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Direito Administrativo

- Publicada em 18 de Maio de 2020 às 20:38

Com medidas suspensas devido à pandemia, LRF completa 20 anos

Operadores do Direito veem a lei como moderna e eficiente

Operadores do Direito veem a lei como moderna e eficiente


SAUL LOEB/AFP/JC
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 20 anos no início deste mês em uma situação pouco comum. Devido à decretação de estado de calamidade pública pelo governo federal por causa da pandemia de coronavírus, parte das regras previstas nessa legislação está suspensa desde março, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a flexibilização da lei. Ainda que inserida nesse cenário, especialistas defendem que o saldo das duas décadas da LRF é positivo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 20 anos no início deste mês em uma situação pouco comum. Devido à decretação de estado de calamidade pública pelo governo federal por causa da pandemia de coronavírus, parte das regras previstas nessa legislação está suspensa desde março, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a flexibilização da lei. Ainda que inserida nesse cenário, especialistas defendem que o saldo das duas décadas da LRF é positivo.
Diante das situações fiscais vividas pelo Brasil nas décadas de 1980 e 1990, a LRF foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 4 de maio de 2000 com o intuito de implantar um novo regime fiscal no País. A Lei Complementar nº 101, como é oficialmente conhecida, chegou ao Poder Legislativo após longa negociação da União com governadores e prefeitos, como destaca o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) José Roberto Afonso, que é membro da equipe do Ministério do Planejamento que elaborou o projeto.
Nem todas as medidas previstas na lei foram implementadas nestes 20 anos. Parte delas foi considerada inconstitucional, enquanto outros dispositivos apenas não foram adotados por prefeitos, governadores ou presidentes da República. Na avaliação do advogado especialista em Direito Público Cristiano Vilela, a LRF acabou sofrendo algumas mudanças na forma de aplicação por conta das diferentes interpretações dos Tribunais de Contas dos Estados nos últimos anos. "Trata-se de uma norma sofisticada, mas seu grau de exigência, por vezes, não se coaduna com o provincianismo com o qual o País costuma conduzir a coisa pública, em especial, as finanças públicas."
Apesar de medidas como o Conselho Gestor Fiscal (art. 67) ou como o dispositivo que cuida da limitação de empenho e movimentação financeira pelos Poderes, autorizando ao Poder Executivo a ultimar essa limitação dos valores financeiros, de acordo com os critérios fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 9) não terem sido implementadas, a LRF coleciona elogios por parte dos especialistas. Segundo o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, Felipe Salto, a lei é a maior inovação na área de contas públicas dos últimos 40 anos. "A prática da lei precisa ser melhorada. Não basta ter regras, precisamos ter as lideranças políticas mais atentas a esse compromisso com a responsabilidade fiscal", aponta. Ele ressalta, ainda, que todo o arcabouço de contas públicas é moderno. "Mas isso não é suficiente para fazer com que a gente melhore as contas, porque o espírito da responsabilidade fiscal não está compartilhado na sociedade."
Para o advogado e professor de Direito Administrativo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Rafael Maffini, a lei representa um marco na gestão pública brasileira. "Trata de uma importantíssima baliza, que fez com que o poder público evoluísse muito nas últimas duas décadas. A LRF criou e manteve uma cultura de planejamento, que é essencial para a administração pública", defende.
O presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público (Ibraed) e coordenador-geral da Revista Interesse Público, Alexandre Pasqualini, concorda com a importância da lei, mas destaca que ela pode ser aperfeiçoada. "O saldo das imperfeições ainda pesa mais do lado dos gestores públicos do que do lado da LRF. A lei deveria ter se transformado em uma autêntica segunda natureza para os gestores públicos, mas não aconteceu."
"Os problemas que tivemos têm mais a ver com políticas fiscais que se revelaram equivocadas e práticas fiscais incorretas - que, inclusive, geraram o impeachment de uma presidente, a Dilma Rousseff - do que com a responsabilidade fiscal. A LRF dá as regras do jogo. Não trata do jogador e não trata do resultado do jogo", afirma Afonso, um dos responsáveis pela elaboração da lei. Para Maffini, os problemas fiscais enfrentados pelo Brasil poderiam ter sido ainda mais graves caso a LRF não existisse.
Além de ser vista como eficiente, Vilela também acredita que a LRF é uma lei moderna. "É evidente que há lacunas e atualizações que ainda não foram feitas, bem como há uma série de interpretações que não condizem efetivamente com o espírito da lei, mas é impossível negar que, ainda hoje, a lei é considerada à frente do seu tempo."

Rio Grande do Sul pode ser considerado acima da média na implementação da legislação

Além da importância em nível federal, a LRF também tem forte atuação no Rio Grande do Sul. Cabe ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) o controle e a fiscalização das contas públicas gaúchas. Segundo o presidente do TCE-RS, conselheiro Estilac Xavier, a instância gaúcha foi pioneira no estudo e na interpretação da nova legislação. Para Rafael Maffini, a aplicação da LRF no Estado é mais efetiva que a média do País.
Para Alexandre Pasqualini, o problema do Rio Grande do Sul apenas se agravou nos últimos anos. "Temos, aqui, uma administração pública que não cabe no Orçamento do Estado e que compromete a capacidade de financiamento de políticas públicas necessárias ao bem-estar dos cidadãos", explica. Ele lembra, também, que a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, sancionada no governo de José Ivo Sartori (2015-2019), não é aplicada com êxito.
Mas, segundo o presidente do TCE-RS, comparado a antes da criação da lei, hoje, existe um equilíbrio maior nas contas públicas do Estado. "Além disso, há uma maior transparência em relação às contas públicas. Mas não devemos imaginar que apenas a lei irá resolver a falta de recursos para a máquina pública", complementa.
Xavier relata que a maior dificuldade tem relação com a crise estrutural e financeira. Para ele, as exigências da LRF para equilibrar as finanças e limitar os gastos, tendo com paralelo as exigências constitucionais, como o dever de elevar gastos, que são de 35% da receita líquida com educação e 12% com saúde, sempre foram muito difíceis para todos os governos. "A LRF não estabeleceu um período de transição para que os ajustes fossem feitos paulatinamente. Portanto, coube aos Tribunais de Contas interpretar os números, avaliar as ações governamentais e decidir da melhor forma."
Maffini relaciona a boa implementação e, consequentemente, o bom resultado da LRF no Rio Grande do Sul com a atuação do TCE-RS. Para o presidente do órgão, o tribunal gaúcho foi uma peça importante para isso e, também, para a criação de uma cultura no Estado pelo equilíbrio das contas e com a responsabilidade administrativa. "A mudança desde a criação da lei aconteceu de forma gradual e, passados 20 anos, já temos essa norma de responsabilidade do gestor público bem enraizada naqueles que são escolhidos para gerir os recursos públicos", defende. Hoje, existem setores específicos que analisam a gestão fiscal, e, de acordo com Xavier, são responsáveis por auxiliar municípios e o Estado para a correta aplicação da LRF.
Embora haja a suspensão de alguns dispositivos para melhor atender às necessidades surgidas com a pandemia, a legislação celebra duas décadas de impactos positivos. Assim como o panorama federal feito pelos outros especialistas, Xavier também está presente na lista dos que elogiam a lei, lembrando da possibilidade de evolução.