24/03/2017 - 19:00
Na sua primeira contribuição pública, a Instituição Fiscal Independente (IFI), criada pelo Senado para acompanhar a situação das contas estatais, alertou, em fevereiro, para um descasamento de cerca de R$ 40 bilhões entre as projeções de receitas e despesas na direção da meta fiscal deste ano, um déficit de R$ 139 bilhões. Na época, a projeção do grupo independente considerava um cenário de crescimento de 0,48%, enquanto o Executivo trabalhava com a expectativa de PIB de 1,6%. O ajuste do governo foi anunciado na quarta-feira 22 e revelou um dado ainda mais preocupante: uma diferença de R$ 58,2 bilhões.
Não há intenção de descumprir uma meta já bastante negativa. E, como o espaço para contingenciamento é pequeno, mais uma vez a sociedade deve ser convocada a contribuir para fechar as contas, com mais impostos. “A decisão do aumento de impostos não é trivial no Brasil, mas é grande essa possibilidade na medida em que um contingenciamento dessa ordem pode ser excessivo”, afirmou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Com a projeção oficial mais próxima aos números do mercado, em 0,5%, a perspectiva é que a arrecadação fique R$ 34 bilhões abaixo do esperado inicialmente.
O governo também adotou uma postura mais conservadora em relação aos recursos previstos com concessões e privatizações. A estimativa foi reduzida em R$ 13 bilhões. Na outra ponta, a expectativa de gastos aumentou, puxada por custos como subsídios agrícolas e créditos complementares para o envio de tropas na crise carcerária, por exemplo. A equipe econômica espera conseguir ao menos R$ 14 bilhões extras a partir da venda de usinas hidrelétricas e de precatórios, mas como as receitas dependem de decisões da Justiça, o número ainda não foi contabilizado.
Por lei, a administração deve fazer congelamentos no esforço para buscar atingir a meta. O valor exato será divulgado até o final deste mês. Segundo o governo, o espaço para cortes, considerando apenas as despesas que não são obrigatórias, é de cerca de R$ 120 bilhões. Um contingenciamento muito elevado pode comprometer a capacidade de recuperação da economia, afetar serviços e o investimento. O cenário mais provável é que o Executivo opte por uma combinação de congelamento e aumento de impostos. “Temos que definir com muito cuidado o valor para saber até quanto podemos contingenciar”, afirmou Meirelles, na quarta-feira 22. “O restante provavelmente virá por aumento de tributos.”
Em entrevista ao SBT, na quinta-feira 23, o ministro confirmou que a alta de impostos existentes é provável. Entre os analistas, a expectativa é de um contingenciamento próximo de R$ 30 bilhões, com um adicional de impostos. No radar estão aumentos de alíquotas como as da Cide, cobrada na gasolina, do IOF, sobre moeda estrangeira e de PIS/Cofins. Para o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otavio Leal, a Cide é a mais forte candidata à elevação. A lei da contribuição prevê uma alíquota de até R$ 0,86/litro, o que dá margem para a elevação do nível atual (R$ 0 ,1/litro) sem a necessidade de passar pelo Congresso. Se elevada até esse limite, poderia gerar R$ 12 bilhões aos cofres públicos.
O efeito colateral seria um aumento de 20% na gasolina e uma alta de 0,8 pontos percentuais na inflação neste ano. “Só dá para chegar na meta, sem parar a máquina estatal, aumentando imposto”, afirma Leal. “As opções de contingenciamento são limitadas e o leque de impostos, também.” No rol dos tributos candidatos, o IOF sobre câmbio (moeda em espécie) é considerada uma opção viável, com potencial de gerar cerca de R$ 5 bilhões a partir de uma elevação de alíquota de 1,1% para 2%. Outra opção seria rever desonerações concedidas nos últimos anos, mas a decisão depende do Legislativo e poderia demorar mais.
Somente o benefício sobre a folha de pagamentos gera perdas de R$ 16 bilhões ao governo. Por trás da decisão está a difícil tarefa de calibrar os impactos sobre a recuperação da atividade, sobre a inflação e o desgaste político. “Falar em aumento de impostos não faz sentido agora que a economia está avançando”, afirma José Valter Almeida, diretor da RC Consultores. “É a receita de sempre: o governo aumenta despesas e depois eleva impostos para cobrir.” As despesas públicas vêm subindo ininterruptamente desde o início dos anos 1990, forçando um aumento proporcional no nível de impostos.
