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Economia Coronavírus

Recuperação econômica terá que passar por investimento em saúde, obras e renda mínima, dizem analistas

Para especialistas, não há condições de planeta replicar o Plano Marshall do pós-guerra. As soluções, desta vez, terão que ser “caseiras”, afirmam
Impacto. Comércio fechado em São Paulo por causa do isolamento social adotado para combater o coronavírus: gasto para enfrentar os problemas iniciais da pandemia pode chegar a 10% do PIB Foto: Nelson Almeida / AFP
Impacto. Comércio fechado em São Paulo por causa do isolamento social adotado para combater o coronavírus: gasto para enfrentar os problemas iniciais da pandemia pode chegar a 10% do PIB Foto: Nelson Almeida / AFP

SÃO PAULO - Uma das frases mais ditas por economistas, empresários e investidores na atual crise do coronavírus é que “situações extremas exigem medidas extremas ”. Para garantir um processo de retomada sustentada do crescimento após o fim da pandemia , muitos analistas internacionais argumentam que o mundo deveria implantar um novo Plano Marshall , iniciativa dos Estados Unidos para reconstruir a Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, não há condições de o planeta replicar o que foi feito há mais de 70 anos. As soluções, desta vez, terão que ser caseiras. E o receituário brasileiro deve ser composto de investimentos públicos em saúde, infraestrutura e um sólido programa de renda mínima.

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Ainda é cedo para se ter contas exatas sobre quanto custará o pacote para vencer a pandemia e retomar a trilha do crescimento.

Os primeiros cálculos apontam que o volume de dinheiro a ser gasto somente para enfrentar os problemas iniciais gerados pela pandemia deve atingir cerca de 10% do PIB, o conjunto de riquezas que o país consegue produzir durante um ano.

— É preciso um plano de transferência de renda equivalente a 10% do PIB, ou seja, mais de R$ 700 bilhões, por 90 dias inicialmente, já que nossa referência da pandemia é a China e as coisas começaram se recuperar lá depois desse prazo — diz o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros.

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Reservas internacionais

A lógica é primeiro cuidar da emergência médica, depois garantir a subsistência dos mais vulneráveis e tentar manter emprego, renda e empresas funcionado.

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Assim como é importante achatar a curva dos casos de coronavírus para evitar o colapso do sistema de saúde, são necessárias medidas para reduzir a curva da recessão que já está em curso, atendendo a população e facilitando uma recuperação mais célere no futuro.

Monica de Bolle, da Johns Hopkins University, em Washington (EUA), defende um plano básico de uso dos recursos públicos.

— Ampliar o SUS em R$ 50 bilhões, colocar R$ 30 bilhões para salvar micro e pequenas empresas, criar renda básica de R$ 500 para 36 milhões de pessoas por um ano, a um custo de R$ 216 bilhões, e ampliar em 50% o Bolsa Família, a um custo de R$ 15 bilhões — resume a economista brasileira.

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Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, estima que o coronavírus deve causar uma queda do PIB na casa de 4%, reduzindo a receita do governo federal em R$ 120 bilhões. Com o aumento dos gastos necessários para bancar um pacote de recuperação, a necessidade de financiamento público do país no ano de 2020 pode bater os R$ 600 bilhões. Mas ele vê um espaço para resolver parte deste problema:

— Podemos vender US$ 66,6 bilhões das reservas internacionais, pois é o que sobra acima no nível prudencial estabelecido pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) com uma margem extra de 25%. Isso daria R$ 333 bilhões, ampliando o espaço do endividamento do país — explica.

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Salto lembra que é preciso fazer com que os gastos extras de agora sejam temporários e não permanentes, uma preocupação de praticamente todos os economistas que sabem que, no day after da epidemia do coronavírus, o governo brasileiro terá que fazer um ajuste vigoroso de suas despesas para retomar, no futuro, uma trajetória de equilíbrio para as contas públicas.

