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Solidariedade com responsabilidade

Plano que deveria recuperar os Estados da inadimplência irá nutrir vícios que levaram a ela

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Por Notas & Informações
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“Crises como esta tendem a trazer o melhor e o pior na humanidade”, disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Com a política nacional não é diferente. No Planalto, por exemplo, a crise expôs o melhor de seus quadros técnicos – por exemplo, nos Ministérios da Saúde, da Infraestrutura ou da Agricultura –, assim como o pior de suas hostes ideológicas. O melhor dos governos estaduais veio à tona com as medidas acertadas de contenção da epidemia. Já o pior – o oportunismo político e a irresponsabilidade fiscal – rebentou na semana passada no Congresso, com as negociações para a reformulação do Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (o “Plano Mansueto”).

O plano, apresentado no ano passado, estabelece um programa temporário de curto prazo que permite a Estados e municípios sem capacidade de pagamento contrair empréstimos com garantias da União desde que façam ajuste fiscal.

Com a pandemia, o Congresso decidiu acertadamente flexibilizar algumas exigências para liberar novos financiamentos, criando um “fast track” para que os governos subnacionais possam acessar dinheiro novo – uma espécie de “respirador” para Estados e municípios à beira da asfixia.

O problema é que, com a crônica desarticulação do Planalto, o plano foi rapidamente desfigurado. Como alertaram em artigo no Brazil Journal os economistas do Insper Marcos Lisboa e Marcos Mendes, os Estados aproveitaram a ocasião para empurrar ao Tesouro – diga-se, aos contribuintes – os custos de décadas de má gestão que nada têm a ver com a crise sanitária. Os “governadores estão negociando ‘a mãe de todas as bombas fiscais’, elevando a dívida pública a 100% do PIB e onerando a sociedade com (ainda) mais impostos e austeridade por pelo menos mais uma década”.

Em negociação estão novas linhas de empréstimos, suspensão do pagamento da dívida com a União e dos pagamentos de precatórios por longuíssimos prazos e suspensão dos limites de pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. A equipe econômica calcula um custo de R$ 160 bilhões para a União. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fala em R$ 85 bilhões. Lisboa e Mendes estimaram R$ 150 bilhões. Após uma guerra de números no plenário, a votação foi adiada para esta semana, dando tempo para que os parlamentares tentem chegar a um consenso.

O projeto autoriza os Estados a aumentar em 10% o estoque de suas dívidas. Além de suspender o pagamento das dívidas, permite aos governadores tomarem crédito novo no limite de 8% de suas receitas. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, os novos empréstimos somariam algo entre R$ 55 bilhões e R$ 65 bilhões, além do volume de R$ 565 bilhões de 2019. Mas tudo sem qualquer contrapartida.

Isso significaria repetir a ampliação do endividamento dos Estados após a crise de 2008, abrindo margem para que os recursos sejam empregados em mais gastos permanentes, agravando sua penúria e inadimplência. “O custo recairá sobre a União, passada a tempestade, e o problema fiscal será maior do que antes da crise”, advertiu o diretor da IFI, Felipe Salto. “Trata-se de repassar todo o passivo dos Estados para a União e ainda obter recursos adicionais”, disseram Lisboa e Mendes.

Um plano de resgate dos Estados já era urgente antes da crise e ficou ainda mais com ela: os Estados e municípios precisam ser salvos do desequilíbrio fiscal e, se não for encontrada uma solução, o País se tornará ingovernável. Mas generosidade não pode ser sinônimo de irresponsabilidade. O Congresso precisa se concentrar em programas emergenciais e intervenções cirúrgicas para socorrer o sistema de saúde e os desfavorecidos pelo apagão econômico. Mas se, a pretexto do pânico social, for estendido aos Estados todo o bônus – o crédito –, sem o ônus – a racionalização de seus gastos –, isso custará às próximas gerações mais impostos e menos investimentos públicos. Desvirtuado como está, o plano que deveria recuperar os Estados de sua crônica enfermidade pulmonar – agravada com a crise pandêmica – está nutrindo os vícios que levaram a ela.