Economia

Mais de 2 mil prefeituras descumprem exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal

Municípios desrespeitaram teto de gasto com pessoal, encerram o ano no vermelho ou não declararam as contas em 2016
Marina de Arraial do Cabo, no Rio. Cidade não apresentou dados sobre situação fiscal no prazo Foto: Ronie Placido / Ronie Placido/6-2-2016
Marina de Arraial do Cabo, no Rio. Cidade não apresentou dados sobre situação fiscal no prazo Foto: Ronie Placido / Ronie Placido/6-2-2016

RIO - Um total de 2.091 municípios brasileiros descumpriram algum parâmetro da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2016, segundo levantamento do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF). Isso significa que os prefeitos não cumpriram alguma exigência prevista em lei, como teto de gastos com pessoal ou entrega do mandato com despesas para o ano seguinte — os chamados restos a pagar no jargão das finanças públicas — superiores aos recursos em caixa. Ou ainda não informaram a situação fiscal do município ao Tesouro Nacional no prazo legal.

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As mais de 2 mil prefeituras que descumpriram a LRF correspondem a 37% dos 5.570 municípios brasileiros. A situação só não é mais grave porque no fim do ano passado elas receberam seu quinhão dos recursos oriundos da Lei de Repatriação. Esta lei permitiu a empresas e pessoas físicas resolver pendências com o Fisco, obtendo descontos na tributação sobre recursos que estavam irregularmente no exterior e que foram repatriados.

REPATRIAÇÃO SALVOU 624 PREFEITURAS

Como foi cobrado IR sobre o dinheiro que voltou ao Brasil e este está na base de tributos do Fundo de Participações de Municípios (FPM), as prefeituras tiveram direito a parte dessa fortuna. Também receberam uma parcela da multa cobrada dos donos desses recursos. Foram distribuídos R$ 8,9 bilhões aos municípios brasileiros, o que levou a um aumento médio de 4% da receita municipal. Com isso, 624 prefeituras foram “salvas” e conseguiram se enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal.

A maior parte das prefeituras que descumpriram a lei o fizeram por não terem declarado suas contas no prazo. Pela LRF, elas têm até 30 de abril para informar os dados ao Tesouro Nacional, e o Tesouro tem mais 60 dias para disponibilizá-los para o público. Até 3 de julho, quando a Firjan encerrou sua base de dados, 937 municípios não haviam reportado as informações. Outras 87 apresentaram dados inconsistentes que inviabilizaram a análise. Cerca de 25 milhões de pessoas vivem nessas cidades. No Estado do Rio, 41 dos 92 municípios ou quase 45% do total não cumpriram essa exigência.

— São municípios sem transparência. Na lista, há cidades grandes, com mais de 300 mil habitantes, como Florianópolis (SC) e São Gonçalo (RJ). Isso é extremamente preocupante — afirma o economista-chefe da Firjan e responsável pelo IFGF, Guilherme Mercês.

Falta de transparência
Saiba quais são os 41 municípios do Estado do Rio que não declararam suas contas em 2016
Até dia 3 de julho, quando a Firjan fechou a base de dados
Por região
Sul e Centro-Sul
Norte e Noroeste
Leste Fluminense
Araruama
Arraial do Cabo
Cabo Frio
Iguaba Grande
Maricá
Rio Bonito
São Gonçalo
Saquarema
Silva Jardim
Comendador Levy Gasparian
Mendes
Miguel Pereira
Paraíba do Sul
São José do Vale do Rio Preto
Sapucaia
Três Rios
Volta Redonda
Aperibé
Carapebus
Itaocara
Laje de Muriaé
Miracema
Porciúncula
Santo Antônio de Pádua
São Francisco de Itbapoana
São Fidélis
São João da Barra
São José de Ubá
Baixada Fluminense
Centro-Norte e Serrana
Guapimirim
Itaguaí
Magé
Mesquita
São João de Meriti
Seropédica
Bom Jardim
Carmo
Cordeiro
Duas Barras
Nova Friburgo
São Sebastião do Alto
Trajano de Morais
Fonte: Firjan
Falta de transparência
Saiba quais são os 41 municípios do Estado do Rio que não declararam suas contas em 2016
Até dia 3 de julho, quando a Firjan fechou a base de dados
Por região
Centro-Norte e Serrana
Bom Jardim
Carmo
Cordeiro
Duas Barras
Nova Friburgo
São Sebastião do Alto
Trajano de Morais
Baixada Fluminense
Guapimirim
Itaguaí
Magé
Mesquita
São João de Meriti
Seropédica
Sul e Centro-Sul
Comendador Levy Gasparian
Mendes
Miguel Pereira
Paraíba do Sul
São José do Vale do Rio Preto
Sapucaia
Três Rios
Volta Redonda
Leste Fluminense
Araruama
Arraial do Cabo
Cabo Frio
Iguaba Grande
Maricá
Rio Bonito
São Gonçalo
Saquarema
Silva Jardim
Norte e Noroeste
Aperibé
Carapebus
Itaocara
Laje de Muriaé
Miracema
Porciúncula
Santo Antônio de Pádua
São Francisco de Itbapoana
São Fidélis
São João da Barra
São José de Ubá
Fonte: Firjan

