É preciso estabilizar a dívida pública, escreve Felipe Salto

Teto corre sérios riscos

Reformas são necessárias

Sem consolidação fiscal, cenário pode se tomar rumo mais pessimista
Copyright Sérgio Lima/Poder360 - 3.set.2018

A meta primordial para as contas públicas a médio prazo é recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública. No Estudo Especial¹ nº 7, recentemente publicado pela IFI (Instituição Fiscal Independente), mostramos que a dívida ainda deverá crescer por mais cinco anos, dos atuais 77,3% para 84,1% do PIB, e então estacionar e passar a cair lentamente. Dívida crescente implica custo médio alto de financiamento e espaço fiscal reduzido para continuar a atender às necessidades da população por mais e melhores políticas públicas.

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Há uma equação que relaciona a variação da dívida bruta e o seu nível ao longo do tempo. Para dado nível de endividamento: a) taxas de juros reais mais altas significam maior dificuldade para estabilizar a relação dívida/PIB e b) taxas de crescimento real do PIB mais altas ajudam a tornar a relação mais sustentável ao longo do tempo.

Dito de outra forma: quanto mais baixo o custo de financiamento (ou juros) da dívida e maior o crescimento da economia, menor o resultado primário (receitas menos despesas públicas, exceto gastos com juros) exigido para tornar a relação dívida/PIB estável.

tabela a seguir, publicada no referido estudo da IFI, apresenta o superávit requerido para estabilizar a relação dívida bruta/PIB considerando-se diferentes combinações de juros reais e crescimento econômico. Por exemplo, para estabilizar uma dívida bruta entre 80% e 90% do PIB, assumindo juros reais de 4,3% e crescimento de 2,2%, seria necessário um superávit primário de 1,68% a 1,89% do PIB. Como o déficit primário do setor público está em 1,25% do PIB (acumulado em 12 meses até agosto), estamos tratando de um esforço total de até 3,14 p.p. do PIB (eliminação do déficit, mais superávit de 1,89).

Diversas combinações de medidas podem colaborar para equacionar o problema fiscal brasileiro e ajudar a restaurar o equilíbrio da relação dívida/PIB. Não é um objetivo intransponível, como os dados podem sugerir à primeira vista. Desde 2016, a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, que criou o teto de gastos, estabeleceu que o ajuste deveria ocorrer preferencialmente pelo lado da contenção do gasto federal primário.

Na ausência das reformas estruturais, até o presente momento, o teto corre sérios riscos, como temos destacado em nossos Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAF)². Na última atualização dos nossos cenários, mostramos que, em 2021, o teto tenderia a ser rompido, implicando o acionamento dos gatilhos previstos na Emenda (proibição de medidas com impacto real sobre a despesa).

A tarefa do novo governo, a partir de 2019, é indicar qual será a combinação de medidas para fazer frente ao desafio de reequilibrar as contas públicas, isto é, de construir um horizonte de estabilização da dívida como proporção do PIB. Estabilizar a dívida em relação ao PIB torna o custo de fazer dívida mais baixo, reduz o peso do serviço da dívida no orçamento e abre espaço fiscal para o financiamento de mais e melhores políticas públicas. Dívida pública é um instrumento importante da política fiscal, desde que o país seja um bom pagador, isto é, tenha contas em ordem. As alternativas à dívida são aumentar impostos ou emitir moeda. A primeira, gera custos para o setor produtivo. A segunda, inflação.

Isso poderá ser feito por diferentes caminhos, dentre os quais dois se destacam: a) reforço do teto de gastos, com aprovação de reformas e mudanças no gasto obrigatório (aquele que é mais rígido no curto prazo) ou b) combinação de medidas pelo lado das despesas a ajustes também pelo lado das receitas.

Independentemente da escolha política feita pelo próximo presidente e pelo Congresso, uma coisa é certa: sem promover uma importante consolidação fiscal, os riscos de migrarmos para o cenário pessimista (ver gráfico) projetado pela IFI devem aumentar. Nele, a dívida poderia crescer além de 100% do PIB até 2030.


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1 – Veja no site da IFI o Estudo Especial nº 7 – “Dívida bruta: evolução e projeções”.

2 – Consulte aqui os relatórios mensais da IFI.

autores
Felipe Salto

Felipe Salto

Felipe Salto, 36 anos, é economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. É integrante do Conselho Superior de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Conselho de Assessoramento Técnico da IFI desde março de 2023. Professor no IDP, foi considerado economista do ano de 2023 pela OEB (Ordem dos Economistas do Brasil). Organizou os livros “Finanças Públicas” (2016) e “Contas Públicas no Brasil” (2020). É colunista do jornal O Estado de S. Paulo.

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