BRASÍLIA E SÃO PAULO - As disputas entre governo , Câmara e Senado atrasaram o andamento de medidas inicialmente apresentadas como urgentes para o combate à crise do coronavírus .
Aguardado com ansiedade por governadores e prefeitos , o plano de socorro a estados e municípios enfrenta dificuldades para sair do papel pela falta de apoio da equipe econômica e por uma batalha por protagonismo entre as Casas do Congresso .
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Em outra frente, a proposta aprovada por deputados para criar um Orçamento de guerra e flexibilizar gastos emergenciais esbarra em contestações por parte dos senadores a respeito do impacto da medida sobre a atuação do Banco Central (BC) .
As demandas para combater a pandemia , por sua vez, se multiplicam, à espera da concretização dos projetos.
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A necessidade de ajuda extra a estados e municípios foi apresentada por gestores locais em meados de março, logo após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia. Alguns pedidos chegaram a ser atendidos, como a recomposição das perdas dos Fundos de Participação de Estados e Municípios (FPE e FPM). Também foram liberados recursos para a Saúde e para a Assistência Social.
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O repasse de recursos livres, no entanto, está emperrado. Depois de três tentativas, a Câmara aprovou um projeto para que a União compense perdas na arrecadação de governos locais. A ideia foi rechaçada pela equipe econômica, que passou a negociar com o Senado uma alternativa. Até ontem, se analisava se o impasse seria destravado por medida provisória (MP) ou projeto de lei.
Enquanto isso, o Orçamento de guerra — necessário para viabilizar as despesas extras da União — está demorando a sair. A proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata do assunto foi aprovada pela Câmara há duas semanas. Quando chegou ao Senado, no entanto, empacou por ter aberto a possibilidade de que o BC compre títulos. O ajuste de tecnicalidades vai obrigar que o texto, aprovado em primeiro turno no Senado, volte a ser analisado pelos deputados.
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A PEC é fundamental para dar munição ao governo para expandir gastos públicos, pois suspende algumas regras fiscais, como a que impede a União de se endividar para bancar despesas correntes. Ao anunciar o auxílio emergencial a trabalhadores informais, em março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a fazer um apelo para que deputados e senadores votassem o texto “em 48 horas” para que o benefício fosse pago.
Divergências atrasam combate ao vírus, dizem analistas
As divergências políticas entre governo e Congresso sobre o tamanho do socorro a estados e municípios podem atrasar as ações de combate ao novo coronavírus. Além disso, têm o potencial de piorar a situação fiscal dos governos locais, na avaliação de especialistas em contas públicas.
O governo acenou com uma proposta de R$ 77,4 bilhões , um montante que engloba R$ 40 bilhões em repasses a estados e municípios, além da suspensão de dívidas dos governos locais com a União e bancos públicos. Já o projeto aprovado na Câmara tem impacto estimado de mais de R$ 89 bilhões e prevê a compensação, por seis meses, das perdas na arrecadação de impostos como ICMS e ISS.
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Na avaliação da equipe econômica, isso funcionaria como um cheque em branco, pois não é possível antever de quanto será a queda. No Senado, parlamentares afirmam que farão uma medida provisória junto com o governo, ou outro projeto.
— Esse conflito atrapalha muito e dificulta ainda a questão fiscal dos estados e municípios. Quanto mais rápido for decidido um valor, melhor a efetividade de aplicação dos recursos. Trata-se de uma operação complexa. É preciso ter um mínimo de controle de onde os recursos serão aplicados. Demorou para cair a ficha de que a ajuda é necessária nesse grau de instabilidade que estamos vivendo — diz Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
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Para ele, o ideal é que se estabeleça um valor fixo de ajuda, que poderiam ser os R$ 40 bilhões que a equipe econômica do governo federal está disposta a oferecer. A suspensão de dívidas dos estados com a União, outra ajuda oferecida pelo governo federal, já está em vigor por decisão do STF, lembra Pellegrini:
— É preciso ponderar que não há garantia nem de ter 100% desses R$ 40 bilhões, já que a União também perde com impostos.
Poder da caneta
O professor do Insper André Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas da instituição, lembra que a situação fiscal dos estados já era delicada e, com a crise, ficou dramática. Para ele, é preciso cooperação entre Executivo e Congresso para que a ajuda financeira seja decidida de forma rápida. Quando há conflito, como agora, a tendência é o debate se estender por mais tempo.
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— O tempo agora é mais precioso do que nunca, já que quem vai pagar a conta disso é o cidadão. E pode pagar com a própria vida, se não houver recursos para ações de saúde. Cada poder tem autonomia, mas não dá para ficar numa disputa sobre qual caneta tem mais poder — diz Marques.
Dos três estados com maior número de casos de Covid-19, em tese São Paulo e Amazonas — ainda que não tenham uma ótima situação de caixa — estão melhor do que o Rio e têm mais fôlego para aguentar a queda de arrecadação com ICMS e ISS (este, no caso das prefeituras). Mas isso dependerá da velocidade dos gastos.
Marques lembra que a situação dos hospitais do Amazona s já é delicada:
— São Paulo já anunciou contenção de despesas, mas há muita demanda por saúde. Então é preciso observar qual será o socorro do governo federal, se o corte de despesas anunciado será mesmo implementado, e o fôlego de caixa. São muitas variáveis para estimar quanto tempo o estado aguenta. Já o Rio tinha uma situação fiscal dramática, está no regime de recuperação especial, e agora não está gerando caixa com ICMS.
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Marques observa que, qualquer que seja a forma de ajuda aos estados, com recursos fixos ou variáveis, é preciso haver um mínimo de fiscalização sobre o uso do dinheiro, como argumenta o governo. E, pelo lado da Câmara, é legitima a preocupação de que o total de recursos a serem repassados seja insuficiente.
— Os dois lados têm argumentos. Mas é preciso sentar à mesa e conversar — diz o professor do Insper.
Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada da FGV/Ibre, avalia que nenhum estado estava preparado para um choque tão intenso como o da pandemia. Para ela, o melhor caminho é mesmo uma ajuda da União:
— Mas a questão é que se não for algo muito bem desenhado, pode gerar problemas. Embora o tempo esteja correndo, é importante fazer algo bem feito.
Ela avalia que, pela ótica de gasto com pessoal frente a receita e capacidade de pagamento, os melhores são São Paulo e Espírito Santo.