrigatório por lei é muito maior do que as receitas e é insustentável a médio prazo", diz Marcos Lisboa, presidente do Insper. "Não fossem receitas extraordinárias, a dívida estaria fora de controle e não tem crescimento que dê conta da diferença."

“Congelamento,  atraso e parcelamento de salários do funcionalismo  foram um remédio amargo para os servidores”, afirma Pessôa, do Ibre — Foto: Silvia Zamboni/Valor
“Congelamento, atraso e parcelamento de salários do funcionalismo foram um remédio amargo para os servidores”, afirma Pessôa, do Ibre — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Há ainda muitos outros tons de vermelho nos números da arrecadação, da distribuição e da qualidade dos gastos públicos. Mas o que talvez tenha tornado a discussão inevitável na campanha foi a vida real. Desde as últimas eleições, parte dos brasileiros sofreu na pele a profunda deterioração dos serviços públicos, causada pela quebra dos Estados. "Em lugares como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, houve uma piora abissal em saúde, educação e segurança públicas", diz Samuel Pessôa, pesquisador do FGV-Ibre. "O congelamento, o atraso e o parcelamento de salários do funcionalismo também foram um remédio ruim e amargo para os próprios servidores, que dedicam suas vidas à área e têm expectativa de carreira."

A ameaça, dizem especialistas, é que sem o equilíbrio nas contas públicas a situação se replique tanto em outros Estados quanto em escala nacional. "Em 2014, essa era uma pauta que não existia", diz Ana Carla Abrão Costa, sócia da consultoria Oliver Wyman. "Ninguém viu então os Estados quebrando?" Ex-secretária da Fazenda de Goiás no governo Marconi Perillo (PSDB) e especialista em políticas públicas, Ana Carla vem sendo procurada não só por equipes de candidatos à Presidência, mas principalmente por pleiteantes a governos estaduais. "Governadores que têm chance de assumir sabem que vão herdar verdadeiras bombas", diz ela. "Não há nenhum Estado em situação confortável, vários estão com perspectivas gravíssimas, e os candidatos, de maneira geral, têm consciência e querem entender e saber como resolver o problema."

Segundo Ana Carla, tem havido uma percepção de que a pauta da reforma do Estado é mais convergente e menos de enfrentamento do que parece a princípio. "O objetivo não é cortar gastos, mas melhorar a qualidade do serviço público", afirma. "Quando os assessores entendem que o processo é esse e o corte de gastos é consequência, esse discurso é incorporado."

Não há receita fácil nem solução mágica, porém, para nenhum dos prismas do problema fiscal. Do lado das despesas, a reforma da Previdência é o apontada como mais evidente, por conta do fim do bônus demográfico e das regras peculiares adotadas pelo país, que sequer tem idade mínima de aposentadoria. Mas o modelo a ser adotado está longe de ser unanimidade. "Tenho muito medo de a qualidade do gasto público deteriorar", diz Araújo. "Se não houver a reforma da Previdência, com o teto do gasto, será preciso continuar cortando atividades fundamentais."

“É preciso procurar o equilíbrio fiscal, com (...) reformas que deem a flexibilidade (...)  para enfrentar  o problema do emprego”, diz  Barbosa — Foto: Leo Pinheiro/Valor
“É preciso procurar o equilíbrio fiscal, com (...) reformas que deem a flexibilidade (...) para enfrentar o problema do emprego”, diz Barbosa — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Segundo grande parte dos economistas ouvidos, será inevitável mexer no teto em algum momento do próximo governo. Apesar de o princípio (não gastar mais do que se tem e colocar limites no Congresso e no Judiciário) ser aprovado, a fórmula adotada no governo Temer não é sustentável no longo prazo, dizem. "O teto é importantíssimo: foi como um tapa na mesa para organizar as expectativas e as mudanças no rumo da política fiscal", diz Felipe Salto, diretor-executivo do IFI. "Mas já em 2021 o risco do descumprimento do teto estará elevado."

