Teto de gasto deve ruir em 2022, indica LDO

Dificuldades para respeitar regra já devem começar no ano que vem

Por Fabio Graner — De Brasília


Colocado como principal âncora fiscal para 2021, o teto de gastos começará a ser fortemente testado a partir do ano que vem e pode ruir entre 2022 e 2023. É o que indicam as projeções do governo apresentadas no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Os números mostram que as despesas discricionárias, aquelas que o governo pode dispor livremente, ficarão em R$ 103,1 bilhões em 2021, o valor mais baixo da série do Tesouro, que no ano passado ficou em R$ 131 bilhões. Para 2022, esses gastos irão para R$ 85,5 bilhões, chegando a R$ 68,9 bilhões em 2023, já com o novo governo. Mesmo incluindo-se uma reserva de R$ 19 bilhões para emendas parlamentares, que por ora estão como despesas obrigatórias, o quadro é de forte aperto.

Na primeira metade de 2019, quando a situação apontava despesa discricionária abaixo de R$ 100 bilhões, houve problemas de manutenção de serviços em algumas áreas. Analistas, inclusive dentro do governo, apontam que é possível conviver com valores na faixa indicada para 2021, ainda que com dificuldade. Mas quando já se aponta para algo entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões a situação é vista como insustentável.

“Sem nenhuma tentativa de conter as despesas obrigatórias, as discricionárias não aguentam chegar a R$ 60/70 bilhões”, diz uma fonte do governo, apontando que sem medidas o “teto vai morrer” entre 2022 e 2023. Não são todas reformas que causam impacto no lado da despesa, mas algumas podem abrir espaço no Orçamento, como a administrativa e a PEC Emergencial, que permite redução de salários de servidores públicos.

O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, disse ao Valor que o governo tem condições de manejar o teto de gastos em 2021 ainda, mas já deve ter sérias dificuldades. “Tem possibilidade de despesa obrigatória crescer mais do que o previsto, por causa do BPC, da possível continuidade da renda básica. No ano que vem já tem risco”, comentou. “Para 2022 e 2023 o governo está na prática dizendo, com as regras atuais, que não tem jeito sem uma reforma grande para o restante dos gastos de forma que torne possível cumprir o teto”, disse.

Segundo ele, há limitações para cortes de despesas e o que tem de possibilidade no radar pode não ser suficiente para compensar o aumento crescente nas obrigatórias. Ele cita como possíveis alvos de mudanças o abono salarial, a reforma administrativa e o BPC.

O ex-secretário de Política Econômica do ministério da Economia e pesquisador do Ibre, Manoel Pires, também não vê grande margem de manobra para o teto, mesmo com reformas. “O problema é que todo mundo sabe que teto não é factível, o governo está apostando em uma âncora que precisará ser revista”, afirmou.

Ele lembrou que as despesas discricionárias da ordem de R$ 100 bilhões nunca foram tão baixas e podem ser ainda menores, dado o possível crescimento de gastos obrigatórios como seguro-desemprego e auxílio-doença.

Para o consultor de Orçamento do Senado Vinícius Amaral, o teto desde sua criação é insustentável, mas em algum momento a tensão em torno do risco de paralisia da máquina vai se tornar “ insuportável”. “Isso levará a uma mudança no teto ou à substituição por outra âncora fiscal. Por ser uma regra tão rígida, é difícil lidar com o teto. Em 2021, as despesas discricionárias já nascem com número pressionado por causa da elevação dos gastos decorrentes do coronavírus”.

Além dos problemas do teto que está evidenciando, a LDO de 2021 já nasce sob alguma polêmica devido à nova regra para a meta de resultado primário. Há dúvidas se, ao tratá-la como mera conta, sem um objetivo que exija esforço de cumprimento, o governo não estaria descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“Não vejo que a LDO tenha mandato para fazer definição de meta da forma como foi proposto. Não foi estabelecida uma meta, mas sim uma forma de acompanhamento do resultado primário”, disse Amaral. “Ainda que em termos de arcabouço fiscal a regra estivesse redundante com o teto de gastos, a forma jurídica de dispor isso na LDO não parece adequada. A LRF deu competência de definir a meta, e não de esvaziar o sentido e o propósito de ter meta”, afirmou.

O consultor apontou que certamente isso será foco de discussão no Congresso e pode ser a oportunidade, inclusive, de se buscar uma conciliação das regras fiscais existentes: teto de gastos, meta de primário e “regra de ouro”.

Daniel Couri, da IFI, também mostra dúvidas sobre o desenho. Para ele, na prática a LDO traz uma interpretação da LRF e da Constituição, sem que seus dispositivos tenham sido alterados. “Se a receita cair, não vai contingenciar. O governo está reinterpretando e mudando a regra. Na prática ele está abandonando a meta de primário. Ela flutua sem uma banda”, disse. “A LRF é clara: tem que ter meta. É uma nova interpretação.”

Ele reconhece que tecnicamente a medida pode se justificar pela alta incerteza econômica, mas o governo teria outros instrumentos, como a calamidade pública. “Precisa ver se não vai gerar questionamento jurídico. O artigo 9º da LRF diz que, se a receita verificada não comportar cumprimento da meta, tem que fazer contingenciamento. Pode ter questionamento por aí. Uma meta muito fluida claramente não era intenção da LRF”, disse.

Manoel Pires, por sua vez, lembra que em 2014, o governo permitiu abater todas desonerações da meta, transformando o objetivo em uma banda bastante ampla. “Mesmo nessa situação tinha piso. Agora não tem piso, é zero. Para ir em situação extrema, que não vai acontecer, se o governo quiser pode desonerar o país inteiro”, disse. “Mensagem de que não vai ter meta é ruim.”

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