De acordo com Rodrigo Orair, da Instituição Fiscal Independente (IFI), existem dois perfis de municípios que tradicionalmente não prestam contas ao Tesouro Nacional: os muito pequenos, que têm problemas estruturais de gestão e enfrentam dificuldade na elaboração dos relatórios, e os que recebem transferências em abundância, em geral de royalties do petróleo ou da mineração, e que não têm interesse em dar transparência aos gastos.

715 MUNICÍPIOS NO ‘CHEQUE ESPECIAL’

Entre as sanções previstas em lei ao descumprimento dessa exigência, está a suspensão das transferências voluntárias da União, aquelas oriundas de convênios cujos recursos são empregados geralmente em obras — as obrigatórias são carimbadas, especialmente para investimento em educação e saúde, e não podem ser descontinuadas.

— Talvez, pelo fato de a União estar enfrentando uma crise fiscal também e, por isso, haver uma falta de perspectiva de transferências voluntárias, os prefeitos não se sentiram estimulados a informar os dados — avalia Orair.

O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, lembra que na eleição passada houve troca de 4.200 prefeitos, o maior número de mudança na gestão municipal até hoje registrado. Na sua opinião, isso pode ter influência na dificuldade de prestação das contas.

Além da falta de transparência, 715 prefeitos encerraram o mandato com mais restos a pagar do que com recursos em caixa, outra infração prevista na LRF. É como se elas tivessem entrado no cheque especial. Juntos, deixaram uma pendência de R$ 6,3 bilhões para seus sucessores.

QUASE 600 EXTRAPOLARAM TETO DE GASTOS

Pela lei, o gestor não pode concluir o mandato no vermelho, isto é, deve passar o bastão para o próximo prefeito com dinheiro em caixa num volume superior à dívida de curto prazo, aquela que tem de ser quitada em 12 meses. Apesar de elevado, o número das prefeituras penduradas no cheque especial é bem menor que na conclusão do mandato anterior: em 2012, isso ocorreu em 1.286 municípios.

— A imensa maioria das prefeituras se financia atrasando pagamentos a fornecedores e até a servidores, mas agora não terão mais a inflação para corroer essa dívida forçada. Prefeitos terão de investir mais que nunca em profissionalizar a gestão — diz José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público.

Outra transgressão da LRF é o descumprimento do limite de 60% da receita corrente líquida com gasto de pessoal. Ao todo, 575 prefeituras extrapolaram esse teto e gastaram com o funcionalismo R$ 1,8 bilhão a mais do que deveriam. Em 2012, 490 cidades haviam desrespeitado esse teto. E um pequeno número de municípios (apenas dez) ultrapassou o limite de gasto previsto em lei de 13% da receita com encargos da dívida.

— O nível de endividamento é um problema menor para os municípios porque eles não podem emitir títulos de dívida, como a União. Por isso, eles se financiam por meio de atraso no pagamento a fornecedores, por exemplo. A preocupação maior é com o gasto com pessoal — diz Mercês.

A LRF prevê prazos para reenquadramento dos municípios. No entanto, esses prazos podem ser estendidos se a variação do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) nacional, regional ou estadual for inferior a 1% nos quatro trimestres anteriores. Como o Brasil tem variação negativa ou crescimento abaixo de 1% da atividade econômica desde 2014, há uma discussão sobre qual prazo está valendo.

— Quando a lei foi feita não se previu uma recessão desse tamanho. Por isso, há toda uma discussão sobre como tratar a crise fiscal e perseguir os parâmetros da lei — afirma Rodrigo Orair.