Estudo da entidade mostra que, num eventual descumprimento, o acionamento dos gatilhos previstos na Constituição não serão suficientes para trazer o nível da despesa ao patamar requerido pela regra. "Será necessária uma PEC [Proposta de Emenda Constitucional] que mude a fórmula para uma mais adequada à nossa realidade", afirma Barbosa.

Se a mudança fosse feita no início do governo, ressaltam outros especialistas, o capital político exigido na aprovação da mudança seria menor. "Tem de ser um pacote único, de um teto que mantenha os princípios de rédea sobre as despesas públicas, mas sem bater de frente com o Congresso e com medidas benéficas para o povo, somado à reforma da Previdência", diz Monica de Bolle, professora na Johns Hopkins University e "senior fellow" do Peterson Institute for International Economics. "São medidas que têm de ser discutidas juntas, desde o primeiro dia."

Ao mesmo tempo em que falam de cortes, os economistas discutem também medidas de crescimento, como contrapartida aos sacrifícios que serão exigidos da população. "Da mesma forma que Lula em 2003, o próximo presidente vai encontrar um ciclo econômico favorável", afirma Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações no governo FHC. "É claro que não haverá outro superciclo de commodities, mas se no segundo dia de governo não houver uma mensagem de crescimento, não haverá reformas."

Mendonça de Barros diz ter aprendido com o ministro Sérgio Motta (1940-1998) que há muitas soluções mágicas e corretas quando não se inclui o povo. "Sempre que discutíamos um problema ele perguntava: 'com o povo ou sem o povo?'", diz o economista. "Não dá para pedir que esperem mais dois anos, em sofrimento, enquanto as reformas são feitas: qualquer plano de voo tem de tratar das duas questões."

“O objetivo não é cortar gastos, mas melhorar a qualidade do serviço público”, diz Ana Carla.  “(...) o corte de gastos é uma consequência” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
“O objetivo não é cortar gastos, mas melhorar a qualidade do serviço público”, diz Ana Carla. “(...) o corte de gastos é uma consequência” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor

Na área dos estímulos, há quase uma unanimidade em torno da reforma tributária proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCF), dirigido por Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica do governo Lula. Sua principal medida é criar um imposto único sobre bens e serviços, que substituiria ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins, de 25%, com um período de transição de dez anos.

"Acompanho esse tema há no mínimo 40 anos: o modelo do Appy é o melhor que já foi feito, nunca houve tamanho consenso em torno de uma proposta de reforma tributária, e o país está maduro para avançar nessa direção", afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney. "É um modelo semelhante ao da Índia, onde havia uma grande bagunça nessa área e se conseguiu praticamente um milagre."

Segundo Nóbrega, a retirada do cipoal de tributos tornará a economia mais leve e produtiva, sendo que a estimativa do FMI com a simplificação é a de um estímulo de crescimento do PIB em até dois pontos percentuais. "Será um grande impulso para acabar com nosso complexo de Peter Pan, já que as empresas ficam com medo dos impostos na hora de crescer", diz ele.

Ainda na linha de estímulo à atividade - e consequente aumento na arrecadação -, os economistas citam investimentos em infraestrutura e comércio exterior como as alternativas com retorno mais imediato. "Em vez de construir estradas e portos de primeiro mundo, o governo Dilma preferiu colocar o dinheiro público em indústria naval com conteúdo nacional", diz Lisboa, em tom de ironia.

Roberto Macedo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda e ex-presidente do Ipea no governo Collor, brinca dizendo que há uma "enrolation tremenda" quando o assunto são concessões e privatizações. "Perdemos uma década e a economia continua no buraco", diz. "É preciso haver uma agenda que inclua a infraestrutura de forma mais ampla para sair da crise, já que há dinheiro e muita demanda reprimida."

