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Economia

Com teto de gastos, Judiciário e Legislativo terão de reduzir à metade crescimento das despesas

Poder Executivo teve de aumentar menos os custos para compensar os gastos dos dois poderes até agora
BRASIL - Brasilia, DF - 13/09/2019 - Fotos da fachada do Congresso Nacional,. Foto: Daniel Marenco Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
BRASIL - Brasilia, DF - 13/09/2019 - Fotos da fachada do Congresso Nacional,. Foto: Daniel Marenco Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

BRASÍLIA - Os poderes Judiciário e Legislativo vão precisar conter despesas para se enquadrar no teto de gastos este ano. A regra fiscal, que limita o crescimento das contas da União à inflação do ano anterior, prevê que o reajuste em 2020 será de 3,37%. Considerando a evolução das despesas desses órgãos em 2019, fica claro que eles terão de fazer um esforço extra.

De janeiro a novembro do ano passado, os gastos do Legislativo cresceram 7,8% em relação ao mesmo período de 2018. Já os do Judiciário tiveram alta de 6,8%. Ou seja, na prática, esses poderes terão de reduzir à metade o ritmo de alta de gastos, já que o limite no ano que vem é de só 3,37%.

Veja também: Entenda o que é o teto de gastos e outras regras para conter o gasto público

O Ministério Público da União também teve aumento de 5,9% nas despesas. Apenas a Defensoria Pública da União conseguiu reduzir seus gastos, em 2,7%.

Para piorar a situação de Judiciário e Legislativo, a partir deste ano, o Poder Executivo deixará de compensar os gastos dos demais órgãos que vierem a estourar o limite. A compensação prevê que o Executivo deixe de gastar para que os demais poderes possam expandir os gastos acima da inflação. O mecanismo foi criado para permitir um prazo de transição para que os outros poderes pudessem atenuar o efeito de gastos já autorizados, como reajustes salariais. Ele foi válido para os três primeiros anos do teto de gastos (2017, 2018 e 2019). Sem a compensação, caberá agora a cada poder remanejar o orçamento interno para se enquadrar no teto.

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Para a correção do teto de gastos, a inflação considerada é a do período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior. Isso ocorre porque o Orçamento é enviado ao Congresso em agosto.

Com isso, o repique da inflação de dezembro — que fez o IPCA encerrar o ano com alta de 4,31% — só vai ser transferido para o teto de gastos no Orçamento de 2021. No Poder Executivo, o problema, nesse caso, é que os benefícios previdenciários são corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de 4,48% em 2019, valor divulgado na sexta-feira pelo IBGE.

Juiz de garantia pode pesar

Para o governo federal, portanto, parte dos benefícios do INSS vão crescer mais que o teto. O próprio salário mínimo, que teve alta de 4,1%, vai subir além do limite de gastos federais. Como essas despesas são obrigatórias, isso deve exigir do Poder Executivo a redução de outros gastos, não obrigatórios — como investimentos e custeio da máquina — para comportar mais despesas.

Em 2019, o teto de gastos permitiu uma alta de 4,4% nas despesas, baseada na inflação do ano anterior. A compensação do Executivo — poder que registrou crescimento de 1,8% nas despesas até novembro do ano passado, abaixo do limite — deve fazer, contudo, com que os órgãos cumpram o teto, mesmo gastando mais que esse limite. A regra é verificada no fim do ano, e o relatório fechado do Tesouro Nacional para 2019 será publicado este mês.

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Ao todo, há 14 órgãos federais fora do Poder Executivo. O teto é verificado para cada um deles. Os maiores crescimentos no ano passado foram no Conselho Nacional de Justiça (25,1%), no Supremo Tribunal Federal (14,2%) e no Conselho Nacional do Ministério Público (10,1%).

— Uma boa parte dos órgãos terá dificuldade de cumprir o teto sem a compensação — avalia o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.