Estratégia do BNDES

Mauricio Lima, do centro de logística Ilos, acredita que um item básico do receituário de recuperação brasileira será o investimento em infraestrutura, o que permitiria um rápido crescimento dos empregos, ajudando a reduzir gargalos econômicos do país.

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Neste ponto, ressalta, o país tem um diferencial: enquanto o mundo desenvolvido tem pouca margem para investimentos, o Brasil tem um gap de infraestrutura de US$ 1 trilhão.

— E, em um segundo momento, investir fortemente em educação e inovação, para não perder oportunidades históricas — acrescenta.

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Igor Rocha, da Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib), também defende que o país precisa, se for usar uma referência histórica, adotar um plano em linha com o New Deal, implantado pelo governo dos EUA para sair da Grande Depressão dos anos 1930.

E, neste processo, a primeira coisa será reorganizar a atuação do Estado, para que o governo brasileiro tenha força para adotar, quando necessário, políticas anticíclicas, incluindo uma revisão da estratégia do BNDES, dos bancos estatais e dos investimentos públicos.

— No curtíssimo prazo, a medida é jogar muito dinheiro no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), para fazer obras em estradas, enquanto novos projetos de infraestrutura, habitação e saneamento saem do papel.

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O aumento do peso do Estado na economia é outro efeito colateral apontado por alguns analistas como inevitável pós-coronavírus. Por isso, Luiz Carlos Prado, da UFRJ, é contra projetos de redução de salários de servidores ou trabalhadores em geral.

— No pós-guerra, vimos mais proteção ao trabalho, não menos. Precisamos ampliar as ações sociais, seguir o modelo da Alemanha, não dos EUA. Usar instrumentos como o BNDES para direcionar a economia, especialmente em investimentos em transporte urbano e saneamento — diz Prado.

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Mudanças tecnológicas

Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral, acredita que a Covid-19 “deixou o rei nu”, ou seja, chegou em um momento de discussão sobre as profundas mudanças tecnológicas que têm transformado a sociedade.

— Essa crise, com desemprego estrutural por causa da tecnologia, deve fazer com que o debate de uma renda universal, que existe desde 1950, ganhe força em todo o mundo — afirmou. — O governo não pode tentar salvar a economia pensando em recuperar o que havia antes, mas em direcionar o país para a indústria 4.0, para o conhecimento e a inovação.

O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, que defende aplicar 10% do PIB no pacote de recuperação, acredita que a situação do país pré-coronavírus pode levar a uma mudança mais radical por parte do governo federal:

— Antes do coronavírus chegar, já estávamos com 11,5 milhões de desempregados. Talvez esta crise tenha este impacto “positivo”, digamos, de mudar os parâmetros para que o governo atue mais fortemente pelo emprego — diz Ricupero, que atualmente é professor da Faap, em São Paulo.

O professor e doutor em História Econômica do Insper Vinicius Mülller afirma que, em um segundo momento, o governo deveria pensar em alocar recursos de forma a estimular polos de desenvolvimento em cidades médias, redimensionando o atendimento de saúde e de transporte públicos nessas localidades.

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Ex-secretário de Política Econômica no primeiro mandato do governo Lula, Marcos Lisboa avalia que o país está ficando mais pobre com a queda de renda das pessoas e precisa de um plano que faça a economia continuar funcionando minimamente.

— Não adianta baixar os juros, porque as pessoas não vão gastar. É preciso um grupo de técnicos da Economia, da Saúde, elaborando medidas que mantenham a oferta de bens e serviços, além de garantir renda aos mais pobres. É e preciso fazer com que esses recursos cheguem aos mais pobres — diz Lisboa, que atualmente preside o Insper.

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As receitas para aplacar a crise

  • Ampliar o sistema de proteção social e usar recursos direcionados do BNDES, Luiz Carlos Prado, UFRJ
  • Vender US$ 66,6 bilhões das reservas internacionais, Felipe Salto, IFI
  • Aplicar 10% do PIB no pacote de recuperação, Rubens Ricupero, Faap