Para Monica, existe também uma grande oportunidade no comércio internacional, aberta pelo reposicionamento da política americana do presidente Donald Trump na área. "Há uma brecha para a reorganização de acordos com países que tinham nos EUA como seu principal parceiro comercial", diz Monica. "Se o Brasil tivesse interesse ou conseguisse fazer um acordo comercial com o Canadá, entraria num outro patamar para negociar com o mundo." Na segunda-feira, o presidente americano assinou um tratado comercial com o México, pressionando o Canadá a desistir do Nafta.

Segundo ela, as outras vias de melhora da economia precisam de reformas que passem pelo Congresso ou licitações demoradas que levam mais tempo para serem realizadas. "Comércio internacional é o jeito mais rápido para ter efeito na retomada da economia", afirma. "Mas o Brasil, em vez de ter essa estrutura maluca de MIDC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior], Camex [Câmara de Comércio Exterior], Itamaraty e outras, precisaria ter algo mais parecido com os EUA e o México, uma agência separada e ágil, que trabalhe diretamente com a Presidência da República."

“O Bolsonaro não vai deixar de ser o nacionalista intervencionista do dia para a noite”, afirma a economista Elena Landau — Foto: Luis Ushirobira/Valor
“O Bolsonaro não vai deixar de ser o nacionalista intervencionista do dia para a noite”, afirma a economista Elena Landau — Foto: Luis Ushirobira/Valor

Monica, que voltou aos Estados Unidos logo após as eleições de 2014 e acompanhou de perto as eleições de Donald Trump, diz que não dá para ficar otimista com o cenário eleitoral, sobretudo com relação a Bolsonaro, líder nas pesquisas de intenção de voto quando Lula não aparece como candidato. "Assisti a todas as primárias e aos debates dos Republicanos e uma pessoa totalmente despreparada conseguiu se sobressair e se eleger", ela afirma. "Fico pensando o que não pode acontecer no Brasil."

O mesmo temor se repete no discurso dos outros economistas, por causa do que consideram despreparo mostrado pelo candidato com todos os assuntos ligados ao governo. Além disso, quem está à esquerda, teme o discurso ultraliberal de Paulo Guedes. Os mais ao centro destacam a possibilidade de Bolsonaro ter incorporado a faceta pró-reformas só no discurso eleitoreiro. "O Bolsonaro não vai deixar de ser o nacionalista intervencionista do dia para a noite", afirma Elena Landau, ex-diretora do BNDES no governo FHC. "Mas acredito que não haja mais espaço para estelionato eleitoral."

Muitos dos economistas que não declararam qual será seu candidato dizem esperar a proximidade das eleições para decidir porque optarão pelo voto útil. "Penso em votar no candidato que, nas vésperas, tenha a maior chance de derrotar a insensatez econômica, de um lado, e o autoritarismo, de outro", diz Celso Toledo, consultor da LCA. "Seria ótimo se, ao mesmo tempo, fosse possível votar contra a corrupção, mas temo que, com essa restrição, o conjunto de opções possa ser vazio."

De acordo com Ferreira, Bolsonaro é o candidato mais despreparado com chances de vencer em muitos anos desde a redemocratização. "Tenho dois nortes: voto em quem tiver mais chances de derrotar o Bolsonaro e o PT", afirma. "Se os dois forem ao segundo turno, já tenho uma viagem marcada."

“Se no segundo dia de governo não houver uma mensagem de crescimento, não haverá reformas”, diz Mendonça de Barros — Foto: Silvia Costanti/Valor
“Se no segundo dia de governo não houver uma mensagem de crescimento, não haverá reformas”, diz Mendonça de Barros — Foto: Silvia Costanti/Valor

A rejeição ao PT - líder absoluto nas pesquisas, quando Lula é colocado na pesquisa - por uma parte dos economistas se dá por vários motivos. O principal, dizem eles, é a insistência, por parte da equipe econômica, na política que levou aos descontroles do governo Dilma. Para o partido, o equilíbrio fiscal se dará pela volta do crescimento e não pelo corte dos gastos. "É preciso recuperar a confiança empresarial e fazer os pedidos aumentarem", escreveu Marcelo Miterhof, economista do BNDES (sem falar pelo banco, é claro), que vota no PT, no formulário com as perguntas enviadas pelo Valor. Miterhof diz não defender a política fiscal do governo Dilma, que deu ênfase às desonerações e não ao investimento público, o que tem significativas diferenças em termos de multiplicação de gastos.