Espaço apertado
A lei impõe um teto para o crescimento dos gastos públicos, mas Legislativo e Judiciário têm elevado mais as despesas que o Executivo
Limites autorizados de gastos sujeitos ao teto
Poder
Limite em 2019 (em R$)
Limite em 2020 (em R$)
1,343 trilhão
1,391 trilhão
Poder Executivo
44,44 bilhões
42,91 bilhões
Poder Judiciário
12,41 bilhões
12,57 bilhões
Poder Legislativo
6,39 bilhões
6,48 bilhões
Ministério Público da União
576 milhões
548 milhões
Defensoria Pública da União
1,407 trilhão
1,454 trilhão
Total sujeito ao teto
Diferença entre as despesas sujeitas ao teto executadas em 2018 e 2019
Variação
autorizada:
4,4%
2018
(jan-nov)
em R$
2019
(jan-nov)
em R$
Órgão/Poder
Variação nominal
1,138
trilhão
1,158
trilhão
Poder
Executivo
1,80%
9,75
bilhões
10,51
bilhões
Poder
Legislativo
7,80%
35,99
bilhões
38,43
bilhões
Poder
Judiciário
6,80%
480
milhões
468
milhões
Defensoria
Pública da União
-2,70%
5,29
bilhões
5,61
bilhões
Ministério
Público da União
5,90%
Fonte: Tesouro Nacional
Espaço apertado
A lei impõe um teto para o crescimento dos gastos públicos, mas Legislativo e Judiciário têm elevado mais as despesas que o Executivo
Limites autorizados de
gastos sujeitos ao teto
Limite
em 2019
(em R$)
Limite
em 2020
(em R$)
Poder
1,343
trilhão
1,391
trilhão
Poder
Executivo
44,44
bilhões
42,91
bilhões
Poder
Judiciário
12,41
bilhões
12,57
bilhões
Poder
Legislativo
6,39
bilhões
6,48
bilhões
Ministério
Público da União
576
milhões
548
milhões
Defensoria
Pública da União
1,407
trilhão
1,454
trilhão
Total sujeito
ao teto
Diferença entre as despesas sujeitas
ao teto executadas em 2018 e 2019
2018
(jan-nov)
em R$
2019
(jan-nov)
em R$
Órgão/Poder
1,138
trilhão
1,158
trilhão
Poder
Executivo
9,75
bilhões
10,51
bilhões
Poder
Legislativo
35,99
bilhões
38,43
bilhões
Poder
Judiciário
480
milhões
468
milhões
Defensoria
Pública da União
5,29
bilhões
5,61
bilhões
Ministério
Público da União
Variação
autorizada:
4,4%
Variação nominal
(2018/2019)
Órgão/Poder
Em %
Poder
Executivo
1,80
Poder
Legislativo
7,80
Poder
Judiciário
6,80
Defensoria
Pública da União
-2,70
Ministério
Público da União
5,90
Fonte: Tesouro Nacional

Pelos cálculos da IFI, há um risco maior de descumprimento do teto em 2021. Mas a falta de compensação poderia pesar para alguns órgãos já neste ano:

— Esse problema da não compensação é adicional, que pode aparecer antes de 2021. Em 2020, pode ser a realidade de alguns órgãos descumprirem o teto de gastos.

O Orçamento Geral da União de 2019 reservou R$ 3,362 bilhões para o Poder Executivo compensar o crescimento dos gastos dos outros poderes. Desse total, R$ 46 milhões correspondem à Defensoria Pública da União; R$ 128,76 milhões ao Ministério Público da União; R$ 258,62 milhões ao Legislativo, e R$ 2,93 bilhões, a maior fatia, ao Poder Judiciário.

Veja ainda: Reajuste do salário mínimo fica abaixo da inflação este ano

Este ano, o Judiciário pode ter de acomodar eventuais despesas extras com o juiz de garantia. O grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que avalia a aplicação da nova regra ainda não decidiu como o mecanismo será implementado, apesar de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, defender que não haja gastos adicionais com a medida aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Pela lei, o juiz de garantias passará a acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. Caberá a esse juiz atuar na fase da investigação e decidir, por exemplo, sobre a quebra de dados sigilosos dos investigados. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determina a sentença ao fim das investigações.

Prejuízo à população

Já o Ministério Público da União (MPU) ganhou um refresco para este ano. Além do crescimento da inflação, o teto do MPU cresceu em cerca de R$ 200 milhões para abrigar os gastos do órgão com auxílio-moradia dos procuradores. Isso ocorreu por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão autorizou o aumento porque, quando o teto foi instituído, o auxílio-moradia havia ficado fora da regra.

A professora da UFRJ Margarida Gutierrez defende o fim da compensação e diz que todos os poderes precisam contribuir para o ajuste fiscal.

— Não é justo o Executivo fazer essa compensação. Quando o Executivo tem que cortar, ele tem que cortar investimentos. A população fica prejudicada porque o Judiciário e o Legislativo resolveram aumentar os gastos. As regras têm que valer para todos, não só para o Executivo. Agora o ajuste vai ser pesado para eles, porque vai se tratar de corte nominal em alguns casos — disse ela.

Os órgãos que descumprirem a regra do teto terão uma série de restrições, estabelecidas na Constituição, como a proibição de reajustar salário de servidores, criar cargos, contratar pessoal e fazer concurso. O Tesouro é o responsável por monitorar o teto de gastos.

Em 2017, primeiro ano da medida, o limite para o crescimento das despesas federais estava em 7,2%. Naquele ano, cinco órgãos registraram aumento de gastos além do teto: Justiça Federal (7,8%), Justiça do Trabalho (10,6%), Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (7,5%), Defensoria Pública da União (14,2%) e Ministério Público Federal (9,6%). Em 2018, todos cumpriram o teto de gastos.

Em nota, a Câmara dos Deputados informou que não utilizou, em nenhum dos três últimos exercícios, a margem de compensação prevista na Emenda e vem pagando suas despesas em montante consideravelmente inferior ao limite estabelecido pelo teto. "A Câmara dos Deputados vem mantendo com absoluto rigor o nível de pagamento de suas despesas, em patamar muito abaixo do teto anual de gastos definido pela Emenda Constitucional 95/16. A instituição, portanto, não se enquadra nos órgãos que deverão reduzir à metade o crescimento de suas despesas", diz a nota.