A carga tributária representava próximo de 24% do PIB em 1994 e, em 2015, chegou a 32,66% do PIB, o maior patamar da América Latina. A criação de um teto de gastos para os próximos 20 anos visa reverter esse cenário. A regra leva em conta o nível de despesas do ano anterior, reajustado pela inflação. Este é, aliás, um dos motivos que estimulam o governo a não adotar um contingenciamento expressivo. Caso o valor fosse muito alto, jogaria um desafio para 2018. “A PEC do teto foi muito importante”, afirma Luiz Pretti, presidente da Cargill. “Antes de pensar em aumento de tributos, é preciso reduzir despesas, como fazemos em nossas casas.”
Do lado dos gastos, os analistas chamam atenção para os reajustes salariais a aos servidores, enquanto o contingenciamento afeta rubricas com maior efeito sobre o crescimento, como os investimentos. A percepção é que um esforço maior nos cortes evitaria impactos negativos na atividade, em especial num processo de retomada. “Dado o momento em que estamos, a alta de tributos não seria a melhor maneira de equilibrar a situação”, diz João Miranda, diretor-presidente da Votarantim. “As reformas, junto com uma consciência grande de gestão de custos pelo governo, têm o poder de criar expectativas positivas e gerar um efeito multiplicador muito maior na economia.”
O ministro Meirelles já deixou claro que prefere elevar impostos a mexer na meta, numa tentativa de reforçar o compromisso com a consolidação fiscal. Para o presidente do Citi Brasil e do conselho de administração da Câmara de Comércio Americana (Amcham), Hélio Magalhães, qualquer alta de tributos seria um esforço de curto prazo. “A responsabilidade fiscal, determinante para conter a inflação, é mais importante que subir impostos aqui e ali”, diz Magalhães. “Espero que não seja essa a opção, mas se for, será um remédio amargo que teremos de tomar.” Difícil explicar aos milhões de brasileiros que dedicam quase metade do ano de trabalho só para pagar os tributos.
A conta afrouxou
Diante dos sinais de resistência no Congresso, o governo decidiu excluir os servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência. O projeto recebeu 164 emendas na Comissão Especial. Parlamentares da base avaliam que o recuo garante maior chance de aprovação no plenário. Os funcionários dos Estados e municípios representam a maior parcela no sistema de previdência próprio na esfera pública. São quase 8 milhões de pessoas, que equivalem a 80% do número total. A conta não inclui cerca de 2.000 cidades que ainda têm servidores ligados ao INSS. Para a equipe econômica, a mudança visa garantir a autonomia federativa.
A responsabilidade de alterar as regras agora recai sobre os governadores. O risco é de que não sejam capazes de enfrentar a pressão política para passar alterações impopulares nos Legislativos, como dão mostras as inúmeras manifestações em torno de ajustes fiscais estaduais nos últimos meses. O texto no Congresso, que já deixou de fora os militares, equiparava os servidores às regras do INSS, com idade mínima de 65 anos, acabava com as diferenças entre homens e mulheres e de professores. Também exigia a criação de regimes complementares, acabando com a brecha que permite aposentadorias acima do teto do INSS, de R$ 5.531,31. O custo dos inativos é hoje uma das principais causas da crise nos Estados, uma conta que tende a piorar no futuro e pode recair sobre a União mais à frente na forma de novos socorros.
O déficit total das 27 unidades da federação foi de R$ 89,6 bilhões em 2016, cerca de 60% do rombo em todas as esferas da administração pública. O INSS, que reúne pouco mais de 30 milhões de trabalhadores da iniciativa privada, teve déficit de
R$ 151,9 bilhões. A exclusão fragiliza um dos principais argumentos para a sustentação política da proposta: a de que todos deverão ser tratados igualmente. “É um sinal de fragmentação da virtude de igualdade entre trabalhadores em que o projeto se fundamentava”, afirma Paulo Tafner, especialista em previdência. “É um privilégio inaceitável, indecoroso”