Apesar de ressaltar a necessidade de controle das contas públicas, Leda afirma que há um "overshooting" nas discussões da reforma da Previdência. "Há o problema evidente do envelhecimento da população, mas a reforma proposta pelo governo ilegítimo destruiu a importância do sistema previdenciário, além de ter mexido com interesses de toda a população", ela afirma. "Trabalhei no mercado financeiro e sei do grande interesse do sistema privado pelo filé mignon que é a Previdência." Marcio Pochmann, o principal economista à frente da campanha petista, já disse que a reforma da Previdência não é emergencial.

Segundo Leda, há ainda uma "mística infernal" na relação dívida/PIB. Uma vez que o Japão tem dívida de 230% e em muitos outros países a dívida supera em 100% do PIB, o Brasil não estaria à beira do precipício. "Isso é terrorismo econômico com endereço certo."

Além de aumentar receitas públicas via crescimento, na proposta do PT, o déficit fiscal seria combatido por meio da taxação de fortunas, heranças, dividendos e mesmo do spread bancário. Economistas não ligados ao partido defendem medidas nessa linha. "Não se deve abandonar a ideia de tributar as rendas mais altas ou a pejotização [profissionais liberais, trabalhando sem contrato de trabalho]", diz Nóbrega. "Mas tem aí umas ideias de quem não faz conta: 82% do spread não vêm de custos bancários e tributar o spread vai resultar em mais aumento dos juros."

“O melhor candidato é o que junta bom plano de governo com instrumentos, viabilidade e capacidade de execução”, diz Troster — Foto: Luis Ushirobira/Valor
“O melhor candidato é o que junta bom plano de governo com instrumentos, viabilidade e capacidade de execução”, diz Troster — Foto: Luis Ushirobira/Valor

Juan Jensen, professor do Insper e membro independente do conselho de administração do BNDES, também questiona a tributação de fortunas. "Quem tem muito dinheiro geralmente tem estrutura para se esquivar da melhor maneira possível dos impostos", diz ele. "Será tributada então a classe média, pessoas que têm guardados R$ 400 mil, R$ 1 milhão? Poderá ser uma forma de desestimular a poupança."

Muitos dos entrevistados falam que em todos os partidos há um discurso eleitoreiro, que atende a plateia e é diferente da prática. "Há consenso em certas propostas genéricas de plataformas eleitorais e dissenso nas formas de apresentação polarizada", diz Fernando Nogueira da Costa, professor da Unicamp e ex-vice-presidente da Caixa no governo Lula. "Já no segundo turno, há compatibilizações de alianças e, na hora de implantar programas de governo, filtros técnicos e aprovação do Congresso Nacional."

Em outras palavras, do mesmo modo que será praticamente impossível privatizar todas as estatais ou haver a capitalização completa da Previdência, dificilmente o déficit fiscal será eliminado em um ou dois anos ou o spread bancário será tributado. As promessas de campanha, criadas com o fígado para satisfazer a militância, seriam barradas nas instâncias técnicas e políticas. "O melhor candidato é o que junta um bom plano de governo com instrumentos, viabilidade e capacidade de execução", diz Roberto Troster, ex-economista-chefe da Febraban.

Surge aqui a discussão da qualidade do Congresso e das alianças para a governabilidade. Que, todos os economistas dizem, em nada mudará. "Por mais que o eleitor esteja cansado dos políticos tradicionais, haverá pouca renovação e mudança", diz Armando Castelar Pinheiro, coordenador do FGV-Ibre e professor da UFRJ. "As indicações são as de que o próximo governo continue praticando o mesmo presidencialismo de coalizão." Segundo Elena Landau, é um sistema eleitoral de barreiras na entrada, que perpetua os vício da política.

Ainda com relação ao discurso versus a realidade, de acordo com diversos entrevistados, Fernando Haddad é mais pragmático do que o programa apresentado por seu partido e conhece a paralisia causada pelo endividamento do Estado. "O Haddad tem um diagnóstico diferente dos demais economistas do PT", afirma Jensen. "Foi um dos principais críticos à política econômica do governo Dilma e tem boa formação econômica. Resta saber se um eventual governo será direcionado pelo que ele acredita ou o que o partido impõe."

“Por mais que o eleitor esteja cansado dos políticos tradicionais, haverá pouca renovação e mudança”, diz  Castelar Pinheiro — Foto: Silvia Costanti/Valor
“Por mais que o eleitor esteja cansado dos políticos tradicionais, haverá pouca renovação e mudança”, diz Castelar Pinheiro — Foto: Silvia Costanti/Valor

Para Nogueira da Costa, eleitor do PT e defensor de que nos primeiros cem dias de governo sejam adotadas medidas consensuais e não de dissenso, Haddad e Manuela D'Ávila, sua possível vice, são representantes de uma nova geração do partido, que tem transitado dos trabalhadores organizados para os intelectuais. "O Haddad tem base técnica e um espírito conciliatório que o permite falar tanto com neoliberais quanto com desenvolvimentistas", diz ele. "Não tanto quanto o Lula, é claro, mas ele também tem esse espírito."

Na verdade, todos os economistas veem seu candidato como o melhor portador do espírito de conciliação, tão essencial à governabilidade país. Do mesmo modo que nenhum deles encara seu escolhido como corrupto. "O Lula e o PT têm mais capacidade de construir consenso necessário para superar dificuldades e promover o crescimento e a inclusão", diz Barbosa. "A polarização é fruto do golpe de 2016 e é preciso de um partido e uma liderança acostumados a negociar e a construir uma base de sustentação no Congresso de forma diferente, transparente e sem troca de favores."

Os eleitores de Alckmin, que sem exceção se dizem arrependidos de terem votado em Aécio Neves nas últimas eleições e reclamam da resposta do PSDB para as denúncias de corrupção, têm argumentos parecidos. "Enquanto há candidatos gritando e xingando, o Alckmin é ponderado, aberto ao diálogo e o que precisamos nesse momento", afirma Pessôa.

Segundo Elena, o fato de ele ter sido governador por 20 anos o habilita como bom negociador, e a articulação com Centrão será inevitável para qualquer um que assuma a Presidência. "Vivemos um momento de radicalização e o Alckmin é bom de baixar a bola, acomodar as coisas e conversar com todo mundo", diz Mendonça de Barros. "Seu plano de governo também é correto, mas seu maior problema é não falar a linguagem simples, que chegue ao coração da maioria da população."

O caminho vislumbrado por todos é o de uma coalizão. De preferência, até mesmo antes das eleições. "Nasci no Brasil, me criei na Argentina e voltei ao Brasil na adolescência, em 1976, com a família fugindo de uma ditadura feroz: aprendi a valorizar o diálogo, mesmo num governo autoritário, entre os representantes do governo e da oposição", diz Fábio Giambiagi, economista-chefe do BNDES. "De um lado, havia políticos do calibre de Célio Borja, Jarbas Passarinho ou Nelson Marchezan, e do outro, craques como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães ou Paulo Brossard." Com o tempo, ele diz, assistiu ao que chama de "argentinização da política brasileira", com o cenário tomado pelo radicalismo beirando o ódio. "Hoje estou convencido de que o Brasil precisa substituir a ênfase no dissenso pela cultura do diálogo", afirma.

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